quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Portugal: PSP NÃO PODE PEDIR IMAGENS À RTP

 


Paulo Gaião – Expresso, opinião, em Blogues
 
A Procuradoria Geral da República já se pronunciou num parecer precisamente sobre a questão do pedido da polícia de gravações em bruto às televisões e sobre a cedência destas por parte dos jornalistas. Foi em 1995, a pedido da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
 
Parece não haver dúvidas. A Polícia não pode pedir directamente às estações televisivas os brutos televisivos, abrangidos pelo sigilo profissional dos jornalistas.
 
Parece não haver dúvidas. Os jornalistas da RTP (incluindo repórteres da imagem) que estiveram envolvidos na cobertura da manifestação de 14 de Novembro à frente da Assembleia Pública tinham de ser informados pelos seus directores para levantarem o sigilo profissional em relação aos brutos televisivos pedidos pela polícia. Ora parece certo que tal não aconteceu na RTP.
 
Parece não haver dúvidas. Os directores de informação da RTP tinham o dever de garantir junto da policia ou outras entidades externas o sigilo profissional dos jornalistas envolvidos na mesma cobertura da manifestação. Ora, a avaliar pelo inquérito interno da RTP, este dever não foi salvaguardado.
 
O parecer da PGR foi suscitado em virtude de "certas entidades, nomeadamente o Ministério Público, a Polícia Judiciária, o Provedor de Justiça e Comissões de Inquérito da Assembleia da República", solicitarem ou determinarem "a operadores televisivos que lhes forneçam gravações em bruto, isto é, cujo conteúdo não foi tornado público, de factos e acontecimentos que tenham realizado."
 
Sobre a Polícia Judiciária (naturalmente extensível à PSP) refere-se no parecer:
 
"Tratando-se de documentos ou objectos a apreender, para ficarem juntos ao processo - caso das referidas "gravações embruto" -, deverão observar-se as regras dos artigos 178º, nº 3, e 182º, nº 1, do Código de Processo Penal, nos termos das quais: as apreensões devem ser autorizadas por despacho da autoridade judiciária, salvo quando efectuadas no decurso de revistas ou de buscas, caso em que lhe são aplicáveis as disposições previstas neste Código para tais diligências (artigo178º, nº 3); os jornalistas (e as empresas de comunicação social), como as demais pessoas indicadas nos artigos 135º e 136º, devem apresentar à autoridade judiciária, quando esta o ordenar, os documentos ou quaisquer objectos que tiverem na sua posse e devam ser apreendidos, salvo se invocarem, por escrito,segredo profissional ou segredo de Estado (artigo 182º, nº 1).
 
Destes normativos resulta a impossibilidade de a Polícia Judiciária requerer directamente aos jornalistas e respectivas estações televisivas a apresentação das referidas "gravações em bruto", para serem apreendidas e juntas a processo, devendo, antes, solicitar à autoridade judiciária competente que o faça, sempre que julgado necessário à investigação em curso.
 
Ter-se-á presente, de novo, o princípio atrás assente de que "onde há dever de sigilo não há dever de cooperação com qualquer autoridade", salvo se existir disposição - o que não é o caso - que, sobrepondo-se-lhe, afaste esse dever de sigilo. Daí que, tratando-se ou julgando tratar-se de matéria sigilosa, podem (os jornalistas) e devem (as respectivas empresas) invocar o carácter sigiloso do material requisitado pela competente autoridade judiciária, recusando a sua apresentação.
 
Nesse caso resta à autoridade judiciária lançar mão do mecanismo, já descrito, previsto nos artigos 182º, nº 2, e 135º, nº 2, do Código de Processo Penal. Sintetizando: Não sendo a Polícia Judiciária uma autoridade judiciária - mas, sim,um órgão da polícia criminal que actua sob a direcção e na dependência funcional da autoridade judiciária competente -, deve aquela entidade, quando o considerar necessário, solicitar à autoridade judiciária competente que ordene a apreensão das referidas "gravações em bruto", (artigos 178º, nº 3, e 182º, nº 1, do Código de Processo Penal), desencadeando-se depois, se for caso disso, o mecanismo já conhecido, dos artigos 182º, nº 2, e 135º, nº 2 deste diploma legal."
 
As conclusões do parecer são esclarecedoras:
 
"1. O direito ao sigilo profissional dos jornalistas, incluindo na categoria de jornalistas os operadores de televisão, destina-se, essencialmente, a garantir-lhes a protecção das fontes de informação - artigos 38º, nº 2, alínea b), da CRP, 5º, alínea c), e 8º, nº 1, da Lei nº 62/79, de 20 de Setembro, que aprovou o Estatuto do Jornalista;

2 - O conceito de fonte de informação abrange não apenas as pessoas, como autores de declarações, opiniões e juízos, transmitidos ao jornalista, mas também os documentos e arquivos jornalísticos, em suporte escrito, de som e de imagem - artigo 7º, nº 3, alínea b), daquele Estatuto;

3 - Os jornalistas têm o direito e os directores das empresas de comunicação social, nomeadamente das estações televisivas, o dever de não revelar e exibir as fontes referidas na conclusão anterior, salvo consentimento expresso do interessado (nº 2 do artigo 8º da Lei nº 62/79);

4 - Ressalvada a existência de norma que afaste a oponibilidade da colaboração solicitada pelas autoridades judiciárias, o sigilo referido nas conclusões anteriores só pode ser quebrado por decisão do tribunal, na situação e nos precisos termos do nº 3 do artigo 135º do Código de Processo Penal;

5 - Antes de ser suscitada a quebra do sigilo, a autoridade judiciária, se tiver dúvidas sobre a legitimidade da escusa, procede às averiguações necessárias e, se concluir pela ilegitimidade, ordena ou requer ao tribunal que ordene a prestação do depoimento ou o fornecimento dos elementos probatórios;

6 - Fora dos casos especiais e da situação referidos nas conclusões anteriores, os magistrados do Ministério Público não dispõem de mecanismo legal que lhes permita quebrar ou requerer a quebra do referido sigilo;
 
7 - A Polícia Judiciária, no exercício das suas competências de investigação criminal, sob a direcção e na dependência funcional da autoridade judiciária competente, pode solicitar a esta, se necessário, a apreensão de objectos, nomeadamente gravações em poder dos jornalistas e das respectivas empresas de comunicação social, nos termos e para os fins dos artigos 178º e 182º do Código de Processo Penal, lançando mão, se for caso disso, do mecanismo legal fixado nos artigos 135º nºs. 2 e 3, e 182º, nº 2 deste diploma legal;
 
8 - Face ao disposto nos artigos 12º, nº 2, e 30º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, os jornalistas podem e os directores e as empresas de comunicação social devem invocar, se for caso disso, o sigilo referido nas conclusões anteriores relativamente às solicitações do Provedor de Justiça;

9 - As comissões parlamentares de inquérito gozam de todos os poderes de investigação das autoridades judiciárias - artigos 181º, nº 1, da CRP e 13º, nº 1, da Lei nº 5/93, de 1 de Março -, podendo, por isso, ordenar a prestação de depoimentos ou a apresentação de documentos, nos casos e termos dos artigos 135º, nº 2, e 182º, nº 2, do Código de Processo Penal, bem assim suscitar a intervenção do Tribunal da Relação nos termos e para os fins do nº 3 do referido artigo 135º;
 
10 - Não se tratando de fontes de informação em que seja legítima a invocação do sigilo, os jornalistas, os directores e as empresas de comunicação social devem prestar a colaboração a que têm direito as autoridades referidas nas conclusões anteriores, nomeadamente, fornecendo-lhes "gravações em bruto" que tenham em seu poder."
 
Este parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, votado por maioria, pronunciou-se no âmbito das anteriores redacções do Estatuto do Jornalista e do Código de Processo Penal. Mas as alterações feitas entretanto, mesmo as relacionadas com medidas cautelares de prova, não parecem prejudicar as conclusões do parecer.
 
 

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