Baptista-Bastos –
Diário de Notícias, opinião
Entrámos no ano de
todos os perigos e de todos os medos. Ninguém ameniza as perspectivas, e o
primeiro-ministro acentuou a nossa angústia afirmando que nunca as coisas,
depois do 25 de Abril de 74, tinham estado tão escuras. Os seus apaniguados,
contentíssimos, aplaudiram as declarações, considerando-as sinal de honrada
"transparência". Esqueceram-se, evidentemente, de que, à esquerda e à
direita, gente altamente qualificada e sensata já advertira da tragédia próxima.
E Passos Coelho continua a não reconhecer, claramente, o que a aplicação da
ideologia neoliberal nos tem feito. Nem o que essa ideologia significa de risco
para a própria democracia, cada vez mais acanhada até ao ponto de constituir
uma humilhação e um desespero intoleráveis para quem nela acredita.
O ano traz,
portanto, malvados prenúncios. E, embora sabedor da nociva sorte que nos
aguarda, Passos Coelho não move uma palha para inverter a funesta tendência.
Não move ou não sabe mover. A representação do poder demonstra enorme desprezo
pelos protestos de rua, pelos movimentos de massas (o 15 de Setembro
testemunhou a recusa da apatia e da resignação, pelas razões que em si mesmo
comportava), pelos depoimentos e pelas declarações veementes de economistas,
sociólogos, políticos, alarmados com o caminho para o desastre a que o País é
impelido. Interpelado sobre se a população aguenta o caudal de restrições,
impostos e constrangimentos, o banqueiro sr. Ulrich admitiu: "Aguenta!
Aguenta!", num escabroso convencimento, a roçar o insulto e o impudor. É
em criaturas deste jaez e estilo que o primeiro-ministro se apoia, pois elas
mesmas caracterizam um dos pilares em que assenta a ideologia que defende.
A ideologia. Eis a
questão capital. E o novo paradigma político e social, que nos tem sido
imposto, inscreve--se nessa nova experiência do capitalismo, como emergência de
sair da crise por si criada.
A regressão a que
Pedro Passos Coelho nos obrigou contém uma incerteza dramática, que o atinge,
atingindo-nos cruelmente. Ele abriu a caixa de Pandora e, agora, não sabe como
fechá-la. É um tonto perigosíssimo. Arruinou a pátria, não somente a pátria
política, social e económica mas, sobretudo, a pátria moral. Nem daqui a duas
ou três décadas o desastre será remediado, diz quem sabe. O nefasto
"rotativismo" ocultará ou dissimulará os erros e os crimes cometidos.
Ninguém vai parar à cadeia, porque eles protegem-se uns aos outros, com o
impudor de quem se reconhece acima de deus e do diabo.
É pungente
assistir-se às torções do PS, como aos embustes, ao vazio de sentido dos
discursos do PSD. Não desejo referir-me, neste texto, ao dr. Cavaco, por nojo e
estrito resguardo mental. Desejo, isso sim, demonstrar o orgulho e a vaidade
que sinto por pertencer a um povo como este, sofrido, cercado, mas decente e
indomável.
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