Henrique Monteiro –
Expresso, opinião
Os cortes de quatro
mil milhões que o Governo promete há muito se sabiam necessários. Do que não
havia necessidade era de os fazer em cerca de um mês, sem negociar com
ninguém e sem qualquer contrapartida para a brutalidade que eles vão
significar para muita gente.
Sem os cortes, só
ficamos com uma de duas alternativas imediatas: ou impostos ainda mais
elevados, o que, para além do esbulho, nem eficácia tem; ou o défice sem
diminuir, não cumprindo, desse modo, o acordado com a troika. (Eu sei que
com crescimento da economia o PIB aumenta e diminui o défice, mas isso é um
conto de fadas que algumas pessoas gostam de contar a um país que nos anos com
mais dinheiro não cresceu nunca nada que se visse).
Num reino onde não
imperasse a estupidez política, sendo esta necessidade de cortes reconhecida,
ter-se-ia começado por aí - há ano e meio! E não se teria chegado,
necessariamente, a 80 por cento de cortes em pensões, prestações sociais e
salários. Ao pretender-se o corte em tempo recorde, como é o caso, parece não
haver outra hipótese - afinal 80% dos encargos estão em salários e prestações
sociais. Mas esta é outra forma de confessar a total impotência (ou quem
sabe se cumplicidade) em matérias como o escândalo das PPP ou mesmo crimes como
o BPN. E isto é imoral e revoltante.
Como é imoral e
revoltante não se ter programado qualquer contrapartida para os cortes a
efectuar. Aliás, pior do que isso é nem se ter tentado dialogar a sério
com o PS e a UGT, permitindo que estes se coloquem de fora de uma discussão na
qual deviam participar. Por dois motivos: por um lado, porque estão dentro do
arco do poder e dos acordos de concertação; por outro, porque representam
essencialmente os maiores espoliados com a atual crise: os pensionistas,
funcionários públicos e trabalhadores por conta de outrem. Esta semana, a
revista The Economist, mostra como nos países nórdicos diversos cortes foram
feitos de modo a que os trabalhadores tivessem compensações (como é o caso, na
Dinamarca, da chamada flexisegurança).
O modo como o
Governo se prepara para atuar não é condenável apenas por alguém ter
"estados de alma", expressão que é atribuída ao ministro das
Finanças. É condenável porque longe do objectivo mais elevado da política
- mobilizar uma comunidade para as tarefas necessárias - apenas pretende impor
factos consumados. Há quem goste do estilo, mas ainda que ele formalmente
esteja fundado numa maioria parlamentar acéfala, trai a essência democrática da
consensualização, que em tempos de crise grave, como a que passamos, é
essencial à coesão de um país.
Estupidez e
imoralidade são duas palavras fortes, mas infelizmente a direção do
Governo obriga-nos a usá-las para caracterizar a sua ação.
Sem comentários:
Enviar um comentário