Rádio Moçambique
Os velhos macacos
africanos suscitam a impressão de serem testemunhas de tempos imemoriais.
Segundo a crença, eles proporcionam bênção. Não à toa os macacos são uma das
poucas espécies preservadas em Moçambique, e é sob a sua sombra que decisões
são tomadas, negócios são fechados e pedidos são feitos. A crendice tem ajudado
os moçambicanos a superar enormes adversidades. É que o país esbanja riqueza
natural, mas convive com indicadores socioeconômicos nada auspiciosos.
O país está entre os
cinco piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo, de 0,47, convive
com um Produto Interno Bruto (PIB) per capita de US$ 450, a expectativa de vida
é de 52 anos, 66% da população é analfabeta e, para completar o quadro, mais de
10% dela têm o vírus HIV.
Foi no século XV
que os colonizadores portugueses desbravaram a costa oriental da África -
durante a viagem de Vasco da Gama rumo à Índia. Recentemente, especialmente nos
últimos dez anos, o quadro mudou. Moçambique vem sendo revisitado, só que agora
por empresas brasileiras. Com projectos superiores a US$ 770 milhões, o Brasil
tornou-se, este ano, o maior investidor estrangeiro, superando Portugal.
Exploração mineral,
hidroeléctrica e aeroporto
A Vale do Rio Doce
explora carvão mineral em
Moatize. A Camargo Corrêa vai instalar uma hidroeléctrica no
Rio Zambeze - Mphanda Nkuwa, a segunda maior da África. A Odebrecht está a
construir o aeroporto internacional de Nacala, em Nampula. Depois da
mineração e da infraestrutura, o agronegócio está a tornar-se a mais nova
frente de actividade para os empresários brasileiros.
Assim como em Mato Grosso , a savana
moçambicana deverá dar lugar a plantações de soja, milho e algodão, o
"ouro branco". A diferença é que lá a terra pertence ao Estado, mas
como o governo moçambicano está a ceder seis milhões de hectares a
estrangeiros, o Brasil está de olho nessas áreas agricultáveis do outro lado do
Atlântico.
“Moçambique é a
bola da vez e ser brasileiro lá é uma vantagem competitiva. Agricultores
individuais têm apresentado projectos para obter concessão de áreas de dez mil
hectares, similares às propriedades do Mato Grosso. No caso de empresas, as
terras pleiteadas chegam a 100 mil hectares”, comentou o director executivo da
Câmara de Comércio, Indústria e Agropecuária Brasil-Moçambique (CCIABM), com
sede em Minas Gerais ,
Rodrigo Coelho de Oliveira.
Aos olhos dos
moçambicanos, a redescoberta do país pelo Brasil é vista como uma forma de
apaziguar a miséria. Os investidores, por sua vez, estão ávidos mesmo é pela
real possibilidade de expansão comercial e, sobretudo, esperam que o país seja
uma espécie de trampolim para mercados mais pujantes, como é o caso da China.
A savana
moçambicana é vista como "sob medida" para os agricultores
brasileiros. A primeira razão é a semelhança climática com o cerrado. A segunda
é que o programa de cooperação Pró-Savana, da Embrapa, repete o modelo
Brasil-Japão, que mudou o cenário no Centro-Oeste brasileiro com a implantação
de monoculturas voltadas à exportação.
“Estão a reproduzir
exactamente a mesma fórmula do cerrado brasileiro. Calculamos as mesmas
consequências futuras. Este modelo implica uma série de mudanças sociais em
relação aos pequenos produtores rurais e cria para o país a dependência em
relação ao preço de algumas commodities específicas, como a soja”, afirma a
cientista política Ana Saggioro Garcia, doutora em relações internacionais pela
PUC-Rio, comentando que outro foco de inquietação é a tão esperada geração de
emprego. “Não há mão de obra local capacitada, o que faz as multinacionais
importarem funcionários. E quem chega ganha salário mais alto do que os
moçambicanos, o que gera bastante inquietação”.
A mudança na
paisagem de Moçambique já está em
curso. As machambas - como são conhecidas as roças familiares
dos moçambicanos - já estão a disputar espaço com grandes plantações de
florestas, especialmente eucaliptos e pinus. A previsão do governo do
presidente Armando Guebuza é que, já no próximo ano, grandes produções
agrícolas passem a mudar definitivamente o cenário do país.
“O nosso papel é
desmistificar. Tudo está por ser feito e Moçambique ainda opera com espasmos de
economia organizada. É um trabalho de formiguinha, de conhecimento”, afirma
Shalom Confessor, presidente da Câmara de Comércio Brasil-Moçambique, com sede
no Espírito Santo, para quem as oportunidades se espalham do sector de pedras
ornamentais ao da beleza feminina.
Há agricultores
brasileiros, porém, que não acham o negócio tão bom assim. Acostumados a serem
donos das terras, muitos se sentem pouco à vontade para cultivar áreas que, no
fim das contas, não são da sua propriedade, embora possam actuar por um século.
Alegam ainda a dificuldade de, sem título da propriedade, obter crédito para
tocar lavouras dispendiosas, como a do algodão, que consome toneladas de
pesticidas. No fim das contas, resta ainda preocupação com a estabilidade
política do país.
Uma nova fronteira
agrícola
A nova fronteira
agrícola do mundo, Moçambique tem 36 milhões de hectares de terra arável, dos
quais cinco milhões são explorados, sem contar as terras com potencial de
irrigação. Nada menos que 80% da sua população, de 23 milhões de habitantes,
vivem no campo, mas o modelo é o de agricultura de subsistência. Apenas 3% da
produção agrícola é comercializada. O resultado é que o país não produz o
suficiente para alimentar a sua população. Só de arroz, importa 360 mil
toneladas por ano, o equivalente a cerca de 40% do que consome.
“O problema não é
somente ambiental, mas também social. O modelo convencional de agricultura,
dependente de insumos externos, como adubos e agrotóxicos, endivida pequenos
agricultores”, avalia a agrônoma paulista Flávia Londres, que esteve em
Moçambique, em outubro.
A discussão está a
causar rebuliço no país. A União Nacional de Camponeses de Moçambique publicou,
recentemente, uma carta analisando o Pró-Savana. Os agricultores reclamam de
falta de informação e transparência dos governos envolvidos e questionam a
expropriação de camponeses que vêm ocorrendo, criando levas de sem-terra que
não existiam no país.
Não se pode negar
que a chegada de empresas brasileiras e de outras nacionalidades acelera o
crescimento econômico. Mas, para o pesquisador moçambicano Marques Rafael, a
relação entre os dois países pode se converter num modelo de neocolonialismo:
“Antes, sabíamos
quem eram nossos dominadores. Agora, o país está aberto a empresas e ao capital
estrangeiro”.
A história de Moçambique
está a ser reescrita e, segundo a Ernst & Young, os novos capítulos dessa
história incluem "crescimento econômico, progresso, potencial e
rentabilidade". A presença do Brasil em Moçambique está inserida nesta
reviravolta.
Por Camila Nobrega
e Cleide Carvalho (economia@oglobo)
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