domingo, 16 de dezembro de 2012

QUEM TEM MEDO DOS BERLUSCONI?

 


Presseurop, editorial - Gabriele Crescente*
 
“As reações exageradas e inapropriadas de alguns políticos europeus ao anúncio do meu novo compromisso na política ofendem a liberdade de escolha dos italianos”: as declarações de Silvio Berlusconi no contexto europeu foram frequentemente constrangedoras, mas desta vez é difícil contestá-lo. A simples declaração de intenção de um cidadão da União Europeia de exercer um direito democrático fundamental foi o suficiente para desencadear uma avalanche de comentários num tom indignado e apocalíptico. Nomeadamente, por parte da chanceler alemã, Angela Merkel, para quem o regresso de Il Cavaliere constitui uma séria ameaça para toda a União.
 
Nem todas as pessoas partilham a mesma opinião na Alemanha. Wolfgang Münchau escreveu na revista Der Spiegel que devido à candidatura de Berlusconi, que qualificou o famoso spread (diferencial de rendimento com obrigações de Estado alemãs) de ”vigarice” utilizada para justificar o rigor imposto pela Alemanha,
 
pela primeira vez os políticos da crise estão no centro da campanha eleitoral num grande país europeu. […] A Itália prepara-se para um grande debate político sobre a oportunidade de cortar nas despesas públicas durante a recessão e continuar a seguir as exigências alemãs sobre a austeridade. O que na minha opinião é muito bom.
 
Conclusões à parte, esta análise é certamente partilhada pela maioria dos líderes europeus, e aí é que está o problema: até agora, o “consenso de Bruxelas”, sobre o qual assenta a resposta à crise do euro, nunca fez parte do debate democrático, por motivos óbvios. A simples possibilidade – ainda que remota – de a Itália, cuja dívida pública é a quarta na escala mundial, interferir, comprometendo a estratégia anticrise da Europa, que por si já é instável, foi o suficiente para desencadear o pânico dos mercados e para ameaçar a estabilidade dos países periféricos.
 
A crise mostrou de uma vez por todas que a chegada do euro retirou as políticas orçamentais à soberania nacional. Entre as últimas propostas apresentadas, naquilo que convém chamar de agenda federalista, está a criação de um “ministério das finanças” da zona euro responsável pela convergência orçamental. Por outro lado, a união política que devia representar a sua legitimação democrática permanece algo distante e opaca.
 
Enquanto aguardamos pela sua concretização, estamos destinados a assistir à continuação de uma série de “cimeiras decisivas” intermináveis, onde os dirigentes dos países mais fortes firmam acordos a sete chaves, uma espécie de congresso de Viena sem fim: um modelo já condenado pela história. Continuar a impor o cumprimento de decisões tomadas entre duas valsas bruxelenses, com as pressões, as ameaças, mais ou menos disfarçadas e a aplicação sistemática do rótulo de “populista” aos que se atrevem discordar – como há três anos é o caso, em todas as consultas eleitorais dos países periféricos – só favorecerá a proliferação dos Silvio Berlusconi e dos Viktor Orbán.
 
No debate sobre a União Política, um pormenor é sistematicamente desprezado: a União Europeia já tem um executivo e ministros: a Comissão Europeia e os seus membros, embora os esqueçamos com facilidade. Tal como foi demonstrado pelas negociações sobre o orçamento da UE, o reforço do método intergovernamental – acompanhado pela instituição, redundante, do cargo de presidente do Conselho Europeu – sobrepôs-se ao papel da Comissão, cujo atual presidente foi escolhido, entre outros motivos, por não contradizer os seus empregadores. Mas o problema surgiu bem antes da presidência de José Manuel Barroso. O facto do executivo europeu não depender do Parlamento Europeu, mas de um número elevado de soberanos é uma anomalia institucional que faz com que a União Europeia tenha mais parecenças com as monarquias do século XVI do que com Estados democráticos.
 
A ideia de conferir ao Parlamento Europeu – a única instituição da União eleita diretamente – uma competência que deveria ter por legítimo direito foi recentemente lançada pelo diário holandês Trouw, segundo o qual “só quando a composição da Comissão estiver associada à orientação política do Parlamento, poderá o voto dos cidadãos servir para determinar a direção da União”, marcando o fim da época dos tecnocratas e dos governos de urgência. Até lá, é necessário continuar a confiar nas democracias nacionais e respeitá-las. Os europeus já mostraram que sabem votar de forma responsável quando lhes interessa: deixemos que sejam eles a julgar Silvio Berlusconi e os seus rivais.
 
* Gabriele Crescente é um jornalista italiano, nascido em 1980. Trabalha na revista Internazionale, desde 2006, e é responsável pela versão italiana do Presseurop</em.
 

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