Em palestra
concorrida em São Paulo, a blogueira e jornalista minimiza as reformas
promovidas por Raúl Castro e diz que embargo econômico norte-americano é um
"culpado conveniente" para o governo de Havana.
Depois de cinco
anos de tentativas frustradas e cerca de 20 pedidos de visto negados, a
filóloga, jornalista e blogueira cubana Yoani Sánchez ganhou status de popstar
do ativismo latino-americano, em sua primeira viagem internacional em oito
anos. Autora do blog Geração Y, em que tece críticas contundentes ao governo de
Cuba, Sánchez tornou-se o centro das atenções no Brasil, em meio a debates
acalorados com simpatizantes do regime castrista, e só desaparece quando é
cercada pelo grupo de seguranças que a acompanha nos eventos.
Desde
segunda-feira, passou por Recife, Salvador, Feira de Santana e Brasília. Nesta
quinta-feira (21/02), já em São Paulo, uma palestra seguida de entrevista
coletiva abriu uma programação de três dias que inclui participação em programas
de TV, debates e sessões de autógrafos em duas livrarias.
Ilusão da Revolução
Cubana
Recebida com
aplausos de pé, Sánchez falou para uma plateia de aproximadamente 250 pessoas –
entre assinantes e convidados do jornal Estado de São Paulo, e repórteres
de 54 veículos de comunicação. Com uma bata azul clara e saia branca com
grafismos negros, a cubana – vencedora em 2008 do prêmio The Bobs, concedido
pela Deutsche Welle para os melhores blogs do mundo – confessou-se surpresa com
a repercussão da visita.
"Essa viagem
foi a minha expectativa multiplicada por dez", afirmou. Comentou que a voz
já estava fraquejando, mas, com um saco de pastilhas a mão, não se furtou de
traçar durante duas horas e meia um panorama político da Cuba atual e falar
sobre ativismo, as reformas de Raúl Castro e os paradoxos nas relações entre Brasil
e seu país natal.
"Existem
vínculos próximos entre os dois países, mas me parece que falta ao Brasil
dureza e franqueza em relação à violação dos direitos humanos em Cuba. Sentimos
falta de uma postura mais firme. Os povos não se esquecem", afirmou, sob
aplausos. Sánchez também comentou sobre a duradoura popularidade de Fidel
Castro e do regime cubano entre jovens latino-americanos.
"Existe uma
enorme ilusão sobre a Revolução Cubana, própria da rebeldia e do inconformismo
juvenil. Muitas dessas pessoas que idealizam esse movimento nunca foram a Cuba
ou passaram apenas duas semanas por lá. Posso garantir que não é bem assim. Não
vejo Cuba como um país comunista, socialista. Vejo lá um capitalismo muito
especial: um capitalismo de Estado."
Crítica a Castro e
esperanças
Com 37 anos de
idade, Yoani vê diferenças entre a postura dos dois irmãos Castro no poder.
"Fidel era mais midiático do que Raúl. A repressão na época de Fidel era
um espetáculo. Hoje, ela é mais às escuras. Fidel também era mais controlador e
algumas das mudanças que vemos hoje em dia – como a permissão para viagens –
seriam impensáveis."
No entanto, a
importância das reformas de Raúl são minimizadas pela ativista. "Elas
estão na direção correta, mas em ritmo lento e sem nenhuma profundidade. Na
verdade, essas mudanças têm a tendência de apenas legalizar aquilo que já era
feito no mercado negro de Cuba, como a venda de carros e propriedades."
A sucessão dos
irmãos Castro ainda é uma incógnita em Cuba, mas Yoani se revela esperançosa.
"Existem muitos jovens na situação, mas eles não mostram uma linha mais
progressista – não sei se por convicção ou se é uma máscara que eles usam neste
momento. Espero que haja alguém como Gorbatchov em nossa linha de
sucessão." Mesmo assim, a cubana não deixou de mencionar que imagina um
país mais inclusivo e plural em um prazo de cinco anos. "É claro que vai
ser um país difícil para governar. Em muitos aspectos, teremos que sair do
zero. Mas tenho muita esperança numa Cuba nova."
A conturbada
relação entre Estados Unidos e Cuba também foi alvo de críticas por Sánchez,
que pediu o fim do embargo econômico. "Muitos argumentam que o embargo é
uma forma de pressão em cima do governo. Porém, até hoje ele não adiantou para
nada, a não ser aumentar a emigração cubana. Na verdade, hoje o embargo é um
culpado conveniente para o governo Castro. Queria muito ver as suas desculpas,
caso não houvesse mais embargo", atacou, antes de afirmar que não imagina
mudanças significativas em Cuba, caso o país e os EUA ainda estejam rompidos.
Protestos nos
primeiros dias
Apesar de ter se
surpreendido com a repercussão de sua visita ao Brasil, Sánchez afirmou que as
discussões e protestos de militantes simpáticos ao regime de Castro não foram
inesperadas. "Já havia recebido avisos por parte de blogueiros do governo
que teria momentos difíceis aqui", observou. "É claro que não tenho
problemas com pessoas que tenham uma visão diferente da minha. Isso é a
liberdade de expressão. Eu aceito que me questionem, mas passei por agressões
verbais e físicas, quando tentaram calar a minha voz. Isso não é protesto, isso
é fanatismo", disse, referindo-se aos protestos dos dois primeiros dias.
Logo no desembarque
em Recife, na segunda-feira, ouviu insultos de manifestantes que agitavam notas
falsas de dólares. "Oxalá os cubanos pudessem fazer o mesmo. Viva a
liberdade de expressão", ironizou. Em Feira de Santana, Bahia, à noite, o
protesto mais forte impediu a exibição do documentário Conexão
Cuba-Honduras, em que é uma das principais entrevistadas. Os incidentes que
cercaram sua chegada ao país levaram a blogueira a ganhar um reforço na
segurança e receber um convite para conhecer o Congresso Nacional, aceito na
última quarta.
Cercada de um
batalhão de repórteres e alvo de discussão entre parlamentares de situação e
oposição, Sánchez respondeu a diversas perguntas na capital federal. Durante a
palestra desta quinta-feira, lembrou com graça a visita. "Nunca tinha ido
a um Congresso Nacional antes, e foi muito curioso. Às vezes, parecia uma sala
de aula infantil, em que um tentava falar mais alto do que o outro ou ainda
aplaudia para não deixar o outro falar. Temos uma visão muito sisuda da
política, mas aqui eu já vi algum humor. Foi muito curioso."
A visita ao Brasil
é a primeira escala de uma viagem internacional de três meses, em que a
blogueira cubana fará palestras e participará de debates sobre liberdade de
expressão. De acordo com Sánchez, a turnê é paga por entidades como a Anistia
Internacional e entidades de imprensa, além de colaborações de amigos. No roteiro,
estão previstas passagens por México, Peru, Estados Unidos, República Tcheca,
Alemanha, Suécia, Suíça, Itália e Espanha.
Autor: Patrick
Moraes - Revisão: Augusto Valente
Sem comentários:
Enviar um comentário