Daniel Oliveira –
Expresso, opinião em Blogues
As políticas de
austeridade ganharam força no início desta crise. Assim como tinham força no
período logo a seguir aos crash de 1929. Num e noutro período provaram o seu
falhanço. Esperemos que agora, como no passado, sejam seguidas de uma correção
profunda. Por agora, é receita da troika e do FMI, historicamente desastrosa,
que prevalece. E ela vive deste dogma: a austeridade, baseada na
consolidação orçamental, é expansionista. Ou seja, liberta dinheiro para a
economia e fá-la crescer.
O Expresso publicou
excertos de uma entrevista ao economista australiano Anisuzzaman Chowdhury , em que este demonstra como a
tese é desmentida pela história da própria instituição financeira. Segundo
Chowdhury, investigações de dois dos economistas que mais terão influenciado a
tese da "austeridade expansionista" (Alberto Alesina e Silvia
Ardagna) são contundentes a desmentir a sua bondade. Num conjunto de eventos
estudados em países da OCDE, entre 1970 e 2007, apenas em 19% a austeridade
teve resultados positivos. E em apenas 25% houve uma expansão económica
posterior. Arjun Jayadev e Mike Konczal, do Roosevelt Institute ,
foram escalpelizar o estudo destes economistas e, alargando a amostra para 107
episódios, em nenhum caso os resultados bem sucedidos ocorreram, de facto,
em contexto de crise económica. E é em contexto de crise que esta
"austeridade expansionista" está a ser tentada.
Socorrendo-se de um
outro estudo de Adam Posen, realizado em 2005 para a Comissão Europeia,
concluía-se que em 50% dos casos em que houve sucesso dos programas de
austeridade eles foram acompanhados por uma política monetária expansionista que,
como sabemos, nos está vedada. E essas intervenções não aconteceram
durante crises financeiras e económicas globais e não coincidiram com outros
programas de ajustamento em países que fossem importantes parceiros comerciais.
Ou seja, o expansionismo da austeridade é ainda menos provável quando é
aplicado em todo o lado ao mesmo tempo.
Na realidade, não
há, neste momento, qualquer base empírica para continuar a seguir o caminho que
a Alemanha e as instituições europeias que esta domina estão a obrigar a Europa
a seguir. Sabe-se, através de um relatório do próprio Fundo Monetário
Internacional, que os cortes no Estado têm tido repercussões na economia que
chegam a ser superiores ao que se conseguiu cortar nos gastos públicos. Julgava
o FMI que por cada euro de corte na despesa pública ou em aumento de impostos o
PIB perderia 50 cêntimos. Na realidade, desde 2008 até hoje, por cada euro
de corte na despesa pública ou de aumento de impostos o PIB perdeu entre 90
cêntimos e 1 euro e 70 cêntimos. Em geral, a economia perdeu mais do que o
Estado ganhou. Ou seja, o multiplicador orçamental era muito mais elevado do
que se pressupôs. E este erro explica-se, diz Chowdhury, porque as estimativas
eram baseadas em metodologias informais e não, como muitos acreditavam, em
estudos confirmandos por resultados empíricos.
Para contrariar
algumas ideias feitas sobre os multiplicadores orçamentais (efeitos das
políticas orçamentais e fiscais na economia), é interessante conhecer os
números recentemente usados pelo jornalista americano Doug
Henwood . Por cada dólar investido pelo Estado em programas de
criação de emprego e infraestruruas, o PIB cresce de um dólar e 60 cêntimos a
um dólar e 70 cêntimos. Por cada dólar na redução de impostos o PIB cresceu um
dólar e 20 cêntimos. Porque os trabalhadores gastam tudo o que ganham com este
corte mas as classes mais altas não. Num caso o dinheiro entra todo na economia
e multiplica-se, no outro não. Só que a política da troika está a
conseguir o dois em um: reduz investimento e aumenta impostos. Isto em plena
crise económica. Ou seja: o resultado é duplamente negativo.
Um outro estudo, da
Unidade Técnica de Acompanhamento Orçamental, diz-nos que, em Portugal, por
cada cinco euros que se poupou no Estado perderam-se quatro euros em receita
fiscal por causa da crise económica que a própria austeridade alimenta. Ou
seja, a crise comeu os cortes que se fizeram e os ganhos com eles são, para o
próprio Estado, marginais. O ajustamento orçamental faz-se, mas com sacrifícios
desproporcionais aos ganhos e efeitos duradouros na economia.
Tudo isto serve
para dizer o que já deveria ser óbvio: a ideia de que o Estado vai, no
meio desta crise global e sem instrumentos monetários, encontrar o seu
equilíbrio orçamental através da austeridade esbarra com os factos. Como a
austeridade tem efeitos na economia e as contas do Estado dependem da economia,
a "consolidação orçamental", nestas circunstâncias, mata a economia e
esta mata as contas públicas. Traduzindo para a linguagem de Vítor Gaspar: "se
continuamos a cortar, haverá ainda menos dinheiro". Qual das palavras
estes senhores não entendem?
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