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Fiscalização sobre
campanhas eleitorais e sobre a conduta do chefe do Executivo foi aperfeiçoada
desde o afastamento de Fernando Collor da Presidência da República. Mas
descrença da população na política ainda é grande.
Há 20 anos,
exatamente no dia 29 de setembro de 1992, a Câmara dos Deputados aprovava com
441 votos favoráveis a abertura de um processo de impeachment contra o então
presidente da República, Fernando Collor de Mello. Assim que o deputado Paulo
Romano, do antigo PFL de Minas Gerais, gritou um vigoroso "sim" no
microfone daquela tumultuada sessão do Congresso Nacional – completando os 336
votos mínimos necessários – milhares de manifestantes em todo o país foram às
ruas celebrar a decisão histórica.
Naquele Brasil
recém-saído da ditadura militar e abalado pelos sucessivos escândalos em torno
do primeiro presidente eleito após a abertura política, era grande a sede por
democracia. Os chamados caras-pintadas – jovens estudantes que traziam os
rostos cobertos por mensagens de "fora Collor" – realizavam protestos
cada vez maiores pedindo a saída do chefe do Executivo, acusado de corrupção.
Especialistas
ouvidos pela DW Brasil concordam que muita coisa mudou – e para melhor – no
cenário político brasileiro desde o afastamento de Collor. A legislação sobre o
financiamento de campanhas, por exemplo, passou a aceitar doações privadas.
Mecanismos anticorrupção foram aperfeiçoados. As instituições democráticas
tornaram-se mais sólidas. Mas eles ressaltam que ainda há muito a avançar,
especialmente nos âmbitos estadual e municipal.
Experiência
importante para uma jovem democracia
Para Bruno Wilhelm
Speck, chefe do Departamento de Ciências Políticas da Universidade de Campinas,
duas medidas implementadas nesses últimos 20 anos fizeram uma grande diferença
com relação "à sensação de impunidade", especialmente no Executivo: a
maior atuação da Polícia Federal como órgão de investigação dos crimes de
"colarinho branco" e a criação da Controladoria Geral da República
(CGU), em 2001.
"Hoje em dia é
provável que pessoas envolvidas em crimes de corrupção sejam presas e
processadas", avalia Speck, ex-consultor da Transparency International,
uma rede de ONGs de combate à corrupção com sede na Alemanha. "Mas ainda
há dificuldades de o Judiciário processar essas acusações de forma rápida e
convincente. O fato de estarmos no sétimo ano do mensalão e só agora termos o
julgamento no Supremo Tribunal Federal mostra isso."
A criação de
movimentos de combate à corrupção eleitoral, assim como a Lei da Ficha Limpa,
são apontadas como conquistas importantes das duas últimas décadas pelo
cientista político Tim Wegenast, da Universidade de Constança, na Alemanha.
"Talvez o Collorgate tenha sido um pontapé inicial para essas iniciativas.
O impeachment foi uma experiência importante para uma democracia ainda jovem, a
fim de formar atitudes cívicas e um maior entendimento democrático",
avalia.
Financiamento de
campanhas
Speck aponta também
significativas melhoras no processo eleitoral brasileiro com a introdução do
voto eletrônico, em 1996, e a independência da Justiça Eleitoral. Com isso,
passaram a ser coibidas fraudes que ocorreram na década de 1980.
O caso Collor foi
ainda determinante para que a legislação eleitoral passasse a permitir
oficialmente – e praticamente de forma ilimitada – doações privadas para as
campanhas, mas ao mesmo obrigasse esses financiadores a prestarem contas. O
ex-presidente foi acusado de se beneficiar de um esquema de tráfico de
influência e de irregularidades financeiras montado pelo tesoureiro de sua
campanha, Paulo César Farias.
"Hoje em dia
há uma forte influência do poder econômico sobre o processo eleitoral, o que é
um lado negativo e um risco. Mas, por outro lado, existe a possibilidade de
analisar esses dados, por meio dessa prestação de contas, e de acompanhar se o
financiamento tem alguma influência sobre a política adotada", analisa
Speck. Assim os próprios partidos políticos e a mídia se encarregam de
fiscalizar essas doações.
Democracia
fortalecida
Na opinião de
Timothy Power, diretor do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de
Oxford, pode-se afirmar que a democracia brasileira está mais fortalecida, 27
anos após o fim do regime militar. "Nos primeiros anos da chamada Nova
República, nos governos José Sarney e Collor, havia atores políticos que
duvidavam do novo regime. Nas Forças Armadas ainda havia uma ala claramente
antidemocrática, como alguns dos ministros militares do Sarney", ressalta
Power.
Ele relembra ainda
a declaração do então presidente da Federação das Indústrias de São Paulo
(Fiesp), Mario Amato, nas eleições de 1989, de que se Lula fosse eleito, 800
mil empresários deixariam o Brasil. "Havia essas tendências, essas vertentes
de defecção democrática que diziam: 'se a gente não ganha, não vamos jogar mais
o jogo democrático'", afirma. "Hoje não há nenhum ator
antidemocrático importante no Brasil."
Descrença na classe
política
No entanto,
Wegenast chama a atenção para a descrença da população brasileira nas
instituições democráticas, no Parlamento e nos partidos políticos, como mostram
pesquisas recentes. As frequentes denúncias de esquemas de corrupção e a
constatação de práticas de clientelismo e de patrimonialismo, especialmente em
âmbitos estadual e municipal, estariam levando a uma desilusão generalizada.
Ele acredita,
porém, que melhoras na educação e o declínio da pobreza nos últimos anos são
mudanças estruturais que contribuem para gerar uma consciência política na
população. "Isso poderá contribuir para que o eleitorado seja menos
suscetível, menos dependente de favores do governo", avalia.
As políticas de
alianças partidárias – outra herança de 1992 – também acabam deixando o eleitor
muitas vezes confuso e até mesmo frustrado. O próprio Collor, senador por
Alagoas desde 2007, é hoje um grande aliado do governo do PT – o mesmo partido
que há 20 anos foi um dos maiores responsáveis por sua cassação.
Além de estar de
olho na popularidade tanto de Lula quanto de Dilma na região Nordeste, o
alagoano estaria seguindo uma tendência histórica na política brasileira,
afirma Power: manter-se ao lado do governo para garantir algumas vantagens,
como o repasse de verbas no orçamento e indicações de cargos.
Um bom exemplo
Se, por um lado, a
corrupção ainda é um grave problema no Brasil, por outro o país conta com todas
as armas para enfrentá-la, na avaliação de Speck. O professor acredita que o
Brasil possui os três ingredientes básicos para abolir essa prática nefasta de
seu cenário político: recursos, capacidade administrativa e disposição
política. Esta última seria despertada pela concorrência entre os próprios
políticos e pela pressão da mídia.
Power ressalta
ainda que o processo do impeachment deu um bom exemplo para o mundo, apesar do
certo trauma causado à época. Depois de ser afastado da presidência com a
aprovação do processo de cassação na Câmara, Collor teve três meses para
trabalhar em sua defesa e apresentá-la ao Senado. Um procedimento bem
diferente, por exemplo, do processo relâmpago que levou ao afastamento de
Fernando Lugo da presidência do Paraguai, em junho deste ano.
Autora: Mariana
Santos - Revisão: Alexandre Schossler
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