terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Portugal: SE CONTINUARMOS A CORTAR, HAVERÁ AINDA MENOS DINHEIRO




Daniel Oliveira – Expresso, opinião em Blogues

As políticas de austeridade ganharam força no início desta crise. Assim como tinham força no período logo a seguir aos crash de 1929. Num e noutro período provaram o seu falhanço. Esperemos que agora, como no passado, sejam seguidas de uma correção profunda. Por agora, é receita da troika e do FMI, historicamente desastrosa, que prevalece. E ela vive deste dogma: a austeridade, baseada na consolidação orçamental, é expansionista. Ou seja, liberta dinheiro para a economia e fá-la crescer.

O Expresso publicou excertos de uma entrevista ao economista australiano Anisuzzaman Chowdhury , em que este demonstra como a tese é desmentida pela história da própria instituição financeira. Segundo Chowdhury, investigações de dois dos economistas que mais terão influenciado a tese da "austeridade expansionista" (Alberto Alesina e Silvia Ardagna) são contundentes a desmentir a sua bondade. Num conjunto de eventos estudados em países da OCDE, entre 1970 e 2007, apenas em 19% a austeridade teve resultados positivos. E em apenas 25% houve uma expansão económica posterior. Arjun Jayadev e Mike Konczal, do Roosevelt Institute , foram escalpelizar o estudo destes economistas e, alargando a amostra para 107 episódios, em nenhum caso os resultados bem sucedidos ocorreram, de facto, em contexto de crise económica. E é em contexto de crise que esta "austeridade expansionista" está a ser tentada.

Socorrendo-se de um outro estudo de Adam Posen, realizado em 2005 para a Comissão Europeia, concluía-se que em 50% dos casos em que houve sucesso dos programas de austeridade eles foram acompanhados por uma política monetária expansionista que, como sabemos, nos está vedada. E essas intervenções não aconteceram durante crises financeiras e económicas globais e não coincidiram com outros programas de ajustamento em países que fossem importantes parceiros comerciais. Ou seja, o expansionismo da austeridade é ainda menos provável quando é aplicado em todo o lado ao mesmo tempo.

Na realidade, não há, neste momento, qualquer base empírica para continuar a seguir o caminho que a Alemanha e as instituições europeias que esta domina estão a obrigar a Europa a seguir. Sabe-se, através de um relatório do próprio Fundo Monetário Internacional, que os cortes no Estado têm tido repercussões na economia que chegam a ser superiores ao que se conseguiu cortar nos gastos públicos. Julgava o FMI que por cada euro de corte na despesa pública ou em aumento de impostos o PIB perderia 50 cêntimos. Na realidade, desde 2008 até hoje, por cada euro de corte na despesa pública ou de aumento de impostos o PIB perdeu entre 90 cêntimos e 1 euro e 70 cêntimos. Em geral, a economia perdeu mais do que o Estado ganhou. Ou seja, o multiplicador orçamental era muito mais elevado do que se pressupôs. E este erro explica-se, diz Chowdhury, porque as estimativas eram baseadas em metodologias informais e não, como muitos acreditavam, em estudos confirmandos por resultados empíricos.

Para contrariar algumas ideias feitas sobre os multiplicadores orçamentais (efeitos das políticas orçamentais e fiscais na economia), é interessante conhecer os números recentemente usados pelo jornalista americano Doug Henwood . Por cada dólar investido pelo Estado em programas de criação de emprego e infraestruruas, o PIB cresce de um dólar e 60 cêntimos a um dólar e 70 cêntimos. Por cada dólar na redução de impostos o PIB cresceu um dólar e 20 cêntimos. Porque os trabalhadores gastam tudo o que ganham com este corte mas as classes mais altas não. Num caso o dinheiro entra todo na economia e multiplica-se, no outro não. Só que a política da troika está a conseguir o dois em um: reduz investimento e aumenta impostos. Isto em plena crise económica. Ou seja: o resultado é duplamente negativo.

Um outro estudo, da Unidade Técnica de Acompanhamento Orçamental, diz-nos que, em Portugal, por cada cinco euros que se poupou no Estado perderam-se quatro euros em receita fiscal por causa da crise económica que a própria austeridade alimenta. Ou seja, a crise comeu os cortes que se fizeram e os ganhos com eles são, para o próprio Estado, marginais. O ajustamento orçamental faz-se, mas com sacrifícios desproporcionais aos ganhos e efeitos duradouros na economia.

Tudo isto serve para dizer o que já deveria ser óbvio: a ideia de que o Estado vai, no meio desta crise global e sem instrumentos monetários, encontrar o seu equilíbrio orçamental através da austeridade esbarra com os factos. Como a austeridade tem efeitos na economia e as contas do Estado dependem da economia, a "consolidação orçamental", nestas circunstâncias, mata a economia e esta mata as contas públicas. Traduzindo para a linguagem de Vítor Gaspar: "se continuamos a cortar, haverá ainda menos dinheiro". Qual das palavras estes senhores não entendem?

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