Tomás Vasques –
Jornal i, opinião
O que está em
causa, neste momento, é a total subversão do papel do Estado – um golpe de
Estado que não foi posto à consideração dos portugueses
Ainda não assentou
o pó levantado pela pantominice que consta num “relatório” tornado público,
através da comunicação social, impresso em papel timbrado do FMI. O pó não
assentou, nem vai assentar tão cedo. O episódio à volta da proposta sobre a
TSU, apresentada por Passos Coelho, em Setembro do ano passado, e que, pelo
desvario em que assentava, marcou a definitiva ruptura do governo com a maioria
dos portugueses, vai parecer insignificante ao pé desta “história de cordel”
redigida por Vítor Gaspar e Passos Coelho. Mas, vamos por partes.
Finalmente, mais de
ano e meio depois de ter tomado posse, o PSD deu a cara pelo seu encoberto
programa do partido e do governo. O núcleo duro da actual direcção do PSD,
desde o congresso que entronizou na presidência Passos Coelho, em 2010, que
anda às voltas com a tarefa de destruir o “Estado socialista” – que de
socialista tem muito pouco, obviamente – e subverter a Constituição. Escolheram
o caminho do “apoio externo” e do embuste, depois de perceberem que a sua proposta
de revisão constitucional, apresentada nas suas linhas mestras nesse congresso,
não tinha a menor hipótese de se concretizar. A partir daí, o logro, o engano e
a falsidade, como táctica para atingir os objectivos, tomaram conta do
“discurso político” do PSD. Contaram com os “ódios” políticos do PCP e do BE ao
PS, para derrubar o anterior governo, transformando os comunistas e os
bloquistas, no dia da votação do PEC IV, em cúmplices, “companheiros de viagem”
para bons entendedores, e com a “ajuda externa” que as eleições antecipadas
tornaram inevitável, para tecer a teia desta louca caminhada para o abismo.
Revisitar as declarações de Passos Coelho nos últimos três anos dá-nos a
dimensão da fraude política, desta grande golpada. Não se trata de irresponsabilidade,
incompetência ou ingenuidade política (que também existem), mas do colossal
embuste político que vem desde o congresso do PSD até hoje.
Depois da
desastrosa execução orçamental de 2012 e da aprovação de igual receita para
2013, Vítor Gaspar e Passos Coelho, os arquitectos que desenharam a “refundação
do Estado”, não tiveram a coragem política de apresentar as medidas do dito
relatório como uma encomenda do governo a que o FMI emprestou o timbre, mas
defenderam-nas como só os seus progenitores as podiam defender. Para além de
Carlos Moedas, foi o próprio primeiro-ministro que assumiu que o “relatório do
FMI” é o programa do seu governo, quando declarou, ao ser questionado sobre a
legitimidade democrática para aplicar estas medidas: “O governo não foi eleito
apenas para executar o memorando de entendimento com a troika. O governo foi
eleito para governar o país de acordo com o seu próprio programa.” Quanto à
paternidade do “relatório”, está tudo dito.
Independentemente
dos “pressupostos errados”, expressão usada por Mota Soares, ministro do actual
governo, e outras mazelas e patetices que enfermam a pantominice cozinhada por
“técnicos” do FMI, a questão relevante é que o dito “relatório”, encomendado
por de Vítor Gaspar e Passos Coelho, a ser aplicado, no todo ou em parte,
afundariam os portugueses na maior das misérias e conduziriam a economia
portuguesa, por longos anos, para o fundo de um abismo. À crise financeira e
económica como a que atravessamos, junta-se a convicção deste governo de que a
maioria dos portugueses têm salários elevados, pensões de reforma principescas,
trabalham pouco e “consomem” saúde, educação, alimentação, transportes e outros
luxos “acima das suas possibilidades”.
Aqui chegados, é
inevitável questionar, perante esta evidência, a legitimidade democrática deste
governo de Vítor Gaspar e Passos Coelho, a que Paulo Portas e Cavaco Silva dão
guarida, para continuar em exercício de funções. O que está em causa, neste
momento, é a total subversão do papel do Estado – um golpe de Estado que não
foi posto à consideração dos portugueses nas últimas eleições.
Jurista. Escreve à
segunda-feira
Sem comentários:
Enviar um comentário