terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

GRILLO VENCEU MAS NÃO QUER SER PARTE DA SOLUÇÃO ITALIANA




Pedro Cordeiro, com agências – Expresso - foto Massimo Percossi/EPA

A estrela das eleições italianas é um cómico antissistema que rejeita alianças com os partidos políticos tradicionais. A aritmética para uma maioria de Governo afigura-se difícil, mas Berlusconi afirma estar aberto a coligações com a esquerda, que, contudo, ainda lhe torce o nariz.

Sendo certo que a aliança de centro-esquerda liderada por Pierluigi Bersani ganhou as eleições, a verdade é que, em termos individuais, o partido mais votado nas eleições de domingo e segunda-feira foi o Movimento Cinco Estrelas (M5S), com 25,5% dos votos, contra os 25,4% do Partido Democrático (PD).

Este só venceu por estar aliado a três outras formações e é esse coletivo (29,5%) que terá uma maioria absoluta de 340 deputados na Câmara dos Deputados (em virtude do "bónus" que a lei eleitoral atribui ao partido ou coligação mais votado).

O M5S, criado há três anos pelo cómico populista e antissistema Beppe Grillo, foi o fenómeno destas eleições. No Senado será a terceira força (23,8%), atrás do centro-esquerda (31,6%) e do centro-direita (30,7%), mas individualmente ficou à frente do Povo da Liberdade (PdL), o partido de Silvio Berlusconi (22,3%).

Na câmara alta nenhuma força tem maioria (os bónus da lei eleitoral funcionam por regiões e não sobre a votação global) e o M5S seria crucial para a formação de uma maioria estável, mas recusa-se a fazer parte de qualquer solução de Governo.

Grillo diz que terá um grupo parlamentar, não um partido, e critica as formações tradicionais. Acredita que o PD e o PdL "farão um 'governíssimo'", referindo-se a uma grande coligação (a única solução aritmeticamente viável, face à negativa de Grillo), mas augura-lhes um período de vida de "seis a sete meses". "Tentaremos mantê-los sob controlo", promete.

A solução passará, necessariamente, pelo Presidente da República, Giorgio Napolitano. Este ex-comunista termina o mandato em maio e um dos desafios da nova maioria será eleger o seu sucessor. Grillo, sempre iconoclasta, disse que gostava muito de Dario Fo, o polémico escritor que ganhou o Nobel em 1997.
Berlusconi aberto a alianças 

Silvio Berlusconi estaria disposto a coligar-se com a esquerda. O seu PdL vale 21,6% dos votos para a Câmara sozinho e 29,1% numa aliança com outras oito formações. "Temos de pensar no bem da Itália", disse o ex-governante na TV, considerando que voltar às urnas (a saída caso não haja mesmo uma coligação governamental) "não seria útil nesta situação".

"Todos devemos preparar-nos para fazer sacrifícios", defendeu Berlusconi, que só exclui, por agora, alianças com o primeiro-ministro cessante, Mario Monti, cuja aliança centrista obteve 10,5% dos votos para a Câmara e 9,1% para o Senado (sendo, por isso, irrelevante na prática para obter maiorias).

"Com a aplicação de uma política de austeridade, [Monti] só colocou a Itália numa situação perigosa, a de uma espiral descendente que levou a um aumento da dívida e do desemprego e ao encerramento de milhares de empresas a cada dia", criticou Berlusconi. 
Será possível seduzir Grillo?

Não é garantido que a esquerda aceite a proposta de Berlusconi. "Não estaremos em governos que são responsáveis pela confusão em que nos encontramos", diz a vice-presidente do PD, Marina Sereni, que ainda acredita poder seduzir Grillo. Anuncia que "será apresentada uma proposta para uma mudança, que vai apelar para toda a Câmara, mas primeiro ao M5S". Bersani falará esta tarde. Ontem disse apenas: "Geriremos os resultados no interesse da Itália".

Parece difícil, mas talvez Sereni confie em declarações como a de Carla Ruocco, deputada eleita pelo M5S no Lácio: "O nosso movimento não é só protesto, é também construção". Grillo estipulou as suas prioridades durante a campanha: água pública, educação pública, saúde pública. O combate à corrupção e as energias renováveis são outras bandeiras do M5S.

Civati Pippo, membro do PD, prefere um governo minoritário do que pedir apoio a Berlusconi. Diz que um Executivo de centro-esquerda deveria dedicar-se a aprovar "a reforma eleitoral, uma disposição sobre conflitos de interesses e corrupção, e uma medida de liberalização e recuperação económica, e depois levar o país para votar."

Entre os aliados de Berlusconi a ideia do "governíssimo" não é unânime. Luca Zaia, dirigente da Liga do Norte (segundo membro da aliança conservadora), afirmou que nesse caso o seu partido preferia aprovar propostas de lei caso a caso, ficando fora do Executivo.

Mercados "um bocado loucos" ressentem-se

A confusão resultante das eleições fez subir os juros da dívida italiana, de 0,73% para 1,24%. O euro caiu face ao dólar e ao iene. Preocupado com o pós-eleições, Mario Monti reuniu-se, hoje, com o governador do Banco central e com os ministros da Economia e dos Assuntos Europeus.

Já Berlusconi mostra-se agastado com a inquietação perante os mercados: "Chega dessa história de prémio da dívida. Vivemos felizes durante muitos anos sem nos preocuparmos com ele. Não estejamos sempre a comparar-nos com a Alemanha, não importa", afirmou hoje, concluindo que "os mercados são independentes e um bocado loucos".

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