João Silvestre –
Expresso, opinião
Vários meses depois
de Passos Coelho ter falado na refundação e de ter sido conhecido que a troika
impôs cortes de 4000 milhões de euros na despesa, continuam a existir muitas
interrogações sobre a origem deste valor. Será arbitrário ou terá alguma justificação
em termos de cumprimento das metas do programa?
O melhor é começar
pelo princípio que, neste caso, é a quinta avaliação do memorando que decorreu
entre 28 de agosto e 11 de setembro. Nessa altura, já era perfeitamente
evidente que a meta de défice de 4,5% para 2012 era inatingível porque as
receitas fiscais estavam com um desvio colossal face ao esperado. Isso mesmo
tinha sido reconhecido em junho por Vítor Gaspar, quando foram publicados os
dados da execução orçamental de maio.
Não só os impostos estavam
numa espécie de 'desobediência civil' como a folga que se estava conseguir do
lado da despesa era claramente insuficiente para compensar. Perante isto, só
havia três caminhos possíveis: avançar com novas medidas para tentar tapar o
buraco, deixar o défice derrapar ou fazer um misto das duas coisas.
A troika e
o governo escolheram a terceira alternativa. As metas de défice (em % do PIB)
foram revistas em alta: de 4,5% para 5% em 2012, de 3% para 4,5% em 2013 e de
2,3% para 2,5% em 2014. No entanto, manteve-se o objetivo para 2015 inalterado
em 1,9% do PIB.
Estas novas metas
permitiram deixar derrapar as contas mas apenas qb. O governo teve que avançar
com algumas medidas adicionais para aplicar até ao final do ano (entre outras
coisas, a tributação sobre os imóveis acima de um milhão de euros) e com
receitas extraordinárias.
É nesta altura que
nasce o corte de 4000 milhões de euros na despesa. Basta olhar para as metas de
défice, em valor, para o encontrar rapidamente. A meta de 2012 passou de 7,5
para 8,3 mil milhões, o que acabou por não ser um grande aumento já que parte
da derrapagem foi coberta por medidas temporárias. A grande revisão foi para
2013, com o teto a passar de 5,1 para 7,5 mil milhões. Ou seja, mais 2,4 mil
milhões que o inicialmente previsto.
Pior, a nova meta
de défice deste ano foi preparada com o recurso a um enorme aumento de
impostos. Ao contrário da doutrina habitual da troika, que pretendia apenas um
terço da consolidação pelo lado da receita, os cortes na despesa apenas
representam 19% do esforço.
Para 2014, a meta
nominal foi ligeiramente revista em alta de 4 mil para 4,3 mil milhões e, para
2015, ficou inalterada em 3,4 mil milhões (entretanto revistos para 3,5 mil
milhões na sexta avaliação em novembro). É na quinta atualização do
memorando que é inscrito o corte de 4000 milhões, para ser definido na
sétima avaliação (este mês) e repartido entre 2014 e 2015, com uma parte (800
milhões) em condições de avançar já caso as contas derrapem.
O valor resulta
precisamente da diferença entre o défice de 2013 (7,5 mil milhões) e o de
2015 (3,5 mil milhões). Ao impor estes cortes, a troika está apenas a
tentar garantir que a meta de 2015 é atingida e, com a mesma cajadada, matar um
segundo coelho que é reequilibrar a repartição do esforço entre receita e despesa.
Não existe, pois,
grande mistério à volta da origem dos 4000 milhões de euros. A revisão das
metas de défice em setembro passado não alterou o objetivo para 2015 e este
pacote do lado da despesa serve precisamente para compensar a derrapagem e assegurar
que dentro de dois anos tudo estará como previsto inicialmente.
Perguntar-se-á o leitor:
por que razão está a troika tão preocupada com a meta de 2015 se o
programa acaba em 2014? Porque o programa acaba mas a dívida portuguesa à União
Europeia e ao FMI vai demorar muitos anos a pagar e os credores, como é natural,
pretendem ter a certeza que vão receber o dinheiro de volta. Por isso, nada
como aplicar a receita atempadamente enquanto têm poder de decisão.
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