segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A FRAULEIN DA CASA DIVIDIDA

 

Ana Sá Lopes – i online, opinião
 
Como é possível que a Europa do Sul não discuta em conjunto a saída do euro?
 
Com a honrosa excepção da famosa fotografia tirada em vestido de noite, que mais à frente se reproduz, a imagem de Angela Merkel é um prodígio de identificação com o velho estereótipo da “fraülein” – a preceptora de meninos dura e castigadora. Também este cliché contribui para personalizar no rosto do poder alemão a aversão a uma política que está a atirar a Europa para uma recessão profunda, a Grécia, Portugal, Espanha e Itália para as trevas e a própria Alemanha para o crescimento zero.
 
E, no entanto, se amanhã Merkel desaparecesse do mapa político alemão, tudo ficaria na mesma na Europa. O problema é mais profundo e é incurável – está em curso uma espécie de guerra de secessão europeia, com a Mitteleurope, a Finlândia e Holanda de um lado e o Sul pecaminoso e católico do outro. A Europa é hoje uma casa dividida – como Lincoln chamou aos Estados Unidos no outro tempo. A única diferença é que esta não tem cura.
 
A crise do euro tem servido para trazer ao de cima tudo aquilo que esteve recalcado nos últimos 50 anos no Norte da Europa, porque havia uma urgência primacial: esquecer o nazismo, inventar uma unidade política despojada do Mal que promovesse a reconciliação da Alemanha com os vizinhos e, finalmente, a reunificação alemã.
 
Agora que o nazismo está oficialmente esquecido, os europeus do Norte já não precisam de esconder os seus preconceitos contra o Sul no super-ego ou lá onde é. Os fundadores da Europa não contaram com isto, na sua ilusão de que todo o esquecimento seria glorioso.
 
Digamos que, lá do sítio de onde ela vem, há muito pior do que Merkel – na semana passada, a chanceler levou uma reprimenda do seu conselho de sábios económicos por ter ousado avançar com umas medidas de crescimento.
 
O Bundesbank não se contentou que os europeus tivessem decidido criar o BCE à sua imagem e semelhança – é hoje, mais ainda do que Angela Merkel, um dos mais poderosos símbolos da ideologia que vai acabar com a Europa, porque o fim desta história é também o fim da Europa.

O que é mais extraordinário é a total impotência que revelam os povos do Sul – no nosso caso com genuíno síndrome de Estocolmo institucional. Como é que é possível que a Europa do Sul não discuta em conjunto a saída do euro, a única arma de negociação com peso de que dispõe? Tal como está, o euro vai matar o Sul da Europa e dar pouca saúde ao Norte. Esperar uma mudança substancial na Alemanha é sonhar com ladrões.
 

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