Deutsche Welle
A parceria entre
países emergentes e em desenvolvimento encontrou sua melhor expressão na
África, onde o Brasil ajuda a combater a fome e a aids, mas também é acusado de
agir a favor dos próprios interesses econômicos.
A euforia era
grande há três anos, na Cúpula América do Sul-África que aconteceu na
Venezuela. O então líder da Líbia, Muammar Kadafi, posava para a imprensa ao
lado do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e do então presidente brasileiro,
Luiz Inácio Lula da Silva.
Era para ser o
início de uma ampla cooperação entre a África e a América do Sul, um exemplo de
sucesso da chamada Cooperação Sul-Sul. Mas três anos depois, no início da 3ª
Cúpula América do Sul-África em Malabo, capital da Guiné Equatorial, nesta
sexta-feira (22/02), pouca coisa restou do otimismo inicial das primeiras
cúpulas, em 2006 e 2009.
Nem mesmo os
protagonistas de então estão mais em cena. Kadafi está morto, Chávez está
gravemente doente e Lula não está mais no poder. A data inicial da cúpula,
marcada para maio do ano passado, acabou sendo adiada pelo governo brasileiro.
Os objetivos
traçados também pouco avançaram nesses três anos. Segundo fontes diplomáticas,
a execução dos projetos ainda está longe de acontecer. Em vez disso, os dois
lados se ocuparam de questões organizacionais, por exemplo a estrutura e o
financiamento de um conselho permanente. Até pouco antes do início da cúpula de
Malabo, os participantes ainda discutiam a agenda do evento. Além da presidente
Dilma Rousseff, confirmaram presença os presidente da Nigéria, Goodluck
Jonathan, da África do sul, Jacob Zuma, e da Bolívia, Evo Morales.
Ajuda ao
desenvolvimento
"A cúpula é
essencialmente política: trata-se da ideia da Cooperação Sul-Sul. E há, de
fato, bons exemplos nesse sentido, por exemplo o engajamento do Brasil na
África", diz o especialista Alex Vines, do centro de estudos Chatham
House, de Londres, especializado em relações internacionais. "Mas, para os
outros países sul-americanos, não há muita coisa por trás dessa ideia. A
Venezuela, por exemplo, interessa-se principalmente pela ideologia da
Cooperação Sul-Sul."
Ou seja, o governo
socialista da Venezuela procura sobretudo aliados contra os Estados Unidos e a
Europa. O Brasil, por outro lado, dá seguimento à sua estratégia para a África
da última década. Por trás da chamada Cooperação Sul-Sul está a ideia de que os
países emergentes possam contribuir para o desenvolvimento econômico de países
pobres por meio do comércio.
Objetivos nobres e
controversos
"Devido à sua
ligação histórica com a África, o Brasil se vê como especialmente responsável:
como consequência do comércio de escravos, o número de afrodescendentes no
maior país da América do Sul é muito alto. O Brasil desenvolveu estratégias
para combater a aids e a pobreza, e agora oferece essas soluções para os
africanos", diz o especialista em Brasil Markus Frauendorfer, do instituto
alemão Giga. "O programa brasileiro de combate à aids tem uma excelente
reputação internacional e é considerado modelo por muitas organizações
internacionais", exemplifica.
Há dois anos, o
Brasil financiou a construção de uma fábrica para a produção de
antirretrovirais em Moçambique. A produção atende às necessidades do país de
língua portuguesa e também de outras nações africanas.
Mas a Cooperação
Sul-Sul promovida pelo Brasil com a África também é controversa. Organizações
ambientais e de direitos humanos acusam o país de ter em vista principalmente
seus próprios interesses econômicos. As empresas brasileiras veem um mercado
consumidor promissor, já que a classe média africana está se fortalecendo
devido ao robusto crescimento econômico dos últimos anos. Além disso, elas
precisam da matéria-prima africana.
Há vários exemplos
da presença de empresas brasileiras na África. A Vale, por exemplo, opera uma
mina de carvão em Moçambique. Em Angola, o Brasil cedeu ao regime autoritário de
José Eduardo dos Santos empréstimos para a construção de uma grande
barragem. A obra foi realizada pela construtora Odebrecht.
Os grandes
produtores brasileiros de biocombustiveis também produzem cana-de-açúcar em solo
africano, muitas vezes com consequências negativas para as populações locais.
"Os grandes perdedores são os pequenos agricultores e os negócios
familiares", diz Fraundorfer. "Eles são postos à margem por essas
grandes empresas agrícolas, por meio da construção de instalações industriais,
e perdem assim os meios de se manter."
Essa é a principal
crítica ao Brasil: por um lado, o país se engaja na África com o nobre objetivo
de combater a fome e a pobreza; por outro, agrava o problema da fome no
continente ao incentivar a produção do etanol.
Peso político
A iniciativa
Brasil-África também tem outra dimensão política: o país sul-americano é
candidato – assim como a Alemanha – a um assento permanente no Conselho de
Segurança da ONU, e os 54 países africanos têm um peso considerável na
Assembleia Geral.
A cúpula vai tratar
principalmente de posições e estratégias comuns para cooperações futuras. Mas
Vines alerta contra grandes expectativas. "Não devemos esquecer que a
África é um continente com 54 países, bem mais do que a América do Sul, e eles
são completamente diferentes. Talvez haja compromissos gerais, mas qualquer
coisa além disso será difícil. Esse é um projeto de muito longo prazo",
conclui.
Autora: Katrin
Matthaei (mas) - Revisão: Alexandre Schossler
Sem comentários:
Enviar um comentário