De
Volkskrant, Amesterdão – Presseurop – imagem Kap
A 10 de dezembro, a
União Europeia será distinguida por sessenta anos de uma construção política
que a preserva de conflitos. Mas este estatuto poderá ser colocado em causa
pela crise e a desilusão provocada por esta, alerta o historiador Dirk-Jan van
Baar.
Na nossa região do
mundo, a “paz eterna” não é de todo garantida. Só poderemos afirmar que a UE,
enquanto projeto de pacificação, é um sucesso se não presenciarmos nenhuma
guerra nos próximos cem anos. Receber o prémio Nobel da Paz em 2012 representa,
por si só, um desafio aos deuses. Mas também podemos ver esta distinção como
sinal de partida para todas as discussões que existirão brevemente para a
comemoração do “big-bang do século XX” [a Primeira Guerra Mundial]. Tendo isso
em conta, o
Comité Nobel antecipou-se.
Todas as
festividades são boas para se lançar um debate sobre a Europa, onde o mote
“nunca mais”, segundo alguns observadores críticos, deixou de ter significado e
tornou-se
banal. Basta ter algumas noções da história europeia, para ficar
surpreendido com esta falta de conhecimento da História. No entanto, isto não
significa que a UE seja indispensável para a paz na Europa. Temos motivos para
duvidar. Não é por acaso que países pacíficos, como a Noruega e a Suíça
continuam fora da UE e que a Europa, incapaz de assegurar a sua própria
segurança, se vire para os Estado Unidos.
Não acordar os
ursos adormecidos
A ideia de que uma
potência estrangeira lhe queira mal está longe de ser uma simples fantasia. A
Rússia atual já não é o Império do mal de outrora, mas com Vladimir Putin,
pretende recuperar a sua honra e já exerce pressões sobre os seus “vizinhos
mais próximos” na Bielorrússia, Geórgia e Ucrânia. Repúblicas que, tal como os
Estados bálticos – doravante membros da UE – faziam parte da União Soviética.
Julgam que Talin, Riga e Vílnius se encontram ao abrigo dos complôs russos? Na
Europa Ocidental, ninguém pensa nisto, mas na Europa Oriental são mais
sensatos. Mas talvez seja melhor, para bem da nossa saúde, não acordar os ursos
adormecidos. É mais ou menos esta a “estratégia” da Europa em relação aos
perigos externos.
Este tipo de
atitude pode parecer mais cínica do que na realidade é. Todos os que pensam que
a Europa deve estar preparada para qualquer ameaça externa pressupõem a
existência de uma demarcação que na verdade não existe. A delimitação das
fronteiras externas da Europa, sobretudo no Leste, é propositadamente pouco
clara. A Cortina de ferro, que durante a Guerra fria permitia ter uma ideia
concreta do mundo, desapareceu e a UE, ao alargar para o Leste, tem vindo a
estabilizar compensando uma perigosa falta de poder.
O alargamento da UE
para Leste continua em aberto, mas o Bósforo, que passou a ter um Governo “pró-islâmico”
em Ancara, está fora de questão. Entretanto, do lado Ocidental temos os
britânicos, defensores das nossas liberdades democráticas em 1940, a
afastarem-se cada vez mais da UE. Um comportamento que tem consequências
para a política externa e de defesa comum da Europa. Sem os britânicos que,
juntamente com os franceses, dispõem de um direito de veto nas Nações Unidas,
esta política não tem qualquer hipótese de ser bem-sucedida.
Reconciliação
histórica
Em Bruxelas,
tende-se a aceitar os excessos dos britânicos como um dado de base, devido ao
cansaço face ao ceticismo demonstrado por estes últimos em relação à Europa.
Mas se Londres decidir abandonar oficialmente a UE, deixará automaticamente de
haver qualquer esperança de ver um dia a Europa andar pelos seus próprios pés e
sem esta esperança os americanos perderão qualquer interesse em nós. Os
Estados Unidos não desejam garantir para sempre a segurança da Europa,
sobretudo se os europeus lhes pedirem para o fazer gratuitamente.
Existem, fora da
Europa, zonas de conflito com as quais esta mantém relações desde sempre. É
curioso que o desmantelamento dos impérios coloniais, e as horríveis guerras
que o acompanharam, não teve repercussões negativas na integração europeia, que
começou pela mesma altura. Isto deve-se, na minha opinião, ao caráter único da
aspiração europeia à pacificação, que, a partir dos anos 1950, se focou
completamente numa reconciliação interna e permitiu confiar a novas forças
emergentes os impérios coloniais que mergulharam no caos.
A Comunidade
Europeia do Carvão e do Aço, fundada em 1951, era um projeto
de pacificação centrado no interior, que colocava a indústria alemã e francesa
sob a administração europeia. Um projeto brilhante, que serviu de base para a
sua reconciliação histórica.
Este “pacifismo
prático”, fruto da necessidade e de uma feliz coincidência, foi forçado a
adotar uma posição que procura evitar conflitos com o mundo externo, assim como
um progressismo tecnocrático estéril focado no interior. Uma abordagem também
utilizada com os nossos Estados-Providência nacionais, o orgulho do modelo
europeu. Também neste caso se mantém uma posição pacífica, adiando indefinidamente
os problemas ou redefinindo constantemente os aspetos técnicos. Uma politização
libertaria demasiadas emoções.
Modernizar,
integrar e esterilizar
A Europa tem a
sensação de que deve modernizar, integrar e esterilizar para existir. É o que
nos mostra a crise do euro: esta
suscita divergências que o euro devia eliminar e obriga a UE a saltar para o
desconhecido. O que fragiliza o projeto de pacificação europeu. Se o euro
desabar, assistiremos naturalmente a um regresso ao “cada um por si” e ao
protecionismo dos anos 1930. Conseguimos, por exemplo, imaginar a Espanha, cuja
integração na Europa foi um sucesso, a cair novamente numa guerra civil devido
às diferenças regionais que nunca desapareceram totalmente.
O descontentamento
tem raízes ainda mais profundas. A parte protestante da Europa queixa-se dos
vícios da parte católica, como se tivessem regressado ao período da reforma.
Não devemos encarar a paz na Europa como algo óbvio, porque a juventude só quer
saber de viagens low-cost e iPhones e a guerra já não interessa. Este último
ponto de vista também esteve em voga há cem anos. No fundo, é perfeitamente
normal que o Comité Nobel honre a UE justamente
neste momento. Na Escandinávia, sabem apreciar o que é politicamente
correto, mesmo que isto lhes possa provocar algumas contrariedades.
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