segunda-feira, 12 de novembro de 2012

12 de Novembro de 1975. O dia em que o governo e a Assembleia foram sequestrados

 

Catarina Falcão – i online
 
No cerco à Assembleia os deputados passaram fome e dormiram nas bancadas. O primeiro-ministro foi obrigado a ceder aos manifestantes
 
De 12 para 13 de Novembro de 1975 o governo e os deputados da Assembleia Constituinte foram sequestrados por manifestantes que queriam melhores salários e melhores condições de trabalho. Foram 40 horas com insultos ao primeiro-ministro e deputados a dormitarem nas bancadas e nos sofás do parlamento.
 
Em Novembro de 1975, os trabalhadores da construção civil exigiam ao VI governo provisório – liderado pelo almirante Pinheiro de Azevedo – novas tabelas salariais. As negociações chegaram a um impasse, e foi convocada para dia 12 uma manifestação que seguiria do Terreiro do Paço para o Ministério do Trabalho. Um comunicado de última hora dá conta que o Conselho de Ministros “puxou para si a resolução do conflito” e que todas as instalações do Ministério do Trabalho estariam fechadas, relata “A Capital”, sendo então a manifestação dirigida para S. Bento.
 
Milhares de pessoas concentraram-se nas ruas da Baixa e daí seguiram para exigir uma reunião com o primeiro-ministro.
 
Mas numa altura conturbada em termos políticos e ideológicos, nem toda a gente queria negociar. “Muitos trabalhadores estavam efectivamente com o PCP, mas havia outras correntes, algumas com palavras de ordem mais radicais e havia quem defendesse um ataque a S. Bento”, diz Carlos Brito, deputado da Assembleia Constituinte e antigo dirigente do PCP que nesse dia orientava os líderes do movimento sindical.
 
Perante a demonstração de força dos trabalhadores, que trouxeram consigo carrinhas, betoneiras e gruas que bloquearam progressivamente o acesso ao palácio de S. Bento – “piquetes de trabalhadores controlavam o acesso aos palácios” pode ler-se em ”O Jornal” de 14 de Novembro – e as parcas forças policiais que garantiam a segurança, o primeiro--ministro acabou por receber os sindicatos.
 
Pinheiro de Azevedo veio depois à varanda anunciar que tinha sido atingido um primeiro acordo, mas foi logo apelidado de “fascista” e “Pinochet”. E o primeiro--ministro retorquiu – “Vão bardamerda mais o fascista” – o que terá enfurecido ainda mais as massas e obrigou à continuação da maratona negocial pela noite dentro, já que ninguém arredava pé, sitiando o palácio e a Assembleia sem permitir entradas nem saídas – excepto jornalistas. Apenas o deputado Abílio França do PPD foi autorizado a sair porque se sentiu mal e foi levado de ambulância para o hospital.
 
Uma noite na Assembleia Dentro da Assembleia, os deputados começaram a ficar preocupados. Mário Soares conta no livro “Ditadura e Revolução” que foi avisado por Jaime Gama do que estava a acontecer, terminou o discurso que estava a fazer à pressa e ainda conseguiu fugir com Manuel Alegre. Outros não tiveram tanta sorte. “Havia medo e receio. Deu-se um caso muito grave na minha bancada em que a mulher de Francisco Oliveira Dias – que mais tarde foi presidente da Assembleia – teve uma sincope cardíaca com o susto de ter o marido sequestrado e morreu”, relata ao i Basílio Horta, na altura deputado do CDS e actual deputado pelo PS.
 
“Estávamos ali cercados, não podíamos ir jantar – na altura não havia restaurantes dentro da AR. Os víveres eram mesmo só os do bar e esgotaram-se em meia hora. Foi um jejum forçado”, lembra Mota Amaral, que era deputado da Constituinte e ainda hoje é deputado. Um helicóptero ainda tentou levar mantimentos aos deputados, mas foi interceptado por manifestantes que julgaram ser um meio de fuga.
 
Igrejas Caeiro, deputado do PS, acusava os trabalhadores de introduzirem sacos com comida para o PCP, dizia “A Capital”, uma versão também patente nas memórias políticas de Freitas do Amaral. Carlos Brito desmente: “Isso é uma ideia fantasiosa”.
 
Para dormir, muitos optaram pelas bancadas ou pelos sofás. O deputado socialista Sottomayor Cardia aparece numa fotografia do jornal “A Capital” a dormir nos sofás, enquanto outros deputados preferiram ficar a conversar. Galvão de Melo, deputado do CDS, queixava-se por “ter perdido um óptimo jantar”, outro deputado do PPD, de acordo com “O Jornal”, dizia ter bilhetes para o cinema para aquela noite. Sophia de Melo Breyner, deputada socialista na Constituinte, lamentava o sequestro afirmando: “Acho um abuso de força. Só há revolução quando ninguém abusa de ninguém”.
 
Mas nem todos estavam restringidos nos seus movimentos. A deputada do PCP Hermenegilda Pereira estava nas escadas de S. Bento à procura de boleia pois àquela hora “já tinha perdido o barco para casa”. “O PCP teve um papel de moderar, não as reivindicações dos trabalhadores nem a marcha até São Bento mas no sentido de dissuadir um assalto à AR”, explicou ao i Carlos Brito que assegura que “houve momentos em que o perigo de invasão à AR existiu e era importante para o PCP tentar ao máximo evitar essa situação, porque seríamos crucificados caso isso acontecesse”.
 
Às 12h45 de 13 de Novembro, depois de uma promessa de aumento salarial por Pinheiro de Azevedo, os deputados saíram da Assembleia entre fileiras de protecção. Enquanto os deputados do PS, PPD e CDS eram apupados e insultados, os deputados do PCP foram recebidos pela multidão que ali ainda se mantinha com gritos de vitória.
 
“O cerco foi o culminar de um processo revolucionário que estava em curso. Havia uma luta feroz entre a legitimidade revolucionária e a legitimidade democrática que só terminou no 25 de Novembro. Estivemos à beira da guerra civil. O cerco foi o clímax”, recorda Basílio Horta.
 
Hoje como ontem A História voltou a repetir-se em parte, na noite de 31 de Outubro, quando os deputados tiveram de ser escoltados devido à manifestação “Que se lixe a troika! Este Orçamento não passará!”, mas para os mais experientes nestas situações o caso é diferente.
 
“O sequestro de 1975 ficou a dever-se em muito às fracas forças de segurança, mas actualmente são muito mais treinadas e poderosas e não deram nenhuma hipótese à manifestação para avançar”, considera Carlos Brito, que acrescenta que agora “há um alto sentido cívico de até onde devem ir estas manifestações”.
 
“Enquanto as manifestações obedecerem às regras democráticas não há porque nos opormos a elas. Se ultrapassarem os limites tem de se recorrer às forças policiais para manterem a integridade. A Assembleia da República é inviolável” afirma Mota Amaral. Já Basílio Horta mostra-se preocupado com o futuro: “Se o governo não inflectir a sua política, isto pode ser um rastilho e vamos ter situações muito delicadas. O país está um barril de pólvora”.
 

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