Tiago Mesquita –
Expresso, opinião
"Olá, o meu
nome é Vítor Gaspar e estou limpo há quatro dias, sem alterar previsões
financeiras. O meu problema orçamental começou há quase dois anos. O
objectivo inicial era ter um défice de 2,3% em 2014. Delírios. A partir daí,
entrei numa espiral recessiva e nunca mais consegui controlar-me. Nem a mim,
nem ao défice. Entrei em negação. Em Setembro do ano passado já derrapava por
todos os lados - o objectivo saltou de 3% para 4,5%.Viciado em previsões,
injetava fantasias nos portugueses.
Seis meses passados, a
ressacar, ando de mão estendida a pedir ao dealer mais um ano
para tentar reequilibrar a minha vida e deixar o défice abaixo dos 3%, mesmo
sabendo que mais depressa se demite o meu colega Relvas. Tentei várias vezes
iludir-me, iludir a família política, a oposição e os cidadãos. Nunca consegui
combater o problema. Os amigos e aliados começaram a afastar-se. E é por
isso que decidi juntar-me a este grupo de cidadãos com problemas de défice
anónimos. Sinto-me só.
Sei que o meu
descontrolo financeiro afecta milhões de pessoas. Prometi reduzir o défice
e, quando vi que não conseguia, comecei a dar nas receitas extraordinárias como
um maluco. Andava desorientado.Todas as metas que tracei foram um desastre
total. Sinto-me frustrado. As expectativas foram goradas. A recessão prevista
de 1% para 2013 foi outra situação complicada. Tenho de enfrentar a
realidade, a recessão de 2% está aí, depois da quebra no PIB de 3,2% em 2012.
Tudo isto deitou-me ainda mais abaixo, as minhas olheiras alastram, a minha voz
arrasta-se. A dívida pública, comigo, já passou a barreira dos 120% do PIB. Não
sei o que fazer. Neste momento, já não distingo um ficheiro Excel de
um Powerpoint.
Durante este
processo, recorri a algumas entidades estrangeiras especializadas para me
ajudarem a ultrapassar o problema, mas até as previsões definidas
conjuntamente, com as quais me comprometi, falharam totalmente. Sinto-me a
surfar uma onda de trinta metros, como aquele rapaz da Nazaré, com a diferença
de que não percebo puto de surf. Sei perfeitamente que, não tarda muito, vou
levar com o vagalhão na nuca. Perdi completamente o controlo da situação e
gostava que me ajudassem a recuperar a capacidade de acreditar nas minha
próprias fantasias."
Uma salva de palmas
para o Vítor, que teve a coragem de partilhar a sua história connosco.
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