Slate Afrique, Paris – Presseurop – imagem Jos Collignon
De facto, a ideia
de organização europeia merece ser distinguida. Mas não era à UE de hoje, que
vende armas e cria desempregados, que o Comité do Nobel devia ter concedido o
prémio, considera um jornalista argelino-tunisino.
Um dos comentários
mais recorrentes, na Argélia, é a recordação do passado colonial de muitos dos
países europeus, a começar pela França e Grã-Bretanha, e a interrogação sobre
se a decisão dos bem-pensantes de Oslo não deverá ser interpretada como uma oficialização
da saída do velho continente do seu purgatório pós-colonial.
Numa altura em que
a França continua a recusar-se a encarar o seu passado argelino e em que os
tribunais britânicos aceitam abrir o delicado caso da repressão sobre os
mau-maus do Quénia, este prémio Nobel pode ser visto como uma
alforria concedida pela Europa "sábia e virtuosa", ou seja, a do
Norte, que não tem quase nada que a envergonhe em matéria de aventuras
coloniais.
Podemos também
questionar a partir de quando alguém se torna elegível para um prémio como este
e por quanto tempo. É verdade que a Europa há muito deixou de se dilacerar
pelas armas. Mas já esquecemos o conflito nos Balcãs, onde a União Europeia se
mostrou incapaz de impor a paz? Sob muitos aspetos, os Estados Unidos, que
colocaram todo o seu peso na restauração da paz na região e em pôr cobro ao
regime sérvio de Milosevic, merecem ter parte neste prémio. Isto relativiza um
pouco a imagem de doce quietude com que hoje se pretende envolver a Europa, por
oposição a um resto do mundo cada vez mais globalizado e menos seguro.
É frequentemente
citada com reverência a façanha alcançada pelos europeus em matéria de
reconstrução e integração regional, apesar de séculos de guerra. É preciso
reconhecer que a União Europeia continua a ser um êxito, quando se toma como
ponto de partida a situação do continente em 1945.
E os pais da
Europa?
Mas, então, eram os
"pais da Europa" que mereciam o prémio Nobel, isto é, o alemão Konrad
Adenauer, o luxemburguês Joseph Bech, o holandês Johan Willem Beyen, o italiano
Alcide De Gasperi, os franceses Jean Monnet e Robert Schuman e o belga
Paul-Henri Spaak.
Podia-se igualmente
admitir que a recompensa fosse para os continuadores da sua obra, ou seja,
pessoas como o alemão Walter Hallstein, o primeiro presidente da Comissão
Europeia, o italiano Altiero Spinelli, inspirador de um projeto de “tratado
sobre a União Europeia", em 1984, ou o francês Jacques Delors, presidente
da Comissão Europeia de 1985 a 1995.
O prémio teria
sentido se Helmut Kohl, Helmut Schmidt e Valéry Giscard d'Estaing, tivessem
sido (coletivamente) premiados como motores do par franco-alemão, pois, é
sabido, o que aproxima a Alemanha e a França contribui para uma Europa mais
forte.
Já os atuais
dirigentes europeus estão longe de estar à altura do projeto inicial. Incapazes
de ver para além das fronteiras nacionais, transformam gradualmente a Europa
num espaço de regateio que não faz ninguém sonhar. Bem pelo contrário, a
questão europeia começa a ilustrar os limites da abertura e da transformação
dos Estados nacionais em conjuntos transfronteiriços.
Uma guerra
económica
Dá, pois, um pouco
a sensação de que este prémio é uma espécie de recompensa pela última
oportunidade de encorajar os europeus a acordarem, a não porem fim ao programa
Erasmus (uma das poucas manifestações concretas de evolução pacífica da Europa
no interior das suas fronteiras) e, finalmente, a trabalharem para uma
verdadeira união.
Mas, mais
importante: é legítimo dar um prémio Nobel da Paz a uma instância, a União
Europeia, em que vários países constitutivos (França, Alemanha, Itália e
Grã-Bretanha) figuram entre os maiores vendedores de armas do mundo? Paz no
interior, mas armas para o exterior e, por vezes, até mesmo para os seus, como
evidencia a venda de armamento pelos alemães a uma Grécia que ainda vive,
independentemente das circunstâncias, obcecada com a ameaça turca...
E vamos lá falar
dessa paz no interior. Sim, é verdade, as armas calaram-se; mas outro conflito
divide e ameaça destruir a União Europeia. Trata-se da guerra económica a que
se dedicam os seus membros. Comecemos pela Alemanha. Eis um país cujo comércio
excedentário não cessa de crescer, à custa dos seus parceiros europeus e muitas
vezes em mercados também europeus. E o que pensar de países que reduzem os seus
impostos para favorecer as deslocalizações para o seu território?
Menção "a
confirmar"
Os mortos das
tremendas guerras napoleónicas, bem como das duas guerras mundiais, pertencem à
história. Mas os que lhes sucederam, na tormenta do infortúnio, chamam-se hoje
desempregados. Merece um prémio Nobel da Paz quem deixa instalar-se em casa
semelhante violência social? A questão precisa de ser ponderada e vai chegar o
dia em que se quantificará o balanço da opção liberal gradualmente imposta por
Bruxelas.
Neste longo
repositório contra a atribuição do prémio, deve contudo relevar-se um ponto
francamente positivo. A Europa aboliu a pena de morte e tenta fazer entender
aos seus parceiros a importância de tal determinação. É o seu grande mérito e
dá alguns argumentos aos que qualificam o seu Nobel como um incentivo à
exemplaridade.
Hoje, apesar de
todas as suas insuficiências, a Europa é a região do mundo que promove mais o
"direito a ter direitos", ou seja, a exigência fundamental que
permite a democracia. E é por causa de esse "direito a ter direitos"
estar ameaçado pelo próprios europeus (direito ao trabalho, saúde para todos,
etc.) que foi bom ter recebido esta distinção. Com a menção "a confirmar" apontada
como reserva de peso.
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