quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Portugal: Troika proibiu parlamento de aprovar novas ordens profissionais




Marta F. Reis – Jornal i

Parlamento debate nova lei das terapias não convencionais. Proposta do governo deverá ser corrigida na especialidade

Em vésperas da aprovação da nova lei que passa para o Estado a total regulação das medicinas alternativas, associações e deputados confiam que o principal ponto de discórdia deverá ser ultrapassado quando o projecto baixar à especialidade. Aquilo que seria uma alternativa consensual, a criação de ordens profissionais, está fora de questão. A troika não consente.

A proposta de lei do governo, que deu entrada no parlamento em Novembro, é debatida hoje no parlamento e deverá ser aprovada pela maioria no plenário. Prevê que as profissões de acupunctor, fitoterapeuta, homeopata, naturopata, osteopata e quiroprático passem a estar dependentes de curso superior e de uma cédula profissional emitida pela Administração Central do Sistema de Saúde, organismo do Ministério da Saúde. Neste momento, apenas uma profissão na saúde é regulada desta forma. O acesso à profissão de técnico de diagnóstico e terapêutica, também dependente de formação superior, exige título profissional emitido pela ACSS.

Nas últimas semanas as associações contestaram este cenário junto dos deputados, por entenderem que contraria o princípio de “autonomia técnica e deontológica” previsto na lei aprovada em 2003 para o sector e que nunca chegou a ter uma regulamentação aprovada, embora existisse um prazo legal de 180 dias para que isso acontecesse. Ontem, após uma reunião com deputados do PSD e PS, era certo no sector que a proposta seria aprovada como está na generalidade, mas há margem de todos os partidos para rectificações quando baixar à especialidade, entre elas o envolvimento das associações na credenciação e regulação disciplinar dos respectivos profissionais, como acontece com médicos, enfermeiros, psicólogos ou nutricionistas. Ainda assim, saiu destas últimas conversações uma surpresa, disse ao i Pedro Choy, presidente da Associação Portuguesa dos Profissionais de Acupunctura. “O mais natural era que fossem constituídas ordens para cada uma destas profissões mas segundo o que nos foi dito pelos partidos membros do governo é que a troika não o permite.” Laura Esperança, deputada do PSD, confirmou ao i esta proibição da troika, sublinhando contudo que, por este mesmo motivo, está em vias de ser promulgada uma nova lei da associações públicas profissionais. Se for esse o rumo da discussão na especialidade poderá ser uma solução, admitiu.

“Estou confiante de que a lei pode ser modificada”, disse Pedro Choy. O especialista em medicina tradicional chinesa lamentou que nas últimas duas décadas a regulamentação do sector tenha estado sob uma forte pressão do lóbi médico, que acusa de ter estado por detrás do facto da medicina chinesa não surgir ao lado das seis disciplinas consagradas na legislação. “É hipócrita, mas a única razão é ter a palavra medicina. Portugal é o único país do mundo onde se fala de terapias não convencionais e não de medicinas.”

Para já, contudo, a perspectiva da constituição de associações públicas profissionais que possam ter um papel na regulação é um caminho encarado com optimismo perante a surpresa que foi a nova proposta de lei do governo, que o sector considera ofensiva ao incluir disposições como não poderem “alegar falsamente que os actos que praticam são capazes de curar doenças.” Além de Choy também Manuel Branco, da Associação Portuguesa de Naturopatia, defende a solução das novas associações como razoável. “Somos uma associação com 31 anos. Sempre tivemos as nossas cédulas profissionais não estatais. Não temos culpa da inércia do Estado.” Manuel Branco acusa o governo de nos últimos meses ter ignorado o sector por nunca ter consultado a comissão nomeada pelo Estado para a regulamentação das terapias não convencionais. Em todo o processo de elaboração da nova proposta, que saiu da Direcção-Geral de Saúde, esta comissão nunca foi consultada. “Enviei emails ao primeiro-ministro e ao ministro da Saúde e nunca tive resposta”, disse o naturopata. Embora para já a posição seja de expectativa, o descontentamento promete escalar.

Noémia Rodrigues, da Associação Portuguesa de Fitoterapia Clássica, admitiu ao i que estão a ponderar um processo contra o Estado pela violação da lei de 2003. Manuel Branco disse que a hipótese de fazerem o mesmo ainda não está excluída e admitiu ter conhecimento de outra associação que se prepara para levar fazer o mesmo.

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