Jorge Bateira* –
Jornal i, opinião – foto Thomas Peter/Reuters
Ao contrário do que
habitualmente se pensa, desde o início que o caminho para o federalismo europeu
foi determinado pela cultura alemã
O líder do Partido
Socialista reivindicou esta semana “Uma Europa federal, onde cada Estado e cada
pessoa estejam em pé de igualdade”. E especificou que precisamos de “um governo
económico e político para que possa haver instrumentos eficazes para contrariar
a crise que atravessamos”. Mas não há notícia de que tenha defendido um
referendo sobre a escolha desse caminho. Nisso é fiel à história da “construção
europeia”, a de evitar tanto quanto possível que o povo seja consultado e,
quando o resultado não convém, repetir a consulta após pressões, negociações e
pequenas cedências. Na lógica de Jean Monet, aproveita-se cada crise para
avançar por “pequenos passos”. Acontece que o método está esgotado. Vejamos
porquê.
A estratégia
inicial de lançar processos de federalização política, económica e monetária em
simultâneo, defendida em 1947 pelo economista Maurice Allais num congresso da
União Europeia dos Federalistas, foi bem acolhida. Mas com o tempo foi
substituída pela estratégia de unificação por etapas, que já era defendida em
1943 por um europeísta alemão que conspirou contra Hitler, Carl Friedrich
Goerdeler: “Será imediatamente criada uma união económica europeia, com um
conselho económico permanente. A unificação política não precederá, antes
seguirá, a união económica.” Ao contrário do que habitualmente se pensa, desde
o início que o caminho para o federalismo europeu foi determinado pela cultura
alemã. Por isso o sonho de Delors de uma união orçamental com impostos federais
e transferências entre estados, a par da união monetária, não era politicamente
viável.
Chegados aqui, os
europeus confrontam-se com escolhas decisivas sobre a concretização do sonho
europeu. Uma das opções é a saída da crise através do federalismo: emissão de
dívida supranacional; financiamento directo dos estados-membros pelo BCE;
orçamento supranacional alimentado por impostos europeus, mas também
responsável pelo pagamento de um conjunto de prestações sociais; um parlamento
federal com duas câmaras, a dos deputados eleitos em sufrágio europeu e a dos
representantes dos estados. Como sabemos, esta opção não encaixa na visão que
os alemães têm de si próprios e do seu lugar no mundo. Mais ainda, a presente
crise reduziu substancialmente o apoio eleitoral em vários países ricos a tudo
o que signifique menos soberania nacional. Pior, o sonho federalista cria a
expectativa de que a Alemanha ainda poderá aceitar, em tempo útil, uma solução
supranacional para a crise. Por isso retira credibilidade e força negocial às
forças políticas que nas periferias se opõem ao desastre social.
Aceitar o caminho
imposto pela Alemanha também é uma opção. À política monetária única junta-se
uma instância intergovernamental (governo económico) que exercerá a tutela dos
orçamentos e das políticas económicas dos estados tendo em vista eliminar a
respectiva política orçamental e vinculá-los ao modelo do ordoliberalismo
germânico, se necessário com a ajuda do Tribunal de Justiça. Como está à vista,
esta opção não só elimina a possibilidade de qualquer estado-membro adoptar
políticas de promoção do crescimento económico pelo lado da procura, como lança
na recessão a própria zona euro. Mais ainda, para se furtarem ao juízo
democrático, os poderes supranacionais travam a realização de referendos (caso da
Grécia) e exigem aos países em crise governos chefiados por políticos
neoliberais, de preferência com currículo no mundo da finança. No mínimo,
social-liberais respeitadores dos tratados. A evolução do desemprego, o clamor
da rua e os resultados eleitorais acabarão por pôr em causa esta opção.
*Economista,
co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas
Escreve quinzenalmente à
quinta-feira
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