sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

O FEDERALISMO A DEMOCRACIA E AS ALTERNATIVAS




Jorge Bateira* – Jornal i, opinião – foto Thomas Peter/Reuters

Ao contrário do que habitualmente se pensa, desde o início que o caminho para o federalismo europeu foi determinado pela cultura alemã

O líder do Partido Socialista reivindicou esta semana “Uma Europa federal, onde cada Estado e cada pessoa estejam em pé de igualdade”. E especificou que precisamos de “um governo económico e político para que possa haver instrumentos eficazes para contrariar a crise que atravessamos”. Mas não há notícia de que tenha defendido um referendo sobre a escolha desse caminho. Nisso é fiel à história da “construção europeia”, a de evitar tanto quanto possível que o povo seja consultado e, quando o resultado não convém, repetir a consulta após pressões, negociações e pequenas cedências. Na lógica de Jean Monet, aproveita-se cada crise para avançar por “pequenos passos”. Acontece que o método está esgotado. Vejamos porquê.

A estratégia inicial de lançar processos de federalização política, económica e monetária em simultâneo, defendida em 1947 pelo economista Maurice Allais num congresso da União Europeia dos Federalistas, foi bem acolhida. Mas com o tempo foi substituída pela estratégia de unificação por etapas, que já era defendida em 1943 por um europeísta alemão que conspirou contra Hitler, Carl Friedrich Goerdeler: “Será imediatamente criada uma união económica europeia, com um conselho económico permanente. A unificação política não precederá, antes seguirá, a união económica.” Ao contrário do que habitualmente se pensa, desde o início que o caminho para o federalismo europeu foi determinado pela cultura alemã. Por isso o sonho de Delors de uma união orçamental com impostos federais e transferências entre estados, a par da união monetária, não era politicamente viável.

Chegados aqui, os europeus confrontam-se com escolhas decisivas sobre a concretização do sonho europeu. Uma das opções é a saída da crise através do federalismo: emissão de dívida supranacional; financiamento directo dos estados-membros pelo BCE; orçamento supranacional alimentado por impostos europeus, mas também responsável pelo pagamento de um conjunto de prestações sociais; um parlamento federal com duas câmaras, a dos deputados eleitos em sufrágio europeu e a dos representantes dos estados. Como sabemos, esta opção não encaixa na visão que os alemães têm de si próprios e do seu lugar no mundo. Mais ainda, a presente crise reduziu substancialmente o apoio eleitoral em vários países ricos a tudo o que signifique menos soberania nacional. Pior, o sonho federalista cria a expectativa de que a Alemanha ainda poderá aceitar, em tempo útil, uma solução supranacional para a crise. Por isso retira credibilidade e força negocial às forças políticas que nas periferias se opõem ao desastre social.

Aceitar o caminho imposto pela Alemanha também é uma opção. À política monetária única junta-se uma instância intergovernamental (governo económico) que exercerá a tutela dos orçamentos e das políticas económicas dos estados tendo em vista eliminar a respectiva política orçamental e vinculá-los ao modelo do ordoliberalismo germânico, se necessário com a ajuda do Tribunal de Justiça. Como está à vista, esta opção não só elimina a possibilidade de qualquer estado-membro adoptar políticas de promoção do crescimento económico pelo lado da procura, como lança na recessão a própria zona euro. Mais ainda, para se furtarem ao juízo democrático, os poderes supranacionais travam a realização de referendos (caso da Grécia) e exigem aos países em crise governos chefiados por políticos neoliberais, de preferência com currículo no mundo da finança. No mínimo, social-liberais respeitadores dos tratados. A evolução do desemprego, o clamor da rua e os resultados eleitorais acabarão por pôr em causa esta opção.

*Economista, co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas

Escreve quinzenalmente à quinta-feira

Sem comentários:

Mais lidas da semana