Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
Pela segunda vez em
seis meses, os grupos parlamentares do PSD e do CDS votaram contra uma proposta
de lei do PS e antes do BE que pretendia tornar claro quem de facto são os
proprietários dos órgãos de comunicação social a operar em Portugal.
Sexta-feira passada
foi-nos relembrado que para a maioria parlamentar basta saber que uma
televisão, uma rádio ou um jornal é propriedade da "Javoslixo"
sociedade anónima com sede no Panamá ou nas Ilhas Virgem para que não existam mais
perguntas a fazer.
O principal capital
dos media é a sua credibilidade, a confiança que os consumidores têm na
informação que lhes é dada. Sempre assim foi, mas com a Internet e a infinita
capacidade de acesso a informação os media tradicionais reforçaram a sua
posição de garantes da qualidade. Não é em vão que a Wikileaks passou os dados
que detinha para títulos como o Guardian ou o New York Times. Estes títulos
fizeram o mais importante: deram o aval às informações. Sem esse selo de
garantia nunca teriam o impacto que tiveram - paradoxalmente, ou talvez não, é
exactamente na altura em que mais recorremos aos media tradicionais como
garantia de qualidade que estes vivem a crise mais profunda. Confiança e
credibilidade são as palavras- -chave na relação entre produtores e
consumidores de informação. Ho- je mais que nunca. Não será preciso discorrer
sobre a nossa dependência dos media para construirmos as nossas opiniões e
convicções.
Para que confiemos
nos órgãos de comunicação social é absolutamente essencial sabermos diversos
aspectos da sua vida começando, como deve ser, pelo principio: quem são os
accionistas. Já sabemos que para os deputados do PSD e do CDS (poucos estarão
sensibilizados para o assunto, mas, para o bem ou para o mal, são todos responsáveis)
isso não é relevante. Para esses senhores não importa saber se o sr. Silva,
fabricante e comercializador de atoalhados, sendo esse o seu principal negócio,
é também grande accionista dum jornal. Eu acho que é. Só assim vou poder
interpretar melhor notícias sobre os concorrentes do sr. Silva ou sobre o
sector dos atoalhados.
Para os grupos
parlamentares da maioria não é importante saber se um accionista da
"Javoslixo", proprietário duma televisão, é um ditador, um dono dum
casino, uma igreja ou uma outra coisa qualquer. Mais, também não lhes parece
importar se o accionista dessa sociedade anónima sediada no Panamá dona dessa
televisão é também accionista duma outra sociedade anónima com sede em Jérsia
proprietária duma televisão concorrente. E não acham sequer necessário saber o
nome do homem ou da mulher que domine uma empresa que fique a explorar uma
televisão que seja, por louco exemplo, contratualmente obrigada a fazer serviço
público. Até podem pensar que uma qualquer Fox News o pode fazer, apesar de não
quererem saber quem é o dono dessa cadeia de televisão...
Não são só os
consumidores de informação que precisam de saber quem são os verdadeiros donos
dos media, as suas possíveis outras actividades e interesses. Os próprios
colaboradores, jornalistas e outros, são parte interessada e deve-lhes ser
assegurado o direito de saber para quem realmente trabalham.
As senhoras e os
senhores deputados acham, portanto, que tudo isto não interessa nada. Bom, das
três uma: ou estão interessados em matar duma vez por todas os media
tradicionais contribuindo para que os cidadãos percam a confiança nas
televisões, rádios ou jornais, ou não percebem rigorosamente nada do sector, ou
existe uma agenda escondida inconfessável.
Dizem-nos que a
transparência já está assegurada pela actual lei. Sejam francos, sabem que é
uma redonda mentira e basta olhar para jornais cujos donos são apenas siglas.
Mas, a quem não interessa a completa transparência da propriedade dos órgãos de
comunicação social? Quem são as pessoas que querem mandar em órgãos de
comunicação social mas não querem dar a cara, sobretudo numa altura em que é
previsível uma mudança de cenário e de actores no sector? Quem não quer que se
saiba quem manda nos media? Quem foi a pessoa que deu a ordem aos grupos
parlamentares para votarem neste sentido? Qual o seu interesse? O da defesa da
liberdade de imprensa e da transparência não é de certeza absoluta.
A democracia
precisa de órgãos de comunicação social livres, independentes e transparentes.
Consciente ou inconscientemente, os deputados da maioria contribuíram para que
o sector dos media seja menos livre, menos plural e menos transparente.
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