A contração
econômica da Alemanha no último trimestre de 2012 e a redução oficial das
projeções de crescimento para este ano são um novo golpe para a zona do euro.
Segundo o Escritório Federal de Estatísticas da Alemanha a contração foi de
0,5%. Segundo o Banco Central alemão, a economia crescerá 0,4% este ano, muito
menos do que o 1,6% previstos. A crise dos países do sul da zona do euro está
alcançando a Alemanha e apagando a ilusão de um desacoplamento graças à mítica
eficiência produtiva germânica. O artigo é de Marcelo Justo, direto de Londres.
Marcelo Justo –
Carta Maior
Londres - A
contração econômica da Alemanha no último trimestre de 2012 e a redução oficial
das projeções de crescimento para este ano são um novo golpe para a zona do
euro. Segundo o Escritório Federal de Estatísticas da Alemanha a contração foi
de 0,5%. Segundo o Banco Central alemão, a economia crescerá 0,4% este ano,
muito menos do que o 1,6% previsto em cálculos anteriores. Na primeira metade
do ano passado o crescimento alemão evitou uma recessão do conjunto da
eurozona. É óbvio que as coisas estão mudando.
A crise dos países do sul da zona do euro está alcançando a Alemanha e apagando
a ilusão de um desacoplamento graças à mítica eficiência produtiva germânica.
Em 2009, a Alemanha sofreu uma contração de 5% como consequência da crise
mundial, mas em 2010 e 2011 teve uma rápida recuperação com um crescimento de
4,2% e 3% respectivamente. A queda foi abrupta na segunda metade do ano passado
e deixou o Produto Interno Bruto (PIB) alemão com um anêmico aumento de 0,7%.
Em declarações ao Financial Times nesta quarta-feira o presidente do governo da
Espanha, mariano Rajoy, que aceitou o plano de ajuste em seu país, pediu às
nações credoras da eurozona que ponham em marcha políticas de estímulo ao
crescimento. “Este é o momento de colocar em marcha essas políticas. Está claro
que não se pode pedir a Espanha que adote políticas de expansão, mas sim aos
países da zona do euro que estão em condições de fazê-lo”, afirmou.
Um dado deveria favorecer esta mudança. Segundo o mesmo Escritório de
Estatísticas, a Alemanha obteve um superávit fiscal de 0,1%, o primeiro desde
2007. Mas o ministro de Finanças alemão, Wolfgang Schauble reafirmou,
terça-feira à noite, a posição de austeridade de seu governo.
As duas eurozonas
Desde o estouro da crise da dívida na Grécia em 2010, a zona do euro vem
apresentando uma história de realidades paralelas. Enquanto os PIGS (Portugal,
Irlanda, Grécia e Espanha) afundavam na recessão, a Alemanha, segundo
exportador mundial depois da China, crescia graças suas vendas ao exterior.
Segundo Marie Dirone, economista sênior da consultora internacional Ernest and
Young, os novos dados provam que a Alemanha não pode se desvencilhar do destino
de seus vizinhos. “Durante um certo tempo causou assombro a capacidade alemã
para resistir à debilidade do sul da Europa com a diversificação de suas
exportações para a China e outros mercados emergentes. Está claro que isso tem
limites. A Alemanha está sentindo a queda da demanda nos outros países da zona
do euro”, assinalou à Carta Maior.
Não chega a surpreender. A metade das exportações alemãs tem como destino os
países da zona do euro. O dado se reflete nas estatísticas oficiais. O setor
exportador, que representa mais da terça parte do PIB alemão, sofreu uma queda
abrupta no último trimestre do ano passado. Esta queda arrastou a zona do euro
que terminou 2012 em recessão (dois trimestres consecutivos de contração).
Os novos dados oficiais mostram também que o euro segue sofrendo do
desequilíbrio estrutural entre economias muito distintas, o que vem colocando
em perigo o projeto da moeda única europeia. Entre Alemanha ou França e Grécia
ou Portugal sempre houve um abismo de produtividade e competitividade. Estas
diferenças não eram incorrigíveis. No coração do projeto pan-europeu estava a
ideia de homogeneizar economias diversas por meio do investimento público nas
zonas mais atrasadas.
Mas o euro nasceu em meio à grande festa financeira. Graças à moeda única, os
países da periferia, os PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha), tiveram uma
taxa de juro muito baixa que financiou bônus de investimento e consumo pagos
com um crescente endividamento. O resultado foi que os países do norte europeu
exportaram e os do sul consumiram com base em um déficit de conta corrente. O
ajuste decidido pelo governo alemão socialdemocrata de Gerhard Schroeder em
2003 aprofundou o desequilíbrio: os salários alemães tiveram uma estagnação
relativa aos do Sul que encareceu os produtos que vinham dos PIGS.
O ajuste unidimensional
Segundo uma escola de pensamento, sendo a zona do euro uma unidade, o
desequilíbrio não deveria importar tanto: a queda de uma região seria
compensada pelo crescimento de outra. Mas o especialista alemão da London
School of Economic, Henning Meyer, opina que a unidade da zona do euro é uma
ficção sem mecanismos concretos que compensem os desequilíbrios. “A zona do
euro não tem transferências fiscais que compensem a queda de uma região. E a
política que está sendo impulsionada no conjunto da região é exatamente a
contrária a um mecanismo desta natureza. Há um ajuste assimétrico pelo qual os
países que têm déficit estão adotando políticas recessivas enquanto que os
países que apresentam superávit não estão adotando políticas expansivas”, disse
Meyer à Carta Maior.
A chanceler alemã Angela Merkel é a grande papisa da austeridade na zona do
euro em meio a uma contração que começa a afetar os interesses do poderoso
setor exportador alemão. Estes programas de ajuste, que o jornal espanhol El
País batizou como “austericídio”, são uma corda no pescoço que o governo alemão
segue apertando. É preciso reconhecer que o fundamentalismo alemão é coerente.
Há duas semanas, o ministro de Finanças, Wolfgang Schauble assinalou que a
própria Alemanha necessita de um ajuste fiscal.
Isso dependerá muito do que ocorrer com sua economia. O fantasma que começa a
rondar entre os analistas é a possibilidade de uma recessão alemã. A este
fantasma econômica se somam as eleições de setembro, nas quais a chanceler
Merkel tem que renovar seu mandato. “A Alemanha tem vivido em um mundo paralelo
no qual a crise da zona do euro era uma coisa que se via pela televisão. Se a
economia alemã se deteriorar, isso pode ter um forte impacto no resultado das
eleições, na política adotada e no conjunto da eurozona”, disse Meyer à Carta
Maior.
Tradução: Katarina Peixoto
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