Fernanda Câncio –
Diário de Notícias, opinião
O Expresso
noticiara-o já há duas semanas: Cavaco ia promulgar o Orçamento e enviá-lo para
o Tribunal Constitucional para fiscalização sucessiva. Mas o PR esperou até ao
fim do prazo de promulgação. Para quê o compasso de espera, se a presidência
vem de seguida (incrivelmente) esclarecer que não solicitou prioridade ao
tribunal para que se não "perdesse mais tempo"? Muito simples: o
Presidente gosta de suspenses. E achou que era giro anunciar a fiscalização no
discurso de ano novo.
E que discurso.
Considerando que estamos em "espiral recessiva" (o que, como se sabe,
o PM desmente), Cavaco aponta o Orçamento como dela causador, enquanto o reputa
de fundamental. Confusos? Vejamos: diz ser necessário equilibrar as contas
públicas, mas adverte para o facto de que em 2012 se tornou claro
"tender" esse processo "a ser socialmente insustentável". E
explica porquê: "A austeridade orçamental conduz à queda da produção"
e, portanto, "à obtenção de menor receita fiscal". Como isso torna
mais difícil equilibrar as contas públicas, "segue-se", diz o PR,
"mais austeridade para alcançar as metas do défice público, o que leva a
novas quedas da produção e assim sucessivamente." Ou seja, à austeridade
em catadupa de 2012, que arruinou a economia, segue-se austeridade ainda mais
brutal de 2013, que só pode dar ainda piores resultados na economia e portanto
nas receitas fiscais. "Um círculo vicioso que temos de interromper",
conclui Cavaco, corajoso. E que faz ele para isso? Aprova a nova austeridade. E
como justifica tal insanidade? Metendo, é claro, os pés pelas mãos, ao recusar
a ideia do perdão da dívida, frisando que é preciso honrar os compromissos
internacionais (os mesmos que disse não poderem ser honrados com este caminho,
porque não há maneira de o fazer com uma economia morta) e recusando a
possibilidade de "uma grave crise política".
Grave crise
política é, depreende-se, o que Cavaco acha que decorreria de um chumbo do
Orçamento em fiscalização preventiva (antes da promulgação). Mas um chumbo
daqui a três meses é melhor? E é indiferente que um Orçamento que se suspeita
ser inconstitucional (mais outro) entre em vigor? Das duas uma: ou Cavaco,
apesar de ter pedido a fiscalização de três normas - por acaso duas delas tendo
a ver com o corte do subsídio de férias a pensionistas e funcionários públicos,
que ele deixara passar, em dobro e sem pedido de fiscalização, no OE 2012 -,
aposta no facto de o tribunal não ter coragem para, em março/abril, declarar mais
uma vez a inconstitucionalidade de confiscos que "sustentam" o
Orçamento; ou perante a inevitabilidade dos pedidos de fiscalização da oposição
e prevendo que a execução orçamental vai ser - de novo - um desastre, sabe que
a crise política é inevitável mas quer poder dizer que fez tudo para a evitar.
E emergir como quem "avisou" - talvez mesmo o salvador. Do resto, que
é só Portugal, quer ele lá saber.
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