Daniel Oliveira –
Expresso, opinião, em Blogues - foto Tiago Miranda
Já várias vezes
escrevi sobre este assunto: na política, como no resto, a violência tem o poder
de se impor, de forma despótica, sobre todos os argumentos e sobre todas as
outras formas de luta. Ela impõe-se pela sua irracionalidade e pelo seu poder
mediático. Ela impõe-se porque replica, na contestação, os códigos do poder do
mais forte.
Depois de ter
participado numa manifestação pacifica, passei o fim de tarde de ontem, em São Bento , a gritar com
os poucos (e eram mesmo poucos) que arremessavam objetos contra a polícia.
Tentando explicar-lhes, sem sucesso, que esse era o favor que faziam a quem
julgavam que estavam a combater. Fi-lo, desesperado com o que via, porque sabia
duas coisas: que aqueles gestos dariam ao governo a desculpa que faltava para
reprimir a contestação e que ofuscariam uma excelente greve geral, que deixou
claro o isolamento em que o governo se encontra. Mas, acima de tudo, por uma
razão: tenho, em relação à violência, uma objeção de princípio. Considero-me um
pacifista no sentido mais radical do termo.
Quando, às 17.30,
me apercebi que nada pararia uma minoria de idiotas, abandonei o local. Muitos
decidiram ficar, mantendo a devida distância dos desordeiros, sem que, como
vimos mais tarde, isso os livrasse de ser vítimas da violência policial. Era
certa a injustiça: a enorme coragem que tantos trabalhadores portugueses
mostraram, ao correr o risco de fazer greve (muitos deles precários e em risco
de perderem o emprego) e ao perder um dia de salário que tanta falta lhes
faria, seria esmagada pelas imagens de violência que sempre têm a preferência
dos media.
Dito isto, há que
deixar claras uma contradição e uma mentira do ministro da Administração
Interna.
Disse o ministro
que as provocações - que existiram - eram obra de "meia dúzia de
profissionais da desordem". Se eram meia dúzia (facilmente identificável
depois de uma hora e meia de tensão), porque assistimos a uma carga policial
indiscriminada, que varreu, com uma violência inusitada e arbitrária, tudo o
que estava à frente? Porque foram agredidos centenas de manifestantes
pacíficos, só porque estavam no caminho, naquilo que, segundo a Associação
Sindical da PSP foi a "maior carga policial desde 1990"? Conheço
várias pessoas que, como a esmagadora maioria dos que ali estavam, não
participaram em qualquer desacato. Não tendo sequer resistido a qualquer ordem
policial foram, segundo os seus próprios relatos, espancadas pelas forças que
deveriam garantir a sua segurança. Como é possível que tenham sido detidas
dezenas de pessoas no Cais do Sodré e noutros locais da cidade, sem que nada
tivessem feito a não ser fugir de uma horda de polícias em fúria e
aparentemente com rédea solta para bater em tudo o que mexesse? Entre os
detidos e os agredidos estava muita gente que, estando tão longe de São Bento,
nem sequer tinha estado na manifestação ou sabia o que se passava. Como é
possível que dezenas e dezenas de pessoas tenham sido detidas em Monsanto e na
Boa Hora sem sequer lhes tenha sido permitido qualquer contacto com advogados,
como se o País estivesse em Estado de Sítio e a lei da República tivesse sido
abolida?
Quando a polícia
espancou gente pacifica em vários locais da cidade, estava a garantir a ordem pública
ou a contribuir para a desordem? Estava a garantir a integridade física dos
cidadãos ou a pô-la em causa? Estava a garantir o cumprimento da lei ou a
violá-la? Estava a reprimir os "profissionais da desordem" ou a
espalhar a desordem pela cidade? O comportamento inaceitável de meia dúzia pode
justificar um comportamento arbitrário das forças de segurança, que não poupa
ninguém a quilómetros de distância da própria manifestação?
Não, o
comportamento de alguns desordeiros não pode, num Estado de Direito, permitir
que a polícia se comporte, ela própria, como desordeira. O crime de uns não
permite um comportamento criminoso das forças policiais.
O ministro da
Administração Interna garantiu que, ao contrário do que foi escrito em vários
órgãos de informação, não havia agentes infiltrados na manifestação, a promover
os desacatos para excitar os mais excitáveis e justificar esta intervenção.
Fico-me por aqui: sei o que vi antes de me vir embora. E os agentes infiltrados
começam a ser cada vez mais fáceis de identificar. Já uma vez o ministro
desmentiu uma notícia semelhante que depois ficou provada. Espero que outros
tenham conseguido recolher imagens que mostrem alguns dos que, no meio da
multidão, vão semeando a confusão.
No dia 15 de
Setembro elogiei o comportamento das forças policiais. Quando querem evitar o
confronto sabem bem como o fazer. Isolando os provocadores e garantindo o
direito à manifestação da maioria pacifica. Quando as ordens parecem ser
diferentes é fácil contribuir para a violência. Foi o que aconteceu ontem. Uns
tantos idiotas de cara tapada e as ordens certas vindas de cima chegam para
garantir que uma greve geral com mais adesão do que o esperado pelo governo
morra nos telejornais.
Escrito tudo isto,
volto ao que é importante: a greve geral de ontem foi uma das maiores da nossa
história. E nem os que procuram nas manifestações a excitação que outros
encontram nas claques de futebol conseguem esconder isso. E nem a violência
indiscriminada que o ministro da Administração Interna mandou espalhar por meia
cidade de Lisboa o pode fazer ignorar. Na televisões, foi a brutalidade de uns
e de outros que ganhou. Mas o dia de ontem foi bem mais do que isso: foi uma
prova de coragem. Os portugueses estão de parabéns.
1 comentário:
Este e' mesmo Portugal? Aquele povo pacifico que existia antes? Como e' possivel terem sido tao desumanos com gente tao boa, que ajuda a sustentar os que estao no poder?! Deus permita que seja feita justica, e que nao demore!
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