Margarida Davim -
Sol
As novas regras do
Rendimentos Social de Inserção (RSI) estão a levar crianças a faltar às aulas
para pedir nas ruas. «O número de faltas tem disparado, e eu já vi (e outros
professores também) que os alunos faltam para andarem pelas ruas a mendigar». O
relato está num e-mail enviado por uma docente ao director de uma escola do
Norte, que não quis ser identificado.
O director explica
que o problema está nos cortes do RSI. «Como muitas pessoas perderam os apoios
e só podem voltar a candidatar-se daqui a um ano, a escola fica sem argumentos
para os convencer a trazer os filhos», explica, admitindo que «muitos só
estavam na escola para garantir que recebiam o RSI ou o abono de família».
No e-mail, a
professora que junta uma lista de alunos do 1.º ciclo que deixaram de ir às
aulas, relata o encontro que teve com uma das meninas: «Estava com a mãe e
perguntei-lhe por que estava a faltar. Disse-me que não tinham nada para comer
e tinham de andar a pedir».
O caso já foi
relatado à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ). O director da
escola teme que a resposta tarde: «Nós reportamos tudo, mas a lei está
desequilibrada para o lado das famílias porque a CPCJ só pode actuar se houver
consentimento dos pais e os casos acabam por se arrastar porque têm de ir para
o Tribunal de Menores».
Os dados da
Comissão Nacional de Protecção de Menores não estão, porém, suficientemente
actualizados para perceber se há um aumento da mendicidade com crianças. Os
números mais recentes são do primeiro semestre de 2012, altura em que foram
reportados 56 casos. Em 2011, tinham sido contabilizados 255.
Sem dinheiro para o
passe
No Agrupamento de
Escolas do Cerco, no Porto, as novas regras dos apoios sociais também já estão
a ter consequências. «Dois alunos deixaram de vir às aulas porque os pais
perderam o RSI e não têm dinheiro para o passe», conta Manuel Oliveira, o
director que quase todos os dias detecta situações que reporta à CPCJ. «No meu
agrupamento, cerca de 70% dos alunos recebe apoios sociais. Temos de estar
muito atentos». A comunicação com a CPCJ é constante, mas nem por isso a
actuação é tão rápida como seria desejável «Os processos são muito morosos
porque não há capacidade de resposta», lamenta Manuel Oliveira, explicando que,
apesar de dirigir uma TEIP (Território Educativo de Intervenção Prioritária),
tem apenas um psicólogo do quadro, duas assistentes sociais e uma educadora
social para 2.250 alunos. «É complicado».
O mesmo problema
tem Luís Sottomaior Braga, director do Agrupamento de Escolas de Darque, uma
TEIP em Viana do Castelo. «Tenho ‘meia’ psicóloga porque a partilho com o
agrupamento do lado».
O responsável
defende, aliás, mais meios para as CPCJ. «É preciso saber se têm carros para se
deslocarem e se têm telemóveis», diz, lembrando que estas estruturas «dependem
da boa vontade e da capacidade de cada concelho, não há uma rede nacional a
funcionar toda da mesma maneira». O director acredita que a falta de meios está
a fazer com muitos casos de menores em risco sejam conhecidos demasiado tarde.
«Mais de 90% dos casos sinalizados são de alunos do 2.º e 3.º ciclo e isso é
porque, nestes anos de escolaridade, o facto de haver vários professores e um
director de turma ajuda a detectar situações de risco. Estou convencido de que
há uma cifra negra de casos que as escolas não reportam no 1.º ciclo».
4.553 sinalizados
por escolas
Teresa Paula,
subdirectora do Agrupamento de Maximinos, em Braga, diz ter «uma relação
bastante boa com a CPCJ», mas admite que o tratamento dos casos «nem sempre é
tão célere quanto devia». Garante que, «nos casos de maior perigo para o menor»
a actuação é muito rápida, o problema é quando o risco não é tão evidente e «as
situações arrastam-se por falta de meios e burocracia».
A professora de
Braga diz, de resto, que a crise está a fazer multiplicar os casos de
emergência social nas escolas. E isso vê-se nos números: 28% dos 4.533 casos de
perigo comunicados às CPCJ no primeiro semestre de 2012 tiveram origem em
estabelecimentos de ensino.
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