Le Monde, Paris - Presseurop – imagem Nicolas Vadot
O monumento do
cinema francês, Gérard Depardieu, instala-se na Bélgica para pagar menos
impostos. A sua decisão desencadeou aceso debate sobre a tributação dos ricos
em 75%, o patriotismo económico e a fiscalidade na Europa.
Há dois séculos, ou
um pouco mais, os aristocratas franceses escolhiam o exílio para escapar aos sans-culottes
(revolucionários)... e à guilhotina. Outros tempos, outros costumes, os (muito)
ricos escolhem hoje o exílio fiscal para escapar a uma tributação que
consideram assassina ou, pelo menos, "confiscatória".
Gérard Depardieu é
um deles. E, como acontece frequentemente com este monumento do cinema francês,
o caso assumiu proporções tão desmesuradas quanto absurdas. A sua decisão,
anunciada há alguns dias, de residir na Bélgica é muito clara: pretende
beneficiar da fiscalidade indulgente daquele país. Sem temer desencadear um
psicodrama nacional, à altura da sua celebridade. "Lamentável", comentou
o primeiro-ministro, Jean-Marc Ayrault.
"Quem é o
senhor para me julgar assim?", replicou um Depardieu teatral,
ameaçando entregar o passaporte e prescindir da nacionalidade francesa. E
desencadeando novo alarido: o ministro do Trabalho falou sem peias de "uma
forma de degradação pessoal" e a ministra da Cultura aconselhou, com mais
humor, o ator a "regressar ao cinema mudo".
Um deputado
socialista chegou ao ponto de sugerir que fosse retirada a nacionalidade aos
exilados fiscais.
As mentes lúdicas
encararão este "caso" como uma comédia burlesca. Os mais políticos,
como uma fria réplica dos mais afortunados aos rigores do fisco francês e como
prova de que, a partir de agora, para os ricos, a gestão do seu capital é muito
mais preocupante que o interesse nacional. No entanto, uns e outros fariam bem
em meditar nas causas profundas deste psicodrama.
O espírito dos
Direitos do Homem
Estas remontam à
campanha para as presidenciais. Querendo deixar a sua marca e dar garantias à
sua esquerda, François Hollande causou surpresa ao propor tributar em 75% os
rendimentos superiores a um milhão de euros. Confiscação para a direita – o que
é discutível, uma vez que houve taxas semelhantes nos anos 1970 –, esta taxa,
assegurava Hollande, era justificada pelo dever de solidariedade e para acertar
as contas públicas. É evidente que o argumento não convenceu os interessados. E
com razão.
Por um lado, a taxa
de 75% parece punitiva. Se tivesse querido respeitar o espírito da Declaração
dos Direitos Humanos, segundo a qual os cidadãos devem pagar impostos "em
razão das suas faculdades", Hollande teria lançado dois, três ou mesmo
quatro escalões suplementares, chegando assim, se necessário, à taxa de 75%.
Parece também que a fiscalidade num único país é bastante ineficaz, na hora da
globalização e da livre circulação de cidadãos na Europa.
Hollande poderá vir
a pagar o preço político do seu golpe eleitoral da primavera. E a arrastar esta
polémica como Nicolas Sarkozy arrastou o seu escudo fiscal. O aumento dos
impostos é necessário, os mais ricos devem contribuir mais que os outros. Mas,
no fim, a brutalidade simbólica dos 75% destrói essa mensagem.
Visto de Bruxelas
Na Bélgica, reina a
ironia e a descrição
Se, em França, a
decisão de Gérard Depardieu de se exilar fiscalmente na Bélgica suscita
insultos, do lado belga a situação é encarada com ironia e sentido de humor. La
Libre Belgique dizia a 17 de dezembro que o “Ator todo-o-terreno procura clima
fiscal clemente”, a propósito do anúncio de que o ator francês tinha andado a informar-se
sobre as condições para pedir a nacionalidade belga.
No entanto, o
correspondente do Temps em Bruxelas sublinha “o silêncio da
Bélgica”. No momento em que o Presidente francês François Hollande acaba de
“confirmar a sua intenção de renegociar as convenções fiscais” entre a França e
a Bélgica, o primeiro-ministro belga Elio Di Rupo evitou cuidadosamente
manifestar-se sobre o assunto. Assim se justifica, nota Richard Werly, quedo lado belga não
se tenha ouvido uma palavra oficial sobre “este caso”, nem sobre a polémica que
Gérard Depardieu relançou domingo na sua carta bastante dura. Um silêncio que
suscita duas questões: a atual fragilidade política de Elio Di Rupo, e a
ratoeira representada na Bélgica pela questão da fuga de capitais, em geral, e
da fuga ao fisco, em particular.
O silêncio de Elio
Di Rupo, cuidadoso a comentar o exílio na Bélgica do multimilionário francês
Bernard Arnault, revela assim os limites, tendo em conta a complexa situação
política nacional belga, do plano europeu de luta contra a
evasão fiscal apresentado em Bruxelas a 6 de dezembro pela Comissão
Europeia.
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