Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Todos os debates,
incluindo o da nomeação de Franquelim Alves ou o caso de Rajoy, parecem começar
e acabar na crescente corrupção da classe política. E começando e
acabando aí, a conclusão só pode ser uma: sendo os políticos corruptos, o
solução é retirar poder ao Estado. Porque, Estado e classe política se
confundem, e é até natural que se confundam, na cabeça das pessoas.
É uma visão
redutora que não se pergunta, primeiro, se é verdade que a classe política
é hoje mais corrupta do que era e, segundo, se há uma relação entre a
degradação da qualidade dos políticos e a perda de poder dos Estado nacionais.
Os políticos não
são hoje mais desonestos do que eram no passado. Nem os políticos, nem os
empresários, nem os cidadãos em geral. Parece-me até, para quem se lembra dos
anos 70 e 80, que há, na sociedade portuguesa, menos corrupção do que antes.
Basta recordar o que era a relação com os serviços do Estado e como a pequena
corrupção estava generalizada para o concluir. E se a pequena corrupção diminui
não há qualquer razão para pensar que a grande corrupção tenha aumentado. Os
media e os cidadãos é que têm mais instrumentos de vigilância do que tinham. Há
mais acesso a informação e a corrupção é, por isso, mais visível.
Esse passado
bonito, em que a elite empresarial era muito séria e o poder político era
ocupado por uma esmagadora maioria de gente impoluta e apenas ao serviço da
comunidade, nunca existiu. Nessa matéria, com o crescente pluralismo da
informação, com o nascimento da Internet e das redes sociais e até com algumas
melhorias técnicas na Justiça e na investigação criminal, é provável que a
situação seja hoje melhor do que era.
Mas podemos, apesar
disto, assentar numa coisa: que os políticos têm menos capacidade de
liderança, são menos populares, têm menos carisma e, em geral, têm menos
qualidade política. E isso torna o tráfico de interesses e a corrupção ainda
mais insuportáveis para os cidadãos. Esta perda geral de qualidade da classe
política resulta, a meu ver, da redução das funções do Estado, da globalização e
da atomização da sociedade.
O Estado sempre
esteve, em grande parte, ao serviço de interesses. Mesmo em democracia,
nunca houve um tempo em que os cidadãos com menos poder social e económico
determinaram tanto as decisões políticas como os mais poderosos. Mas o Estado
tinha mais poder do que tem hoje. Primeiro, um poder coercivo, depois, com a
democratização das sociedades e o nascimento do Estado Providência, mais poder
social. O contrato nascido com Estado Social dava aos políticos um poder
acrescido sobre os restantes poderes que em torno de si sempre orbitaram.
Só que a
crescente redução do poder do Estado na economia fragilizou-o. A ideia de que
podemos ter um Estado mínimo com poderes reguladores fortes é absurda. Um
Estado mínimo é um Estado fraco. Um Estado fraco é um Estado vulnerável. Um
Estado fraco e vulnerável não é dirigido por gente forte e firme.
Se se tem mais
poder numa empresa ou num jornal, e se ainda por cima se tem mais popularidade
e se é menos escrutinado, por que raio se há de querer ocupar um lugar
político? Se se manda mais de fora, porque raio se há de querer estar
dentro? Para a política vão algumas pessoas com convicções fortes e uma enorme
maioria de representantes de outros interesses com muito mais poder do que o
próprio Estado. A começar pelo maior poder do capitalismo atual: o das
instituições financeiras. Degradado o contrato social que o Estado Providência
determinava, estes políticos estão dependentes dos verdadeiros poderes sociais
e económicos, não encontrando nos que o elegeram qualquer apoio para lhes
resistir. Funciona então a teoria da boa e da má moeda, tão popularizada por
Cavaco Silva. Os melhores não querem sujar a sua reputação e dão lugar aos
piores, sem qualquer reputação a defender.
Por outro lado, o
poder deslocou-se das Nações para fora delas. A globalização retirou aos
Estados Nacionais grande parte dos seus instrumentos económicos e políticos.
Como isso não foi acompanhado pela democratização de instituições
internacionais ou transnacionais, a intuições democráticas nacionais perderam a
capacidade de determinar o futuro das Nações. Os políticos passaram a ser
mais gestores de inevitabilidades do que líderes capazes de oferecer aos povos
desígnios nacionais. E nenhum potencial líder está disposto a entregar a sua
vida à mera gestão de decisões vidas de fora.
Por fim, a
nossa sociedade atomizou-se. Os partidos deixaram de ser mediadores entre a
sociedade civil e o Estado e são, por isso, incapazes de construir narrativas
que determinem visões políticas e ideológicas coerentes. Os sindicatos estão
debilitados e cada trabalhador foi entregue a si próprio. A empresa deixou de
ser uma morada certa. As Igrejas deixaram e conseguir oferecer às pessoas
edifícios morais sólidos. A família tradicional está em vias de extinção e já
não estrutura o resto da sociedade. O capitalista industrial deu lugar ao gestor
assalariado que representa uma massa indistinta de acionistas sem estratégias
de longo prazo, apenas ávidos de lucro rápido. A comunicação social, apesar de
ter mais instrumentos do que tinha, perdeu espaço para redes sociais
horizontais e inorgânicas. A sociedade é hoje composta por indivíduos isolados
e perdidos.
Nestas
circunstâncias, que resultam de algumas dinâmicas que até posso considerar
globalmente positivas, como poderia o poder político ter alguma substância
que lhe desse a capacidade de dar um rumo às Nações e não ceder a interesses
mais poderosos do que ele?
Os políticos não
são mais corruptos do que eram. São apenas mais fracos, porque se limitam a
gerir um Estado mais fraco numa sociedade atomizada que não pode ser
representada através de narrativas coerentes. Quem pensa que a melhor forma de
combater a corrupção é retirar ainda mais o Estado da vida social e económica,
reduzir o papel dos partidos políticos e dissolver as grandes clivagens
ideológicas não compreende as razões profundas desta fraqueza. A falta de
qualidade da classe dirigente não é a causa, é a consequência da fragilidade do
Estado. Porque não se pode esperar que os melhores escolham ser dirigentes que
pouco ou nada dirigem.
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