quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O “CISMA DO PACÍFICO”




Participar da TPP, proposta pelos EUA, reduziria Brasil a “periferia de luxo”. É o que querem os partidários da “nova aliança”? 

José Luis Fiori* - Outras Palavras

“O Brasil era naturalmente líder, hoje a coisa é muito complicada.
O continente se dividiu, há o “Arco do Pacífico”…
Então de alguma maneira perdemos nossa relevância política
no continente que era inconteste.
Nunca chegamos a pensar uma negociação a fundo com os EUA, sempre tivemos medo”.

F.H. Cardoso, Valor Economico, 30/11/2012.

Na história do desenvolvimento sul-americano – depois da IIº Guerra Mundial – o projeto de integração do continente nunca foi uma política de estado, indo e vindo através do tempo, como se fosse uma utopia “sazonal”, que se fortalece ou enfraquece dependendo das flutuações da economia mundial e das mudanças de governo, dentro da própria América do Sul. Durante a primeira década do século XXI, os novos governos de esquerda do continente, somados ao crescimento generalizado da economia mundial – entre 2001 e 2008 – reavivaram e fortaleceram o projeto integracionista, em particular o Mercosul, liderado pelo Brasil e pela Argentina. Depois da crise de 2008, entretanto, este cenário mudou: a América do Sul recuperou-se rapidamente, puxada pelo crescimento chinês, mas este sucesso de curto prazo trouxe de volta e vem aprofundando algumas características seculares da economia sul-americana, que sempre obstaculizaram e dificultaram o projeto de integração, como seja, o fato de ser uma somatória de economias primário-exportadoras paralelas, e orientadas pelos mercados externos.

Esta situação de desaceleração ou impasse do “projeto brasileiro” de integração sul-americana, explica, em parte, o entusiasmo da grande imprensa econômica internacional, e o sucesso entre os ideólogos liberais latino-americanos, da nova “Aliança do Pacífico”, bloco comercial competidor do Mercosul, inaugurado pela “Declaração de Lima”, de abril de 2011, e sacramentado pelo “Acordo Marco de Antofagasta”, assinado em junho de 2102, pelo Peru, Chile, Colômbia e México. Quatro países com economias exportadoras de petróleo ou minérios, e adeptos do livre-comércio e das políticas econômicas ortodoxas. O entusiasmo ideológico, ou geopolítico, entretanto, encobre – às vezes – alguns fatos e dados elementares.

O primeiro, é que os quatro membros da “nova aliança” já tinham assinado acordos prévios de livre-comércio com os EUA e com um grande numero de países asiáticos. O segundo, e mais importante, é que o México pertence geograficamente à América do Norte, e desde sua incorporação ao NAFTA, em 1994, transformou-se num pedaço inseparável da economia americana, e no território ocupado pela guerra entre os grandes cartéis da droga que fornecem a cocaína da sociedade norte-americana, que vem, em boa parte, exatamente do Peru e da Colômbia. Em terceiro lugar, os três países sul-americanos que fazem parte do novo bloco têm territórios isolados por montanhas e florestas tropicais e são pequenas ou médias economias costeiras e de exportação, com escassíssimo relacionamento comercial entre si, ou com o México. O Chile é o único destes três países que possui um clima temperado e terras produtivas, mas é um dos países mais isolados do mundo, e é quase irrelevante para a economia sul-americana. A soma do produto interno bruto dos três, é de cerca de U$ 800 bilhões, menos de 1/3 do produto interno bruto brasileiro, e menos de um quarto do produto interno do Mercosul. Além disto, o crescimento econômico recente do Chile, Peru e Colômbia foi quase igual ao do Equador e Bolívia, que também são andinos, não pertencem ao novo bloco, se opõem às politicas e reformas neoliberais, e devem ingressar brevemente no Mercosul, como já passou com a Venezuela.

Concluindo, pode-se dizer com toda certeza que este “cisma do Pacífico” tem mais importância ideológica do que econômica, dentro da América do Sul, e seria quase insignificante politicamente se não fosse pelo fato de se tratar de uma pequena fatia do projeto Obama de criação da “Trans-Pacific Economic Partenership” – TPP –, peça central da sua política de reafirmação do poder econômico e militar norte-americano, na região do Pacífico. Desde 2010, o presidente Barack Obama vem insistindo na tecla de que os EUA são uma “nação do Pacífico” que se propõe exercer um papel central e de longo prazo no controle geopolítico e econômico dos dois lados do oceano, no Indico, e no sul da Ásia.

Neste sentido, é preciso ter claro que a inclusão do Brasil neste novo “arco do Pacífico”, implica uma opção pela condição de “periferia de luxo” do sistema econômico mundial, e também significa, em última instância, apoiar e participar da estratégia norte-americana de poder global, e ao mesmo tempo, de uma disputa regional, entre os EUA, o Japão e a China, pela hegemonia do leste asiático e do Pacífico Sul. Segundo o Foreign Affairs, “se as negociações frutificarem, o TPP acrescentará bilhões à economia dos EUA e solidificará, por décadas, o compromisso político, financeiro e militar de Washington no Pacífico” [1].

*José Luís Fiori é professor titular de Economia Política Internacional da UFRJ, é Coordenador do Grupo de Pesquisa do CNPQ/UFRJ, “O poder Global e a Geopolítica do Capitalismo”, www.poderglobal.net. O último livro publicado pelo autor, O Poder Global, editora Boitempo, pode ser encontrado em nossa loja virtual. O acervo de seus textos publicados em Outras Palavras, está aqui.

[1] If the negociations be fruit the TPP will add billions to the U.S. economy and solidify Washington´s political, financial, and military commitment to the Pacific for decades to come (july/august 2012; p:22)

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