quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

BRASIL E MOÇAMBIQUE JUNTOS

 

Rádio Moçambique
 
Os velhos macacos africanos suscitam a impressão de serem testemunhas de tempos imemoriais. Segundo a crença, eles proporcionam bênção. Não à toa os macacos são uma das poucas espécies preservadas em Moçambique, e é sob a sua sombra que decisões são tomadas, negócios são fechados e pedidos são feitos. A crendice tem ajudado os moçambicanos a superar enormes adversidades. É que o país esbanja riqueza natural, mas convive com indicadores socioeconômicos nada auspiciosos.
 
O país está entre os cinco piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo, de 0,47, convive com um Produto Interno Bruto (PIB) per capita de US$ 450, a expectativa de vida é de 52 anos, 66% da população é analfabeta e, para completar o quadro, mais de 10% dela têm o vírus HIV.
 
Foi no século XV que os colonizadores portugueses desbravaram a costa oriental da África - durante a viagem de Vasco da Gama rumo à Índia. Recentemente, especialmente nos últimos dez anos, o quadro mudou. Moçambique vem sendo revisitado, só que agora por empresas brasileiras. Com projectos superiores a US$ 770 milhões, o Brasil tornou-se, este ano, o maior investidor estrangeiro, superando Portugal.
 
Exploração mineral, hidroeléctrica e aeroporto
 
A Vale do Rio Doce explora carvão mineral em Moatize. A Camargo Corrêa vai instalar uma hidroeléctrica no Rio Zambeze - Mphanda Nkuwa, a segunda maior da África. A Odebrecht está a construir o aeroporto internacional de Nacala, em Nampula. Depois da mineração e da infraestrutura, o agronegócio está a tornar-se a mais nova frente de actividade para os empresários brasileiros.
 
Assim como em Mato Grosso, a savana moçambicana deverá dar lugar a plantações de soja, milho e algodão, o "ouro branco". A diferença é que lá a terra pertence ao Estado, mas como o governo moçambicano está a ceder seis milhões de hectares a estrangeiros, o Brasil está de olho nessas áreas agricultáveis do outro lado do Atlântico.
 
“Moçambique é a bola da vez e ser brasileiro lá é uma vantagem competitiva. Agricultores individuais têm apresentado projectos para obter concessão de áreas de dez mil hectares, similares às propriedades do Mato Grosso. No caso de empresas, as terras pleiteadas chegam a 100 mil hectares”, comentou o director executivo da Câmara de Comércio, Indústria e Agropecuária Brasil-Moçambique (CCIABM), com sede em Minas Gerais, Rodrigo Coelho de Oliveira.
 
Aos olhos dos moçambicanos, a redescoberta do país pelo Brasil é vista como uma forma de apaziguar a miséria. Os investidores, por sua vez, estão ávidos mesmo é pela real possibilidade de expansão comercial e, sobretudo, esperam que o país seja uma espécie de trampolim para mercados mais pujantes, como é o caso da China.
 
A savana moçambicana é vista como "sob medida" para os agricultores brasileiros. A primeira razão é a semelhança climática com o cerrado. A segunda é que o programa de cooperação Pró-Savana, da Embrapa, repete o modelo Brasil-Japão, que mudou o cenário no Centro-Oeste brasileiro com a implantação de monoculturas voltadas à exportação.
 
“Estão a reproduzir exactamente a mesma fórmula do cerrado brasileiro. Calculamos as mesmas consequências futuras. Este modelo implica uma série de mudanças sociais em relação aos pequenos produtores rurais e cria para o país a dependência em relação ao preço de algumas commodities específicas, como a soja”, afirma a cientista política Ana Saggioro Garcia, doutora em relações internacionais pela PUC-Rio, comentando que outro foco de inquietação é a tão esperada geração de emprego. “Não há mão de obra local capacitada, o que faz as multinacionais importarem funcionários. E quem chega ganha salário mais alto do que os moçambicanos, o que gera bastante inquietação”.
 
A mudança na paisagem de Moçambique já está em curso. As machambas - como são conhecidas as roças familiares dos moçambicanos - já estão a disputar espaço com grandes plantações de florestas, especialmente eucaliptos e pinus. A previsão do governo do presidente Armando Guebuza é que, já no próximo ano, grandes produções agrícolas passem a mudar definitivamente o cenário do país.
 
“O nosso papel é desmistificar. Tudo está por ser feito e Moçambique ainda opera com espasmos de economia organizada. É um trabalho de formiguinha, de conhecimento”, afirma Shalom Confessor, presidente da Câmara de Comércio Brasil-Moçambique, com sede no Espírito Santo, para quem as oportunidades se espalham do sector de pedras ornamentais ao da beleza feminina.
 
Há agricultores brasileiros, porém, que não acham o negócio tão bom assim. Acostumados a serem donos das terras, muitos se sentem pouco à vontade para cultivar áreas que, no fim das contas, não são da sua propriedade, embora possam actuar por um século. Alegam ainda a dificuldade de, sem título da propriedade, obter crédito para tocar lavouras dispendiosas, como a do algodão, que consome toneladas de pesticidas. No fim das contas, resta ainda preocupação com a estabilidade política do país.
 
Uma nova fronteira agrícola
 
A nova fronteira agrícola do mundo, Moçambique tem 36 milhões de hectares de terra arável, dos quais cinco milhões são explorados, sem contar as terras com potencial de irrigação. Nada menos que 80% da sua população, de 23 milhões de habitantes, vivem no campo, mas o modelo é o de agricultura de subsistência. Apenas 3% da produção agrícola é comercializada. O resultado é que o país não produz o suficiente para alimentar a sua população. Só de arroz, importa 360 mil toneladas por ano, o equivalente a cerca de 40% do que consome.
 
“O problema não é somente ambiental, mas também social. O modelo convencional de agricultura, dependente de insumos externos, como adubos e agrotóxicos, endivida pequenos agricultores”, avalia a agrônoma paulista Flávia Londres, que esteve em Moçambique, em outubro.
 
A discussão está a causar rebuliço no país. A União Nacional de Camponeses de Moçambique publicou, recentemente, uma carta analisando o Pró-Savana. Os agricultores reclamam de falta de informação e transparência dos governos envolvidos e questionam a expropriação de camponeses que vêm ocorrendo, criando levas de sem-terra que não existiam no país.
 
Não se pode negar que a chegada de empresas brasileiras e de outras nacionalidades acelera o crescimento econômico. Mas, para o pesquisador moçambicano Marques Rafael, a relação entre os dois países pode se converter num modelo de neocolonialismo:
 
“Antes, sabíamos quem eram nossos dominadores. Agora, o país está aberto a empresas e ao capital estrangeiro”.
 
A história de Moçambique está a ser reescrita e, segundo a Ernst & Young, os novos capítulos dessa história incluem "crescimento econômico, progresso, potencial e rentabilidade". A presença do Brasil em Moçambique está inserida nesta reviravolta.
 
Por Camila Nobrega e Cleide Carvalho (economia@oglobo)
 

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