sábado, 17 de novembro de 2012

HOLLANDE E A DEBILIDADE SOCIALISTA

 


Seis meses depois de ter chegado ao poder após três derrotas sucessivas nas eleições presidenciais (1995, 2002, 2007), o mandatário socialista assumiu um ar pedagógico para explicar o como e o porquê de uma política que é só um reflexo do sonho que nasceu com a batalha presidencial. Os analistas locais dizem que, antes chegar à presidência, François Hollande não era consciente da crise que atinge o Velho Continente. O mandatário assegurou esta semana que “mais do que uma crise, estamos vivendo uma mudança do mundo”. O artigo é de Eduardo Febbro.
 
Eduardo Febbro, Paris - Carta Maior
 
Paris - Pressionado pela crise, pela incerteza suscitada pelo rumo inesperado de sua política econômica, pelos maus resultados das pesquisas de opinião e pelos ataques ferozes da Alemanha, o presidente francês François Hollande concedeu, dia 13 de novembro, a primeira coletiva de imprensa de seu mandato. A grande missa midiática serviu para restaurar a palavra presidencial em um contexto de profundas dúvidas e certa confusão derivados das renúncias a várias promessas eleitorais e da rota escolhida, em muitos casos contraria a mensagem da socialdemocracia.

Neste primeiro encontro cara-a-cara (como definiu Hollande), o chefe de Estado fez da França o primeiro país europeu a reconhecer a oposição síria, agrupada na Coalizão Nacional para as Forças da Oposição e da Revolução Síria (CNFORS), como a representante legal do povo sírio. François Hollande disse que “a França reconhece a Coalizão Nacional Síria como a única representante do povo sírio e, por conseguinte, como o futuro governo provisório da Síria democrática que permita acabar com o regime de Bachar el Asad”. O chefe de Estado seguiu assim os passos de seu predecessor, Nicolas Sarkozy, que, quando estourou o conflito na Líbia, fez da França o primeiro país do Velho Continente a reconhecer a oposição líbia como o interlocutor legítimo do povo daquele país.

Além desse capítulo, o mandatário francês protagonizou outro episódio na contramão das promessas eleitorais que colocou sobre a mesa durante a campanha para as eleições presidenciais de abril e maio passado.

Descumprir o prometido parece ser a marca que vai cunhando o Executivo. Hollande deu um passo atrás na reiterada promessa do direito de voto dos estrangeiros. Esse ponto figura entre os 60 compromissos assumidos pelo hoje presidente quando apresentou sua plataforma presidencial. François Hollande descartou a ideia de recorrer a um referendo para que essa iniciativa fosse aprovada e colocou o destino do direito de voto dos estrangeiros nas mãos do Parlamento.

Essa promessa foi um discurso constante da esquerda desde que o falecido presidente socialista François Miterrand ganhou as eleições em maio de 1981, mas a palavra virou letra morta. O fato é que o Executivo não conta neste momento com a maioria necessária para que o direito de voto dos estrangeiros nas eleições locais se torne uma realidade. A reforma impõe a modificação da Constituição e a esquerda não reúne a maioria de deputados e senadores para aprová-la. Por conseguinte, sem o referendo prometido e sem a maioria nas câmaras, o histórico compromisso virará fumaça. A direita francesa, agrupada na sarkozista UMP, já lançou uma campanha nacional contra esta reforma.

François Hollande defendeu com veemência as orientações que deu a seu mandato e negou as evidências, ou seja, a mudança de rota de sua política. Hollande defendeu uma agenda para “a reconquista do futuro” e assegurou que suas decisões se apoiavam em uma meta, “a recuperação econômica”. “Não preparo o destino da próxima eleição, mas sim o da próxima geração”, disse o presidente. Ele recusou ainda as análises que apontam uma mudança clara de orientação política. Segundo o chefe de Estado, as decisões que tomou estão “de acordo com meus compromissos e meus princípios e, sobretudo, com os interesses da França”.

Na linguagem do chefe de Estado há um antes e um depois. É atrativo ver o exercício verbal como estratégia para justificar as medidas. A anos-luz de sua mensagem pré-presidencial, Hollande disse ontem que a alternância política “muda o poder, mas não muda a realidade”. Ante as ameaças e projeções que colocam a França como a próxima vítima da crise, o presidente enfatizou: “o ocaso não é nosso destino”. Segundo afirmou, sob sua influência se conseguiu outra “orientação de Europa”.

François Hollande teve também que justificar várias das medidas adotadas até agora, como os 20 bilhões de euros em impostos suplementares e os 10 bilhões em cortes orçamentários. Hollande esclareceu que esse “esforço” seria compensado por dois princípios: “a justiça, porque se pede aos mais favorecidos que façam o sacrifício essencial (os ricos pagarão mais impostos); e o emprego, já que todos os dispositivos a favor das pequenas e médias empresas foram preservados”.

De maneira global, Hollande afirmou que “70% do esforço está sendo exigido de 20% de nossos concidadãos”. O segundo caso controverso da intervenção presidencial foi a outorga de um crédito fiscal às empresas de aproximadamente 20 bilhões de euros financiados com o aumento do IVA (imposto sobre o consumo). Esta iniciativa, que leva toda a sociedade a pagar mais impostos, também se inscreveu em total oposição a suas bandeiras pré-eleitorais. O aumento geral do IVA era, de fato, uma proposta da direita que Hollande sempre rechaçou. O Executivo aprovou na semana passada um “pacto nacional pelo crescimento, pela competitividade e emprego”, que engloba essa concessão fiscal para as empresas.

Para o chefe de Estado, esse pacto aponta para “produzir melhor e mais na França”. Contudo, o anúncio desse pacto implicou o reconhecimento por parte do socialismo francês de que o problema da competitividade das empresas não está no não reinvestimento dos lucros, mas sim no elevado custo da mão de obra e das cotizações sociais oriundas do sistema de proteção francês. A repetida reivindicação empresarial encontrou eco nos ouvidos socialistas. Hollande justificou esse passo e disse que não se trava de “um presente” para as empresas, mas sim de uma alavanca.

Seis meses depois de ter chegado ao poder após três derrotas sucessivas nas eleições presidenciais (1995, 2002, 2007), o mandatário socialista assumiu um ar pedagógico para explicar o como e o porquê de uma política que é só um reflexo do sonho que nasceu com a batalha presidencial.

Os analistas locais dizem que, antes chegar à presidência, François Hollande não era consciente da crise que atinge o Velho Continente. O mandatário assegurou esta semana que “mais do que uma crise, estamos vivendo uma mudança do mundo”. Em todo caso, uma pesquisa realizada pela Viavoice para o jornal Libération explica os fatores da massiva impopularidade de Hollande e de seu primeiro ministro. O aumento dos impostos é o primeiro fator da impopularidade (31%). Seguem-se a crise econômica e social (27%) e a falta de soluções que estejam à altura da crise (26%).

Tradução: Katarina Peixoto
 

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