sábado, 8 de dezembro de 2012

QUE UNIÃO SOBRE RUÍNAS?

 


Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião
 
No jornal "Público" de 5/12 Viviane Reding, a vice-presidente da Comissão Europeia, proclamava o advento dos Estados Unidos da Europa. Dias antes, Durão Barroso havia divulgado um "Plano para a Profunda e Genuína União Económica e Monetária" cujo destino seria a União Política.
 
Com a casa em chamas e meio continente devastado pela austeridade imposta em nome da "Europa", Viviane Reding, sentindo-se inspirada, cita Victor Hugo e anuncia que se aproxima o dia em que "todas vós, nações do continente, sem perderem as vossas qualidades distintas e a vossa gloriosa individualidade, vos fundireis estritamente numa unidade superior...".
 
Quem não deseja o dia profetizado por Hugo "em que a guerra entre Paris e Londres, entre S. Petersburgo e Berlim, entre Viena e Turim parecerá tão absurda como hoje nos parece entre Rouen e Amiens, entre Boston e Filadélfia"? Mas será que das cinzas de meia Europa destruída por políticas, que antes de mais são políticas da União Europeia (UE), pode nascer a desejada Europa solidária, democrática e de paz?
 
Como chegámos aqui e para onde nos estão a levar os eurocratas?
 
Depois de várias tentativas falhadas de "união política" nos dois últimos séculos, algumas tentadas a ferro e fogo e debaixo de princípios execráveis, os fundadores da Comunidade Económica Europeia tiveram, uns até com generosidade, a ideia de a construir pela economia. Primeiro juntavam-se os trapinhos. Quando estivessem misturados, e a união o fosse de facto, trataríamos então das "formalidades" políticas.
 
De Comunidade do Carvão e do Aço e da união aduaneira, passou-se à união económica e da união económica à união monetária, ignorando os avisos de que uma moeda única não poderia existir sem união política. Os cínicos encolhiam os ombros dizendo que se a coisa corresse menos bem a união política se imporia sem discussão, como solução sem alternativa, ou seja, em "estado de emergência".
 
O caminho percorrido mostra-nos que o euro partiu a Europa em pedaços. Zona Euro de um lado, Reino Unido do outro. Zona Euro no centro, outros da UE nas margens. Dentro da Zona Euro a divisão entre excedentários e deficitários, entre credores e devedores. Agora, são as peças desta Europa fragmentada que os eurocratas querem colar à pressa, nas suas recorrentes e infindáveis reuniões em Bruxelas.
 
Uma condição de sucesso do impulso unionista dos eurocratas tem sido sempre a ideia de construir a união sem pedir licença aos europeus. Que aconteceria hoje se ocorressem referendos sobre a tão proclamada união política nos diferentes países da UE? Se os cidadãos e cidadãs europeias se pronunciassem em cada país, ou em todos simultaneamente?
 
Os eurocratas teriam como resposta, sem dúvida, um rotundo e generalizado "não". A norte um "não" por estarem convencidos que andam a pagar "almoços grátis" a mediterrânicos despesistas. A sul, um "não" para afirmar a recusa de um serviço da dívida sem fim e de uma dependência sem regresso. As políticas seguidas têm alimentado suspeitas e ressentimentos e corroído a solidariedade.
 
Significa isto que a "União Europeia" imaginada pelos eurocratas sobre as ruínas de meia Europa, teria de ser consagrada em tratados escritos à socapa em noitadas dos governantes europeus de turno, e aprovados sem discussão em parlamentos assustados e submissos.
 
Qualquer projeto de "união política" que daí pudesse resultar estaria nos antípodas do lugar onde as "nações do continente, sem perderem as... qualidades distintas e a... gloriosa individualidade, (se fundem) estritamente numa unidade superior".
 
A Europa que daí pudesse nascer seria inevitavelmente uma Europa dual, com centro e periferias, hierárquica na divisão do trabalho e na especialização produtiva, com rendimentos elevados e Estado social no centro, e salários baixos e desproteção social na periferia. Uma Europa trancada numa divergência permanente à espera do momento em que o acumular de tensões, ressentimentos e conflitos culminasse em implosão.
 
A soberania dos povos, a luta pela solidariedade e pela democracia têm de entrar rapidamente em cena ou acontecerão descalabros.
 

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