sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

ESPIRAL DE CALCULISMO




Fernanda Câncio – Diário de Notícias, opinião

O Expresso noticiara-o já há duas semanas: Cavaco ia promulgar o Orçamento e enviá-lo para o Tribunal Constitucional para fiscalização sucessiva. Mas o PR esperou até ao fim do prazo de promulgação. Para quê o compasso de espera, se a presidência vem de seguida (incrivelmente) esclarecer que não solicitou prioridade ao tribunal para que se não "perdesse mais tempo"? Muito simples: o Presidente gosta de suspenses. E achou que era giro anunciar a fiscalização no discurso de ano novo.

E que discurso. Considerando que estamos em "espiral recessiva" (o que, como se sabe, o PM desmente), Cavaco aponta o Orçamento como dela causador, enquanto o reputa de fundamental. Confusos? Vejamos: diz ser necessário equilibrar as contas públicas, mas adverte para o facto de que em 2012 se tornou claro "tender" esse processo "a ser socialmente insustentável". E explica porquê: "A austeridade orçamental conduz à queda da produção" e, portanto, "à obtenção de menor receita fiscal". Como isso torna mais difícil equilibrar as contas públicas, "segue-se", diz o PR, "mais austeridade para alcançar as metas do défice público, o que leva a novas quedas da produção e assim sucessivamente." Ou seja, à austeridade em catadupa de 2012, que arruinou a economia, segue-se austeridade ainda mais brutal de 2013, que só pode dar ainda piores resultados na economia e portanto nas receitas fiscais. "Um círculo vicioso que temos de interromper", conclui Cavaco, corajoso. E que faz ele para isso? Aprova a nova austeridade. E como justifica tal insanidade? Metendo, é claro, os pés pelas mãos, ao recusar a ideia do perdão da dívida, frisando que é preciso honrar os compromissos internacionais (os mesmos que disse não poderem ser honrados com este caminho, porque não há maneira de o fazer com uma economia morta) e recusando a possibilidade de "uma grave crise política".

Grave crise política é, depreende-se, o que Cavaco acha que decorreria de um chumbo do Orçamento em fiscalização preventiva (antes da promulgação). Mas um chumbo daqui a três meses é melhor? E é indiferente que um Orçamento que se suspeita ser inconstitucional (mais outro) entre em vigor? Das duas uma: ou Cavaco, apesar de ter pedido a fiscalização de três normas - por acaso duas delas tendo a ver com o corte do subsídio de férias a pensionistas e funcionários públicos, que ele deixara passar, em dobro e sem pedido de fiscalização, no OE 2012 -, aposta no facto de o tribunal não ter coragem para, em março/abril, declarar mais uma vez a inconstitucionalidade de confiscos que "sustentam" o Orçamento; ou perante a inevitabilidade dos pedidos de fiscalização da oposição e prevendo que a execução orçamental vai ser - de novo - um desastre, sabe que a crise política é inevitável mas quer poder dizer que fez tudo para a evitar. E emergir como quem "avisou" - talvez mesmo o salvador. Do resto, que é só Portugal, quer ele lá saber.

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