terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Portugal – Infanticídios: PORQUE MATAM AS MÃES OS PRÓPRIOS FILHOS?




Rosa Ramos – Jornal i

Uma mulher envenenou os filhos e matou-se a seguir, em Oeiras. Especialistas acreditam que o fenómeno está a aumentar

Ao final da tarde de domingo, um segurança da Faculdade de Motricidade Humana, na Cruz Quebrada (Oeiras), ligou para a PSP: estranhou que um carro estivesse parado há mais de um dia num caminho de terra batida junto aos dormitórios da escola. Quando a polícia chegou, encontrou duas crianças mortas no banco de trás, cobertas por uma capa amarela. Os corpos não tinham ferimentos visíveis e havia restos de bolo no chão – o que apontou para um possível envenenamento.

Através da matrícula do carro, que pertencia à mãe, a PSP conseguiu identificar as duas crianças, de 11 e 12 anos. Poucas horas mais tarde, a avó terá contado à polícia que a filha – uma mulher com 40 anos, a viver em São Marcos, nos arredores do Cacém –, estaria com uma depressão causada por problemas ligados à regulação do poder paternal dos rapazes. A PSP viria a encontrar o corpo da mulher, já ontem de manhã, também nas imediações da faculdade. Fonte da Polícia Judiciária (PJ), que está a investigar o caso, confirmou ao i que tudo aponta para que tenha sido a mãe a autora do envenenamento dos filhos, depois de os ter ido buscar a casa da avó, em Linda-a-Velha. Os três corpos foram levados para o Instituto de Medicina Legal para serem autopsiados, mas uma fonte da PSP diz que há fortes indícios de que a mulher se tenha suicidado com o mesmo veneno que terá dado às crianças: o cadáver também não apresentava ferimentos visíveis.

A GUARDA 

O presidente da Comissão de Protecção de Criança e Jovens de Oeiras adiantou ontem à Lusa que as duas crianças estavam já referenciadas pela instituição no ano passado e que o caso seguiu para tribunal. “A situação foi-nos sinalizada em 2012. Tentámos intervir, mas como não estavam reunidas todas as condições para tomar uma decisão e como a instituição não pode actuar sem a autorização dos pais, o processo seguiu para o Tribunal de Família e Menores de Cascais”, explicou João Belo.

Os casos de matricídio, diz António Teixeira, ex-inspector da PJ, têm sido mais comuns nos últimos anos. Muitos ocorrem quando há conflitos na regulação do poder paternal. “O que pode significar que os tribunais e os advogados não estão a gerir estes processos com a atenção e o cuidado necessários”, avisa o antigo investigador. “São problemas que precisam de ser tratados não numa óptica de se ganhar os filhos a todo o custo, mas numa perspectiva humana e que possa salvaguardar o interesse das crianças e o equilíbrio dos pais”.

A CRISE 

O psicólogo criminal Carlos Poiares também admite que o número de mulheres que matam os filhos está a subir. Mas prefere atribuir a culpa à crise económica e social que o país atravessa. “Estamos a assistir a um aumento destes casos, bem como dos homicídios conjugais e dos suicídios, como aliás acontece em todas as épocas de crise”, defende o especialista, recordando o caso, na década de 1970, de um casal com graves dificuldades financeiras que se atirou ao Tejo com o filho. “Estas situações acontecem sempre num quadro em que as mães não conseguem ver uma luz ao fundo do túnel. Acabar com a vida do filho é um acto tresloucado, desesperado, de fim de linha”, diz o psicólogo. E a crise pode actuar como um rastilho potenciador desse desespero: “A actual conjuntura social e económica é gravíssima e facilmente leva as pessoas a descompensarem”. Por se tratar de um crime extremo, acrescenta o especialista, a maioria das mães acaba por cometer o suicídio depois de matar os filhos.

PERTURBAÇÕES

A relação entre crise e matricídios não é consensual. O psicólogo Manuel Coutinho atribui o aumento dos casos ao fenómeno da “imitação” e defende haver sempre uma perturbação psiquiátrica ou um transtorno da personalidade por detrás deste tipo de comportamento. “São pessoas que têm uma enorme frieza afectiva, geralmente muito impulsivas e com uma rede social e familiar muito fraca. São, em regra, mulheres muito isoladas”, descreve.

O psicólogo forense Rui Abrunhosa Gonçalves concorda: uma mãe que mata os filhos sofrerá sempre de uma perturbação mental grave e não tratada. Há casos de mulheres com depressões pós-parto ou com “patologias dissociativas”, como a esquizofrenia, que mataram ou tentaram matar os filhos. Fruto dessas desordens, algumas mães acreditam que ao matarem as crianças estão, na realidade, a salvá-las – como o caso de Anabela, que em 2009 se atirou da Ponte D. Luís, no Porto, com o filho de seis anos ao colo. A criança morreu, mas ela foi resgatada por dois remadores. Mais tarde, viria a contar à polícia que sofria de uma depressão pós-parto e que acreditava que o filho tinha uma doença incurável. Matá-lo seria uma maneira de o salvar. “São os chamados homicídios altruístas”, explica Rui Abrunhosa Gonçalves.

VINGANÇA

O ex-inspector da PJ António Teixeira acrescenta, por outro lado, que há mulheres que matam os filhos por vingança e, muitas vezes, para punirem os companheiros: “Não são mães, são progenitoras. São mulheres que não estabelecem ligações afectivas com os filhos.” Nas vinganças e nos crimes passionais, homens e mulheres reagem de forma diferente, recorda o ex-investigador. “O homem, que até é visto como sendo mais frio na sua relação com os filhos, vinga-se na companheira quando há uma divergência conjugal. Já as mulheres são menos propensas a matarem os companheiros mas, em contrapartida, são capazes de usar os filhos para se vingarem.”

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