Rosa Ramos – Jornal i
Uma mulher
envenenou os filhos e matou-se a seguir, em Oeiras. Especialistas acreditam que
o fenómeno está a aumentar
Ao final da tarde
de domingo, um segurança da Faculdade de Motricidade Humana, na Cruz Quebrada
(Oeiras), ligou para a PSP: estranhou que um carro estivesse parado há mais de
um dia num caminho de terra batida junto aos dormitórios da escola. Quando a polícia
chegou, encontrou duas crianças mortas no banco de trás, cobertas por uma capa
amarela. Os corpos não tinham ferimentos visíveis e havia restos de bolo no
chão – o que apontou para um possível envenenamento.
Através da
matrícula do carro, que pertencia à mãe, a PSP conseguiu identificar as duas
crianças, de 11 e 12 anos. Poucas horas mais tarde, a avó terá contado à
polícia que a filha – uma mulher com 40 anos, a viver em São Marcos, nos
arredores do Cacém –, estaria com uma depressão causada por problemas ligados à
regulação do poder paternal dos rapazes. A PSP viria a encontrar o corpo da
mulher, já ontem de manhã, também nas imediações da faculdade. Fonte da Polícia
Judiciária (PJ), que está a investigar o caso, confirmou ao i que
tudo aponta para que tenha sido a mãe a autora do envenenamento dos filhos,
depois de os ter ido buscar a casa da avó, em Linda-a-Velha. Os três corpos
foram levados para o Instituto de Medicina Legal para serem autopsiados, mas
uma fonte da PSP diz que há fortes indícios de que a mulher se tenha suicidado
com o mesmo veneno que terá dado às crianças: o cadáver também não apresentava
ferimentos visíveis.
A GUARDA
O
presidente da Comissão de Protecção de Criança e Jovens de Oeiras adiantou
ontem à Lusa que as duas crianças estavam já referenciadas pela instituição no
ano passado e que o caso seguiu para tribunal. “A situação foi-nos sinalizada
em 2012. Tentámos intervir, mas como não estavam reunidas todas as condições
para tomar uma decisão e como a instituição não pode actuar sem a autorização
dos pais, o processo seguiu para o Tribunal de Família e Menores de Cascais”,
explicou João Belo.
Os casos de
matricídio, diz António Teixeira, ex-inspector da PJ, têm sido mais comuns nos
últimos anos. Muitos ocorrem quando há conflitos na regulação do poder
paternal. “O que pode significar que os tribunais e os advogados não estão a
gerir estes processos com a atenção e o cuidado necessários”, avisa o antigo
investigador. “São problemas que precisam de ser tratados não numa óptica de se
ganhar os filhos a todo o custo, mas numa perspectiva humana e que possa
salvaguardar o interesse das crianças e o equilíbrio dos pais”.
A CRISE
O
psicólogo criminal Carlos Poiares também admite que o número de mulheres que
matam os filhos está a subir. Mas prefere atribuir a culpa à crise económica e
social que o país atravessa. “Estamos a assistir a um aumento destes casos, bem
como dos homicídios conjugais e dos suicídios, como aliás acontece em todas as
épocas de crise”, defende o especialista, recordando o caso, na década de 1970,
de um casal com graves dificuldades financeiras que se atirou ao Tejo com o
filho. “Estas situações acontecem sempre num quadro em que as mães não
conseguem ver uma luz ao fundo do túnel. Acabar com a vida do filho é um acto
tresloucado, desesperado, de fim de linha”, diz o psicólogo. E a crise pode
actuar como um rastilho potenciador desse desespero: “A actual conjuntura
social e económica é gravíssima e facilmente leva as pessoas a descompensarem”.
Por se tratar de um crime extremo, acrescenta o especialista, a maioria das
mães acaba por cometer o suicídio depois de matar os filhos.
PERTURBAÇÕES
A
relação entre crise e matricídios não é consensual. O psicólogo Manuel Coutinho
atribui o aumento dos casos ao fenómeno da “imitação” e defende haver sempre
uma perturbação psiquiátrica ou um transtorno da personalidade por detrás deste
tipo de comportamento. “São pessoas que têm uma enorme frieza afectiva,
geralmente muito impulsivas e com uma rede social e familiar muito fraca. São,
em regra, mulheres muito isoladas”, descreve.
O psicólogo forense
Rui Abrunhosa Gonçalves concorda: uma mãe que mata os filhos sofrerá sempre de
uma perturbação mental grave e não tratada. Há casos de mulheres com depressões
pós-parto ou com “patologias dissociativas”, como a esquizofrenia, que mataram
ou tentaram matar os filhos. Fruto dessas desordens, algumas mães acreditam que
ao matarem as crianças estão, na realidade, a salvá-las – como o caso de
Anabela, que em 2009 se atirou da Ponte D. Luís, no Porto, com o filho de seis
anos ao colo. A criança morreu, mas ela foi resgatada por dois remadores. Mais
tarde, viria a contar à polícia que sofria de uma depressão pós-parto e que
acreditava que o filho tinha uma doença incurável. Matá-lo seria uma maneira de
o salvar. “São os chamados homicídios altruístas”, explica Rui Abrunhosa
Gonçalves.
VINGANÇA
O
ex-inspector da PJ António Teixeira acrescenta, por outro lado, que há mulheres
que matam os filhos por vingança e, muitas vezes, para punirem os companheiros:
“Não são mães, são progenitoras. São mulheres que não estabelecem ligações
afectivas com os filhos.” Nas vinganças e nos crimes passionais, homens e
mulheres reagem de forma diferente, recorda o ex-investigador. “O homem, que
até é visto como sendo mais frio na sua relação com os filhos, vinga-se na
companheira quando há uma divergência conjugal. Já as mulheres são menos
propensas a matarem os companheiros mas, em contrapartida, são capazes de usar
os filhos para se vingarem.”
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