segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Guarani-Kaiowá denunciam racismo da revista Veja e exigem direito de resposta

 

Pragmatismo Político
 
Documento repudia “a divulgação e posição racista e discriminante” da revista Veja e reafirma a autonomia organizativa e política Guarani e Kaiowá na luta pela recuperação dos territórios
 
Alvos de reportagem da Revista Veja no último dia 4, indígenas Guarani e Kaiowá lançaram nesta quarta-feira, 14, uma carta pública exigindo o direito de resposta na publicação. Afirmam, também, que irão encaminhar denúncia de racismo e estímulo ao ódio ao Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul (MPF-MS). A carta foi coassinada por cerca de cinquenta organizações.
 
A matéria, assinada por Leonardo Coutinho e Kalleo Coura e publicada nas versões impressa e virtual da revista, foi considerada discriminatória pelos indígenas.
 
Segundo a carta, a Veja “não perdeu ‘a oportunidade de apresentar, mais uma vez, a imagem dos Guarani e Kaiowá como seres incapazes, como [se] nós indígenas não fossemos seres humanos pensantes. Fomos considerados como selvagens e truculentos’”, afirmam.
 
Um abaixo-assinado exigindo direito de resposta será enviado ao MPF-MS.
 
Leia o documento na íntegra:
 
Revista Veja: direito de resposta aos Guarani-Kaiowá já
 
“A escrita, quando você escreve errado, também mata um povo”. Assim afirmaram os professores Guarani-Kaiowá a respeito do que foi publicado na revista Veja, em 4 de novembro, sobre a luta de seu povo pelos seus territórios tradicionais.
 
Sob os títulos de “A ilusão de um paraíso” e “Visão medieval de antropólogos deixa índios na penúria” (nas versões impressa e virtual, respectivamente), a reportagem parte de uma visão: i) claramente parcial no que diz respeito à situação sociopolítica e territorial em Mato Grosso do Sul, pois afirma que os indígenas querem construir “uma grande nação guarani” na “zona mais produtiva do agronegócio em Mato Grosso do Sul”; ii) deliberadamente distorcida quanto à atuação política dos grupos indígenas supracitados e dos órgãos atuantes na região, desmoralizando os primeiros ao compará-los, ainda que indiretamente, a “massas de manobra” das organizações supostamente manipuladoras e com uma “percepção medieval do mundo”; iii) irresponsável e criminosa, por estimular medo, ódio e racismo, como se vê no seguinte trecho: “o resto do Brasil que reze para que os antropólogos não tenham planos de levar os caiovás (sic) para outros estados, pois em pouco tempo todo o território brasileiro poderia ser reclamado pelos tutores dos índios”.
 
A reportagem, assinada pelos jornalistas Leonardo Coutinho e Kalleo Coura, não perdeu “a oportunidade de apresentar, mais uma vez, a imagem dos Guarani e Kaiowá como seres incapazes, como [se] nós indígenas não fossemos seres humanos pensantes. Fomos considerados como selvagens e truculentos”, conforme escreveu o Conselho da Aty Guasu, a assembleia Guarani e Kaiowá, em nota pública lançada no último dia 5.
 
O documento repudia “a divulgação e posição racista e discriminante” do texto e reafirma a autonomia organizativa e política Guarani e Kaiowá na luta pela recuperação dos territórios. “A Luta pelas terras tradicionais é exclusivamente nossa. Nós somos protagonistas e autores da luta pelas terras indígenas. [E] nós envolvemos os agentes dos órgãos do Estado Brasileiro, os agentes das ONGs e todos os cidadãos (ãs) do Brasil e de outros países do Mundo”, afirmou a Aty Guasu. Ali também denuncia o tratamento difamatório na reportagem, reiterada na nota da Comissão de Professores Guarani-Kaiowá ao indicar que, propagando o ódio contra os indígenas, “a matéria quer colocar um povo contra outro povo. Quer colocar os não-índios contra os indíos. Essa matéria não educa e desmotiva. Ao invés de dar vida, ela traz a morte”.

A conjuntura em que estão inseridos os Kaiowá e Guarani lhes é extremamente desfavorável. Num momento em que se procura gerar uma negociação que busque superar os conflitos entre indígenas e fazendeiros no Mato Grosso do Sul, a revista teima em incendiar os ânimos de seus leitores ruralistas. A matéria carrega em si uma série de falhas na apuração das informações, apresentando fatos falsos ou distorcidos:

1. A reportagem expõe e reforça uma imagem distorcida e estigmatizada dos indígenas como dependentes de órgãos púbicos e privados, usuários de drogas e reféns dos interesses de indivíduos ou organizações exógenas às comunidades. Essa imagem estimula o racismo, o ódio e preconceito contra indígenas, problema histórico no Brasil, em geral, e no Mato Grosso do Sul, em particular, podendo intensificar a tensão e a violência já sofrida pelo povo Guarani-Kaiowá.
 
2. Aciona, também, preconceito contra a sociedade não-indígena, quando afirma que a população apoiadora da causa é manipulada, conforme explicitado na nota da Aty Guasu: a “(…) REVISTA VEJA considera que esses cidadãos (ãs) manifestantes seriam ignorantes e não conheceriam as situações dos Guarani e Kaiowá, os tachando de ignorantes aos cidadãos (ãs) em manifestação”. Há também uma passagem de sexismo sugestivo no texto, citando mulheres que “não perderam a chance de protestar de peito aberto diante das câmeras”
 
3. Omite a verdade quando ignora de maneira retumbante os posicionamentos públicos dos indígenas Guarani-Kaiowá organizados em sua assembleia maior, a Aty Guasu
 
4. Deturpa de maneira generalizada o conteúdo da carta dos Kaiowá de Pyelito Kue, imputando suas denúncias a organizações exógenas e creditando ao Cimi sua autoria e divulgação. A reportagem, no mínimo, não atentou às datas de divulgação do carta, escrita de próprio punho por lideranças de Pyelito Kue e endereçada à Aty Guas no dia 9 de novembro. Deturpações como essa são usadas para corroborar a tese de que os Kaiowá são “manipulados” pelo Cimi, pelos antropólogos e pela Funai;
 
5. Não foram checadas informações e acusações. As organizações citadas no texto, notadamente o Conselho Indigenista Missionário, nunca foram questionadas pela reportagem sobre as informações e acusações;
 
6. Uso de fonte questionável. O antropólogo citado na matéria, Edward Luz, não é pesquisador dos Guarani e Kaiowá, sequer do Mato Grosso do Sul. É, sim, missionário evangélico, membro do Conselho Consultivo do Instituto Antropos, diretor da Associação das Missões Transculturais Brasileiras (AMTB), vinculada à Missão NovasTribos do Brasil, o braço brasileiro da ONG internacional New Tribes Mission, organização que já foi expulsa ou impedida de entrar em diversas aldeias indígenas pelo órgão indigenista oficial brasileiro, a Fundação Nacional do Índio. É a mesma fonte, também, de outras matérias na revista com o mesmo teor antiíndigena;
 
7. Houve ma-fé no uso de informações desmentidas há tempos. As informações destacadas no mapa sobre a dita “Nação Guarani” – que revisaria limites territoriais nacionais e internacionais – e a demarcação contínua das terras do sul do Estado do Mato Grosso do Sul já foram desmentidas por indígenas e posteriormente por antropólogos e pela própria Funai, e novamente pelos indígenas durante as agendas de audiências públicas no Congresso Nacional na última semana.
 
8. Uso de apenas uma linha de entrevista, de maneira descontextualizada, com um único indígena – mesma fonte da matéria anterior sobre os Kaiowá e Guarani – no sentido de sugerir concordância com o texto conclusivo da matéria.
 
9. Exposição indevida da imagem de crianças indígenas em fotografia utilizada para ilustrar reportagem preconceituosa, com contornos sensacionalistas, ofensivos e que faz juízo de valor depreciativo de sua comunidade.
 
Dessa forma, o Conselho da Aty Guasu, grande assembléia dos povos Guarani Kaiowá, em conjunto com as demais organizações signatárias, vem a público denunciar a postura criminosa da Revista Veja.
 
A Aty Guasu Guarani e Kaiowá e a Comissão de Professores Guarani e Kaiowá exigem a investigação rigorosa e punição cabível dos responsáveis, bem como o direito de resposta aos Guarani e Kaiowá na revista Veja. Tais demandas também farão parte de Representação ao Ministério Público Federal para que este, dentro de suas competências constitucionais, tome as medidas necessárias. A imprensa é livre para se posicionar da forma que bem entenda – no entanto, os “fatos” que norteiam a reportagem citada são falsos. Não se trata de uma questão de opinião, e, sim, de irresponsabilidade. Os povos Guarani e Kaiowá já foram vitimados suficientemente por irresponsabilidades.
 
Seguem assinaturas (ver no original)
 
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4 comentários:

Anónimo disse...

As redes sociais são mesmo a maior vitrine da humanidade, nelas vemos sua rara inteligência e sua quase hegemônica banalidade. A moda agora é "assinar" sobrenomes indígenas no Facebook. Qualquer defesa de um modo de vida neolítico no Face é atestado de indigência mental.

As redes sociais são um dos maiores frutos da civilização ocidental. Não se "extrai" Macintosh dos povos da floresta; ao contrário, os povos da floresta querem desconto estatal para comprar Macintosh. E quem paga esses descontos somos nós.

Anónimo disse...

PARTE 2

Pintar-se como índios e postar no Face devia ser incluído no DSM-IV, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.

Desejo tudo de bom para nossos compatriotas indígenas. Não acho que devemos nada a eles. A humanidade sempre operou por contágio, contaminação e assimilação entre as culturas. Apenas hoje em dia equivocados de todos os tipos afirmam o contrário como modo de afetação ética.

Desejo que eles arrumem trabalho, paguem impostos como nós e deixem de ser dependentes do Estado. Sou contra parques temáticos culturais (reservas) que incentivam dependência estatal e vícios típicos de quem só tem direitos e nenhum dever. Adultos condenados a infância moral seguramente viram pessoas de mau-caráter com o tempo.

Recentemente, numa conversa profissional, surgiu a questão do porquê o mundo hoje tenderia à banalidade e ao ridículo. A resposta me parece simples: porque a banalidade e o ridículo foram dados a nós seres humanos em grandes quantidades e, por isso, quando muitos de nós se juntam, a banalidade e o ridículo se impõem como paisagem da alma. O ridículo é uma das caras da democracia.

Anónimo disse...

PARTE 3

O poeta russo Joseph Brodsky no seu ensaio "Discurso Inaugural", parte da coletânea "Menos que Um" (Cia. das Letras; esgotado), diz que os maus sentimentos são os mais comuns na humanidade; por isso, quando a humanidade se reúne em bandos, a tendência é a de que os maus sentimentos nos sufoquem. Eu digo a mesma coisa da banalidade e do ridículo. A mediocridade só anda em bando.

Este fenômeno dos "índios de Perdizes" é um atestado dessa banalidade, desse ridículo e dessa mediocridade.

Por isso, apesar de as redes sociais servirem para muita coisa, entre elas coisas boas, na maior parte do tempo elas são o espelho social do ridículo na sua forma mais obscena.

O que faz alguém colocar nomes indígenas no seu "sobrenome" no Facebook? Carência afetiva? Carência cognitiva? Ausência de qualquer senso do ridículo? Falta de sexo? Falta de dinheiro? Tédio com causas mais comuns como ursinhos pandas e baleias da África? Saiu da moda o aquecimento global, esta pseudo-óbvia ciência?

Anónimo disse...

FINAL

Filosoficamente, a causa é descendente dos delírios do Rousseau e seu bom selvagem. O Rousseau e o Marx atrasaram a humanidade em mil anos. Mas, a favor do filósofo da vaidade, Rousseau, o homem que amava a humanidade, mas detestava seus semelhantes (inclusive mulher e filhos que abandonou para se preocupar em salvar o mundo enquanto vivia às custas das marquesas), há o fato de que ele nunca disse que os aborígenes seriam esse bom selvagem. O bom selvagem dele era um "conceito"? Um "mito", sua releitura de Adão e Eva.

Essas pessoas que andam colocando nomes de tribos indígenas no seu "sobrenome" no Face acham que índios são lindos e vítimas sociais. Eles querem se sentir do lado do bem. Melhor se fossem a uma liquidação de algum shopping center brega qualquer comprar alguma máquina para emagrecer, e assim, ocupar o tempo livre que têm.

Elas não entendem que índios são gente como todo mundo. Na Rio+20 ficou claro que alguns continuam pobres e miseráveis enquanto outros conseguiram grandes negócios com europeus que, no fundo, querem meter a mão na Amazônia e perceberam que muitos índios aceitariam facilmente um "passaporte" da comunidade europeia em troca de grana. Quanto mais iPad e Macintosh dentro desses parques temáticos culturais melhor para falar mal da "opressão social".

Minha proposta é a de que todos que estão "assinando" nomes assim no Face doem seus iPhones para os povos da floresta.

-Luis Felipe Pondé

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