Poderemos ver, em
breve, um aumento da atividade econômica no setor habitacional nos Estados
Unidos, à medida que os bancos dispuserem dos 40 bilhões de dólares mensais
jogados no mercado como subsídios do FED para fazer a coisa funcionar e
emprestar loucamente, de novo. O mercado financeiro está chantageando o governo.
Os bancos estão dizendo que não farão novas hipotecas enquanto não tiverem o
que querem. E o que eles querem é imunidade legal e não ficar com aconta nas
mãos quando o sistema financeiro explodir mais uma vez. O artigo é de Mike
Whitney.
Mike Whitney -
CounterPunch - Carta Maior
É possível que
Richard Cordray seja hoje o homem mais poderoso nos Estados Unidos e você
provavelmente nunca ouviu falar dele. Como dirigente da nova Agência de Proteção
Financeira ao Consumidor dos EUA [CFPB na sigla em inglês], Cordray
pode efetivamente voltar o relógio para 2005 e inflar uma outra gigantesca
bolha imobiliária sem esforço algum. Tudo o que ele tem de fazer é definir o
termo “hipoteca qualificada”, seguindo os critérios dos grandes bancos e –
rapidamente – 40 bilhões de dólares por mês começarão a fluir em novas
hipotecas. É simples assim. Eis a história contada pela Bloomberg:
Credores estadunidenses podem obter forte proteção contra ações judiciais
relativas às hipotecas regulamentadas pelas regras mantidas pela Agência de
Proteção Financeira ao Consumidor, de acordo com fontes ligadas à política de
direito do consumidor do país.
As assim chamadas regulamentações de hipotecas qualificadas dariam a bancos,
inclusive ao JP Morgan, ao Chase & Co. (JPM) e o Wells Fargo & Co.
(WFC) garantias contra ações legais oriundas dos processos de subscrição de
seguros, de acordo com fontes que falaram com a condição do anonimato, porque
as discussões a respeito não são públicas (a agência Bloomberg noticiou assim:
“A Agência de Proteção Financeira ao Consumidor dos EUA afirma que dará mais
proteção aos credores”).
Então, é por isso que os bancos não têm intensificado a criação de suas
hipotecas, mesmo que o FED [Banco Central dos EUA] tenha dito que comprará 40
bilhões de dólares em títulos lastreados em hipotecas via o programa
QE3 [1]? É porque querem assegurar a imunidade legal frente a ações
judiciais de proprietários de imóveis que venham a ser executados injustamente.
Mas por que é que Cordray os está ajudando? Por que ele está tornando mais
difícil paras vítimas processarem os meliantes que as expulsam de seus lares?
Seu trabalho não é proteger consumidores? Em vez disso, ele está sob o comando
dos bancos. Aqui, mais do que a Bloomberg diz:
A agência do consumidor, que está negociando as regras como parte de uma ampla
revisão do controle do financiamento habitacional, revelou seus planos num
encontro com outras agências reguladoras ontem (17/10). Em torno de 80% dos
empréstimos segurados pelo Fannie Mae (FNMA), Freddie Mac ou seguradoras
governamentais, como a Federal Housing Administration Housing Administration,
estariam se qualificando para dispor de um porto seguro contra ações judiciais,
de acordo com dados da Agencia de Administração do Financiamento Habitacional.
Então está feito, é isso? Eles só precisam fazer um pouquinho, antes do grande
anúncio. Mas preste atenção nos detalhes: “80% dos empréstimos... seriam
qualificados para dispor de um porto seguro contra ações judiciais nos planos
da agência”. Que piada. Fannie [Mae] e Freddie [Mac] já seguram 90% de todas as
novas hipotecas, agora se vai garantir imunidade legal para contratos de
hipoteca de que eles já detêm a titularidade, gratuitamente? É um grande brinde
para os bancos, você não acha? Por que não dar-lhes logo as chaves do Fort Knox
agora mesmo e era isso? O fato é que Cordray não deveria estar fazendo
concessão alguma. A coisa toda é ridícula. Mais da Bloomberg:
As proteções cobririam empréstimos feitos com taxas de juros para os mutuários
cujo endividamento não ultrapasse 43% de sua renda total.
Por quanto tempo você acha que será capaz de manter a sua cabeça acima da água
se 43% do seu salário desapareceu antes mesmo que você ponha a mão nele? Não
muito, eu apostaria. Na verdade, os especialistas acham que pagamento de
financiamento imobiliário jamais deveria ultrapassar 33% da renda total. Então,
o que isso nos diz? Diz que Cordray fez um acordo que custará ao contribuinte
um pacote para cobrir as hipotecas novas que os bancos farão assim que as
tintas promocionais [do anúncio do QE3] secarem. Mas tudo bem, certo, porque ao
menos os bancos farão um bolo e cortarão pedados desse lixo em partes seguradas
e as venderão ao FED com o dólar nas alturas. Que truque!
Pense a respeito, por um minuto. Se o FED está dizendo que comprará 40 bilhões
de dólares em títulos lastreados em hipotecas por mês, então o dinheiro da
finança irá dragar contratos de hipoteca o suficiente para vender ao
adquirente, certo? Porque você precisa de hipotecas para segurar hipotecas.
Bem, adivinhem, os bancos não dão a mínima se os novos candidatos a obterem
hipotecas pagam ou não. Por que eles se preocupariam? À medida que consigam
inscrever essas hipotecas nas novas definições, eles obterão seu recurso
segurado de todo jeito. Eles querem apenas ter certeza de que estarão
protegidos quando Joe quebrar (porque foi atraído para um contrato de hipoteca
que ele claramente não poderia pagar). Querem uma garantia de que ele não
poderá processá-los alegando cláusulas frouxas para fornecimento de crédito.
Agora, Joe terá de matar no peito e pagar um aluguel barato em algum lugar,
porque o senhor Cordray o vendeu para os gângsters do sistema financeiro.
Obrigado, Rich.
E ainda há mais: porque os bancos não estão somente buscando carta branca nas
garantias de seus contratos bumerangues de hipotecas. Eles também querem estar
assegurados de que não terão de arcar sequer com 1% das suas novas
hipotecas-lixo. Eles acham que poderão criar tanto crédito quanto quiserem, sem
qualquer risco para si mesmos ou para os seus acionistas. É uma arrogância
levada ao extremo. Eis um trecho de uma segunda página no Whashington Post, do
economista Mark Zandi, que explica o que está acontecendo:
Uma segunda decisão que está para ser tomada, com grandes implicações para o
crédito hipotecário envolve algo chamado de regra da “hipoteca residencial
qualificada”. Embora o nome seja similar, é bem diferente da definição de
hipoteca qualificada, e está desenhada para coibir maus empréstimos ao forçar
os credores a arcarem com uma parte dos riscos dos contratos mais arriscados de
hipotecas.
Sob a lei Dodd-Frank, um credor deve arcar com 5% de qualquer empréstimo que
não seja uma “hipoteca residencial qualificada” (QRM na sua sigla em inglês),
de modo que, se esta for executada, o credor também perde algo. Isso em
princípio faz sentido, mas, assim como no caso da regra da hipoteca
qualificada, o diabo mora nos detalhes. E estes são bastante complicados,
refletem os medos de regulação que os credores trabalharão duro para contornar.
Mas complexidade acrescenta custos, e como resultado, empréstimos que não sejam
“QRM” correm o risco de ter um custo significativamente mais elevado dos que os
“QRM”. (“Definindo uma ‘hipoteca qualificada’, Marz Zandi, Wahsington Post).
Certo, isso também é complicado para você entender, Senhor Contribuinte, então
vamos ao seu negócio e deixe conosco, os experts, para resolver o seu problema.
Nós “cuidaremos de tudo”. Ah, por favor, Zandi, ninguém entende desse troço. Os
bancos simplesmente não querem arcar com capital suficiente para cobrir o seu
lixo. É isso, não é? Eles querem poder criar mais títulos tóxicos em seus
falsos balanços, mas não mantêm dinheiro suficiente para pagar aos investidores
quando o barco afundar. A isso se chama “retenção de risco” e não é diferente
em nada de se requerer das companhias de seguro que tenha reservas o bastante
para pagar os segurados em caso de sua casa incendiar. Aqui tem mais de Zandi:
Na medida em que a lei Dodd-Frank estipula que os empréstimos feitos pelas
agências federais são hipotecas residenciais qualificadas, por definição, o
modo como as QRM são definidas ajudará a traçar o papel das agências federais
no mercado de hipotecas. Se a definição for muito estreita, credores privados
não poderão competir, dada a alta taxa de juros com que terão de arcar para
compensar o risco excessivo. O governo deve então continuar a dominar o mercado
de crédito de hipotecas no curto prazo. Por outro lado, se o Fannie Mae e o
Freddie Mac vierem a ser privatizados, uma definição estreita de QRM encolheria
significativamente o papel do governo no mercado hipotecário, potencialmente
ameaçando a existência dos empréstimos hipotecários por 30 anos.
Ah, por favor! Esqueça o papel do governo no mercado habitacional; isso é
completamente irrelevante. Aquilo em que estamos interessados é que os bancos
tenham alguma grana a mais em caixa para recuperarem suas ações lixo quando o
próximo zeppelin cair. Isso também é perguntar muito? O fato é que capitalismo
requer capital, é simplesmente assim que funciona. Você não pode simplesmente
continuar girando empréstimos sem garantia suficiente para reavê-lo mesmo
quando o menor dos desvios no mercado envie o sistema financeiro para o esquecimento.
Credores precisam ter lastro suficiente para cobrirem as suas perdas potenciais
e para evitar outro derretimento que requeira trilhões do governo para
preencher o buraco negro que eles (os bancos) criaram.
Você consegue ver o que está errado aqui? Por trás de toda essa conversa
barroca, os mercados estão é chantageando o governo. Eles estão dizendo que não
farão novas hipotecas enquanto não tiverem o que querem. E o que eles querem é
um porto seguro (imunidade legal) e não mais custos regressivos. (Hipotecas que
os bancos foram forçados a refazer porque contêm “substantivas subscrições e
deficiências documentais” em seus contratos.) Em outras palavras, eles não
querem ficar com a conta nas mãos quando o sistema financeiro explodir, de
novo. Isso significa que o modo como Cordray define “hipoteca qualificada”
importa muito, porque determinará se os bancos emprestarão em padrões baratos,
se aumentarão a originação de hipotecas, se estimularão o crédito para
aplicações paralelas, e se darão conta do sonho de [Ben] Bernanke de inflar uma
nova bolha imobiliária. É isso o que está em jogo. A definição de hipoteca qualificada pela
Agência de Proteção Financeira ao Consumidor pode implicar um profundo impacto
na direção da economia, então tem muita coisa em jogo, aqui.
Infelizmente, parece que Cordray tem cedido em todos os aspectos, o que
significa que poderemos ver, em breve, um aumento da atividade econômica
habitacional, à medida que os bancos dispuserem dos 40 bilhões de dólares
mensais jogados no Mercado como subsídios do FED para fazer a coisa funcionar e
emprestar loucamente, de novo.
Não parece que estamos cometendo os mesmos erros, mais uma vez?
NOTA
[1] Terceira rodada de “Quantitative Easing”, lançado pelo FED. É um programa
que visa a, ao menos nominalmente, injetar dinheiro no mercado para prover o
fluxo de crédito, lançado há poucos dias, pelo atual presidente do FED, Ben
Bernanke.
Tradução: Katarina Peixoto
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