sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

MÁRIO SOARES FAZ HOJE 88 ANOS

 

Rita Tavares – Jornal i
 
A longa carreira política continua contra a própria palavra e não tem poupado ninguém. Nem o PS
 
Há oito anos, neste mesmo dia, Mário Soares comemorava o 80.º aniversário com um discurso que fez história (curta) ao declarar o fim da sua carreira. “Basta de política”, disse então o ex-Presidente da República (por dois mandatos), ex-primeiro-ministro (de três governos), ex-ministro, ex-eurodeputado, co--fundador do MUD Juvenil, fundador do PS. Uma lista longa a que ainda acrescentou, já depois do famoso “basta”, uma nova candidatura presidencial, em 2006. E a partir daí voltou, com recados em artigos de opinião, declarações públicas ou manifestos. Sobretudo nos dois últimos anos. Ataca a direita, mas também não poupa as posições socialistas.
 
Hoje, Soares faz 88 anos e Vítor Ramalho, socialista e fiel conselheiro do ex- -chefe de Estado, lembra a noite em que ouviu o “basta”. Ficou surpreendido, não estava à espera. Dois anos depois, Soares recandidatou-se, pelo PS, à Presidência da República e disse a Ramalho: “As pessoas não percebem, mas vão perceber que nos próximos anos isto vai ser dramático e eu tenho de estar presente.” Não está, como Presidente. Saiu derrotado nessas eleições. “Em democracia, ninguém sai derrotado”, conta agora Vítor Ramalho que o ouviu dizer isto em resposta a uma frase que lia num jornal sobre a sua derrota contra Cavaco. Mas a sua palavra está presente e, nos últimos meses, quase diariamente. “Ele está profundamente preocupado”, justifica Ramalho, que diz que o principal problema de Soares aos 88 é “a sua juventude”.
 
O mais recente desafio do ex-Presidente foi lançado na semana passada: uma carta aberta em que pede, preto no branco, a demissão do governo, caso as políticas não sejam alteradas. E a carta deve ter seguimento na Assembleia da República (ver texto ao lado).
 
Mas este é só mesmo o capítulo mais recente da longa lista de intervenções agitadoras de Mário Soares nos últimos meses, em que nem o actual líder socialista – com quem mantém uma relação próxima – tem sido poupado. Basta ver que, anteontem, Soares veio explicar que não avançou com a carta aberta sem antes falar com Seguro, que não se opôs.
 
Foi só mais um embaraço que criou à actual direcção socialista a somar a outros tantos, como quando, em Abril deste ano, escreveu um artigo de opinião no “Diário de Notícias” a dizer que os socialistas não deviam ratificar o Tratado Orçamental Europeu. Na bancada socialista viviam-se dias difíceis de divisão quanto à posição que o PS deveria tomar. O artigo do fundador do partido incendiou ainda mais o debate, mas Seguro acabou por validar o tratado com uma abstenção.
 
Desalinha ainda do secretário-geral do PS numa matéria de peso: Seguro quer chegar ao poder com eleições. Mas, em Setembro, Soares falou num governo de salvação nacional caso o Orçamento do Estado não fosse aprovado e na iminência de uma crise política. A intenção era encavacar o Presidente da República, mas o PS também se agitou, com Francisco Assis (que concorreu contra Seguro nas eleições internas) a aproveitar para afirmar que “o cenário não pode ser excluído”. A posição actual da direcção é conhecida: ir para o governo, só com eleições.
 
Romper
 
Mas o golpe mais duro veio em Maio passado, quando o ex-Presidente deu uma entrevista ao i em que disse com clareza que o PS devia romper com o Memorando. “Agora que está toda a gente a falar outra linguagem, porque é que o PS deve continuar a ser fiel ao acordo? (...) [O acordo] Pode ir ao ar. Se não for pelo PS, poderá ser pela própria troika que vai ao ar”, disse então o socialista. A resposta da direcção socialista foi “não”, com Carlos Zorrinho a dizer que “o PS cumpre sempre com os seus compromissos”. Escusado será dizer que o cerco interno ao líder socialista nesta matéria aperta ao ritmo a que apertam as medidas de austeridade, ou seja, as palavras de Mário Soares estão longe de ser uma posição isolada dentro do PS.
 
Mas nem só esta direcção tem razões de queixa. José Sócrates ouviu Soares criticar o apoio à candidatura presidencial de Manuel Alegre, em 2011, e pior do que isso: ouviu-o dizer, à porta das legislativas, que Passos “é uma pessoa bem-intencionada com quem se pode conversar”. Sócrates estava isolado na altura, de costas voltadas com Passos. A ajuda externa estava a caminho, depois de uma “discussão gravíssima” – que o ex-Presidente revelou recentemente – com Soares: “Queria que ele pedisse o apoio e ele não queria.” Sócrates cedeu dias depois, mas prefere recordar essa conversa com Soares como “uma memória doce”, de acordo com fonte citada pelo “Público” – uma forma airosa usada pelos líderes do PS quando se trata de fugir à crítica soarista.
 

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