domingo, 4 de novembro de 2012

Europa: Mergulhada em pessimismo, Hungria reabilita ícone aliado ao nazismo

 

Roberto Almeida, Budapeste – Opera Mundi
 
Em recessão, país passa por guinada nacionalista; 93% consideram a situação econômica como péssima
 
O rio Danúbio pode escorrer por entre Buda e Peste, azul e majestoso, o quanto ele quiser. O pessimismo húngaro normalmente prefere ver um rio poluído e sem graça, para espanto dos turistas sorridentes. A linha 1 do metrô da capital, a terceira mais antiga do mundo, é considerada ultrapassada. Charmosa, quase nunca.

São perspectivas diferentes de quem vive na Hungria, em uma economia periférica sob os solavancos de uma democracia recente, e de quem está só de passagem pelo país, em uma visita rápida com os bolsos cheios de euros.

O Eurobarometer, a pesquisa de opinião da União Europeia, oferece os números: 93% da população acredita que a situação econômica do país é péssima. Ao mesmo tempo, 96% acha que a corrupção na Hungria é um problema enorme. Em outra pesquisa pouco animadora, realizada pelo Instituto Gallup, 30% dos húngaros não esperam que o país vá melhorar nos próximos cinco anos.

Na média das três sondagens, a Hungria só perde para a Grécia, em queda livre, quando o assunto é descontentamento e falta de perspectiva. “Quando as coisas ficam assim, nós fazemos piada. Por exemplo: como um húngaro inteligente fala com um húngaro burro? Por chamada internacional”, disse ao Opera Mundi, sem esboçar sorriso, a estudante e guia de turismo independente Anna Virányi.

Sem ter uma reposta óbvia para os próprios problemas, boa parte dos húngaros gosta de dizer, simplesmente, que o pessimismo está no próprio sangue. Chegam a tratar o assunto como questão de identidade nacional.

“Os moradores [de Budapeste] muitas vezes não percebem como são sortudos em morar nesta cidade linda e que deveria ser mais bem cuidada”, continua Anna. “As pessoas jogam lixo no chão e simplesmente olham para os próprios pés no transporte público em vez de olhar pelo menos pela janela, para as coisas boas. Eles seriam mais felizes se se concentrassem em coisas melhores.”

Nova constituição

Muitos húngaros dizem que, se tivessem dinheiro, já teriam saído do país. Outros preferiram embarcar em uma onda nacionalista para estancar o pessimismo, apoiados na nova Constituição húngara, redigida e aprovada no início do ano pelo Fidesz, partido de centro-direita do premiê Viktor Orbán. O texto tem contornos autoritários e ultraconservadores.

A carta adota, por exemplo, a doutrina cristã como pilar para políticas públicas, rechaçando o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Além disso, o texto redigido pelo Fidesz criminalizou o partido comunista e, consequentemente, seu sucessor, o socialista MSZP, que faz oposição ao atual governo.

Como resultado, dois movimentos paralelos simbolizam as mudanças de identidade do país. O primeiro é a recente prisão do ex-ministro do Interior e líder comunista Bela Biszku, hoje com 90 anos, por suspeita de ter cometido crimes de guerra durante a Revolução de 1956. Biszku é acusado de mandar as forças de segurança abrirem fogo contra a multidão em Budapeste, deixando pelo menos 50 mortos.

“Em 2010, o caso de Biszku tornou-se simbólico e bastante importante para a direita conservadora e anticomunista, a essência dos eleitores do governo atual. Este vai ser um caso longo e eu não sei se Biszku estará vivo quando sair a sentença”, disse ao Opera Mundi o editor do portal conservador Mandiner.hu, Gellert Rajcsanyi.

O segundo movimento é a renovada idolatria ao almirante Miklos Horthy, alinhado com Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial, pelas mãos da extrema-direita húngara. O partido Jobbik, que representa essa fatia da política local, tem exaltado a inauguração de estátuas em sua homenagem em pequenas cidades de todo o país. Budapeste também deve ganhar a sua no rico distrito de Buda.
 
Horthy é, para a extrema-direita, um símbolo da ressurreição do país após o fim da Primeira Guerra Mundial e a assinatura do Tratado de Trianon, em 1919, que reduziu o tamanho do território húngaro em 72%. Com o poder nas mãos, o almirante passou a regente, iniciou uma campanha de terror contra os comunistas que o antecederam no poder e, já durante a década de 1940, facilitou as deportações de judeus para o campo de concentração de Auschwitz.

“O culto a Horthy sempre foi um fenômeno de base popular desde o fim da guerra, em algumas partes da sociedade húngara. É interessante que a extrema-direita goste da política de Horthy - embora ele tenha sido adversário de fascistas e nazistas em seu tempo”, afirmou Rajcsanyi.

Para ele, a direita conservadora “equilibrou a balança” do poder na Hungria e está em plena evolução. “Até há pouco tempo, uma corrente da esquerda-liberal dominava os debates políticos e intelectuais. A direita cresceu lentamente, e agora há redes, grupos de poder, instituições e um número grande de intelectuais dos dois lados”, afirmou.

Mais negociações com o FMI

Em 2004, ano em que a Hungria entrou na União Europeia, houve um suspiro de mudança no comportamento errático do país, que vinha de um cambaleante período pós-comunismo. No entanto, prestes a completar dez anos como membro do bloco, os húngaros pouco saíram do lugar quando o assunto é economia e qualidade de vida.

O florim, a moeda local, continua desvalorizado e o salário mínimo está abaixo de 300 euros, um dos menores da região. O crescimento estimado para o país neste ano é zero e Orbán negocia um novo “acordo de emergência” com o FMI (Fundo Monetário Internacional). Os termos, no entanto, ainda estão em discussão e envolvem cortes em aposentadorias e isenção fiscal para bancos.

O governo culpa a crise de 2009, em que o PIB da Hungria, em curva ascendente havia uma década, sofreu um duro golpe e despencou 6,8% em um ano. Desde então, a economia do país está atrelada a uma dívida de 20 bilhões de euros com o FMI e mostra sinais de recessão. O Fidesz, de Orbán, tem maioria absoluta no Parlamento húngaro. A próxima eleição parlamentar no país está marcada para o início de 2014.
 
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