Presseurop,
editorial - Gabriele Crescente*
“As reações
exageradas e inapropriadas de alguns políticos europeus ao anúncio do meu novo
compromisso na política ofendem a liberdade de escolha dos italianos”: as
declarações de Silvio Berlusconi no contexto europeu foram frequentemente
constrangedoras, mas desta vez é difícil contestá-lo. A simples declaração de
intenção de um cidadão da União Europeia de exercer um direito democrático
fundamental foi o suficiente para desencadear uma avalanche de comentários num
tom indignado e apocalíptico. Nomeadamente, por parte da chanceler alemã,
Angela Merkel, para quem o regresso de Il Cavaliere constitui uma séria ameaça
para toda a União.
Nem todas as
pessoas partilham a mesma opinião na Alemanha. Wolfgang Münchau escreveu na
revista Der Spiegel que devido à candidatura de Berlusconi, que qualificou
o famoso spread (diferencial de rendimento com obrigações de Estado alemãs) de ”vigarice”
utilizada para justificar o rigor imposto pela Alemanha,
pela primeira vez
os políticos da crise estão no centro da campanha eleitoral num grande país
europeu. […] A Itália prepara-se para um grande debate político sobre a oportunidade
de cortar nas despesas públicas durante a recessão e continuar a seguir as
exigências alemãs sobre a austeridade. O que na minha opinião é muito bom.
Conclusões à parte,
esta análise é certamente partilhada pela maioria dos líderes europeus, e aí é
que está o problema: até agora, o “consenso de Bruxelas”, sobre o qual assenta
a resposta à crise do euro, nunca fez parte do debate democrático, por motivos
óbvios. A simples possibilidade – ainda que remota – de a Itália, cuja dívida
pública é a quarta na escala mundial, interferir, comprometendo a estratégia
anticrise da Europa, que por si já é instável, foi o suficiente para
desencadear o pânico dos mercados e para ameaçar
a estabilidade dos países periféricos.
A crise mostrou de
uma vez por todas que a chegada do euro retirou as políticas orçamentais à
soberania nacional. Entre as últimas propostas apresentadas, naquilo que convém
chamar de agenda federalista, está a criação de um
“ministério das finanças” da zona euro responsável pela convergência
orçamental. Por outro lado, a
união política que devia representar a sua legitimação democrática
permanece algo distante e opaca.
Enquanto aguardamos
pela sua concretização, estamos destinados a assistir à continuação de uma
série de “cimeiras decisivas” intermináveis, onde os dirigentes dos países mais
fortes firmam acordos a sete chaves, uma espécie de congresso de Viena sem fim:
um modelo já condenado pela história. Continuar a impor o cumprimento de
decisões tomadas entre duas valsas bruxelenses, com as pressões, as ameaças,
mais ou menos disfarçadas e a aplicação sistemática do rótulo de “populista”
aos que se atrevem discordar – como há três anos é o caso, em todas as
consultas eleitorais dos países periféricos – só favorecerá a proliferação dos
Silvio Berlusconi e dos Viktor
Orbán.
No debate sobre a
União Política, um pormenor é sistematicamente desprezado: a União Europeia já
tem um executivo e ministros: a Comissão Europeia e os seus membros, embora os
esqueçamos com facilidade. Tal como foi
demonstrado pelas negociações sobre o orçamento da UE, o reforço do método
intergovernamental – acompanhado pela instituição, redundante, do cargo de
presidente do Conselho Europeu – sobrepôs-se ao papel da Comissão, cujo atual
presidente foi escolhido, entre outros motivos, por não contradizer os seus
empregadores. Mas o problema surgiu bem antes da presidência de José Manuel
Barroso. O facto do executivo europeu não depender do Parlamento Europeu, mas
de um número elevado de soberanos é uma anomalia institucional que faz com que
a União Europeia tenha mais parecenças com as monarquias do século XVI do que
com Estados democráticos.
A ideia de conferir
ao Parlamento Europeu – a única instituição da União eleita diretamente – uma
competência que deveria ter por legítimo direito foi
recentemente lançada pelo diário holandês Trouw, segundo o qual “só quando
a composição da Comissão estiver associada à orientação política do Parlamento,
poderá o voto dos cidadãos servir para determinar a direção da União”, marcando
o fim da época dos tecnocratas e dos governos de urgência. Até lá, é necessário
continuar a confiar nas democracias nacionais e respeitá-las. Os europeus já
mostraram que sabem votar de forma responsável quando lhes interessa: deixemos
que sejam eles a julgar Silvio Berlusconi e os seus rivais.
* Gabriele
Crescente é um jornalista italiano, nascido em 1980. Trabalha na revista Internazionale,
desde 2006, e é responsável pela versão italiana do Presseurop</em.
Sem comentários:
Enviar um comentário