Carvalho da Silva –
Jornal de Notícias, opinião
No jornal
"Público" de 5/12 Viviane Reding, a vice-presidente da Comissão
Europeia, proclamava o advento dos Estados Unidos da Europa. Dias antes, Durão
Barroso havia divulgado um "Plano para a Profunda e Genuína União Económica
e Monetária" cujo destino seria a União Política.
Com a casa em
chamas e meio continente devastado pela austeridade imposta em nome da
"Europa", Viviane Reding, sentindo-se inspirada, cita Victor Hugo e
anuncia que se aproxima o dia em que "todas vós, nações do continente, sem
perderem as vossas qualidades distintas e a vossa gloriosa individualidade, vos
fundireis estritamente numa unidade superior...".
Quem não deseja o
dia profetizado por Hugo "em que a guerra entre Paris e Londres, entre S.
Petersburgo e Berlim, entre Viena e Turim parecerá tão absurda como hoje nos
parece entre Rouen e Amiens, entre Boston e Filadélfia"? Mas será que das
cinzas de meia Europa destruída por políticas, que antes de mais são políticas
da União Europeia (UE), pode nascer a desejada Europa solidária, democrática e
de paz?
Como chegámos aqui
e para onde nos estão a levar os eurocratas?
Depois de várias
tentativas falhadas de "união política" nos dois últimos séculos,
algumas tentadas a ferro e fogo e debaixo de princípios execráveis, os
fundadores da Comunidade Económica Europeia tiveram, uns até com generosidade,
a ideia de a construir pela economia. Primeiro juntavam-se os trapinhos. Quando
estivessem misturados, e a união o fosse de facto, trataríamos então das "formalidades"
políticas.
De Comunidade do
Carvão e do Aço e da união aduaneira, passou-se à união económica e da união
económica à união monetária, ignorando os avisos de que uma moeda única não
poderia existir sem união política. Os cínicos encolhiam os ombros dizendo que
se a coisa corresse menos bem a união política se imporia sem discussão, como
solução sem alternativa, ou seja, em "estado de emergência".
O caminho
percorrido mostra-nos que o euro partiu a Europa em pedaços. Zona Euro
de um lado, Reino Unido do outro. Zona Euro no centro, outros da UE nas
margens. Dentro da Zona Euro a divisão entre excedentários e deficitários,
entre credores e devedores. Agora, são as peças desta Europa fragmentada que os
eurocratas querem colar à pressa, nas suas recorrentes e infindáveis reuniões
em Bruxelas.
Uma condição de
sucesso do impulso unionista dos eurocratas tem sido sempre a ideia de
construir a união sem pedir licença aos europeus. Que aconteceria hoje se
ocorressem referendos sobre a tão proclamada união política nos diferentes
países da UE? Se os cidadãos e cidadãs europeias se pronunciassem em cada país,
ou em todos simultaneamente?
Os eurocratas
teriam como resposta, sem dúvida, um rotundo e generalizado "não". A
norte um "não" por estarem convencidos que andam a pagar
"almoços grátis" a mediterrânicos despesistas. A sul, um
"não" para afirmar a recusa de um serviço da dívida sem fim e de uma
dependência sem regresso. As políticas seguidas têm alimentado suspeitas e
ressentimentos e corroído a solidariedade.
Significa isto que
a "União Europeia" imaginada pelos eurocratas sobre as ruínas de meia
Europa, teria de ser consagrada em tratados escritos à socapa em noitadas dos
governantes europeus de turno, e aprovados sem discussão em parlamentos assustados
e submissos.
Qualquer projeto de
"união política" que daí pudesse resultar estaria nos antípodas do
lugar onde as "nações do continente, sem perderem as... qualidades
distintas e a... gloriosa individualidade, (se fundem) estritamente numa
unidade superior".
A Europa que daí
pudesse nascer seria inevitavelmente uma Europa dual, com centro e periferias,
hierárquica na divisão do trabalho e na especialização produtiva, com
rendimentos elevados e Estado social no centro, e salários baixos e desproteção
social na periferia. Uma Europa trancada numa divergência permanente à espera
do momento em que o acumular de tensões, ressentimentos e conflitos culminasse
em implosão.
A soberania dos
povos, a luta pela solidariedade e pela democracia têm de entrar rapidamente em
cena ou acontecerão descalabros.
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