quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

DEVORISMO

 

Luís Rainha – Jornal i, opinião
 
Corre às mil maravilhas o programa de embaratecimento da nossa mão-de-obra. O sonho húmido de um país ajoelhado entre os salamaleques ao turista e o fabrico de T-shirts a preços chineses aquece as noites de governantes e empresários ineptos. A tia Jonet fornece o lubrificante espiritual: rezemos pela caridade da sua capelinha, que a solidariedade é vício de dependentes do Estado.
 
Mas não basta o regresso da escravatura; esta precisa de fábricas adequadamente fumarentas e poluidoras, para cumprir o pesadelo dickensiano. Agora, o putativo ministro Álvaro descobriu que urge dar cabo do nosso Ambiente, se queremos apanhar o comboio do progresso industrialista: “não é aceitável que, em prol da nossa política ambiental ou política comercial, a Europa tenha perdido indústria desnecessariamente para outras partes”. Isto dias após sabermos que as previsões de 1990 do IPCC foram confirmadas: o aquecimento global está mesmo a acontecer, para mal dos nossos pecados. Mas se as “outras partes” poluem sem freio, não fiquemos atrás. Deixem-se das tretas da inovação, sustentabilidade, indústrias criativas... façam mas é as trouxas e regressemos à Idade Média.
 
Sim; devoremos tudo o que poderíamos deixar aos nossos filhos. Do ar limpo aos lobos, que agora também são apresentados nos media – citando pastores que não acompanham o gado nem o dotam de cães de protecção – como inimigos do Portugal convertido à santa miséria. Para esta malta, a autofagia é a receita certa para acabar com a fome.
 
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