Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
Esta semana tivemos
mais notícias do projecto de engenharia social em que nos tornamos. Já vamos em
praticamente um milhão de desempregados registados e umas largas dezenas de
milhares que não arranjam coragem suficiente para ir ao centro de emprego dar o
nome. Mais de metade destes nossos concidadãos já não recebem o subsídio de
desemprego caminhando rapidamente para a miséria. Gente que não era sequer
pobre há dois ou três anos. Homens e mulheres de classe média, na sua maioria
entre os trinta e cinco e os cinquenta anos, com filhos, com casas para pagar,
cujas perspectivas de voltar a trabalhar são muito ténues. Pessoas que cedo ou
tarde trabalharão por quase nada, se essa sorte tiverem, tal será o desespero.
Tudo gente a quem foi dito que se devem ajustar a um novo modelo social. Um que
não tem contemplações com quem não for empreendedor, com quem não for
especializado em indústrias transaccionáveis; aquele que não suporta piegas.
Também ficamos a
saber que quarenta por cento dos nossos rapazes e raparigas não conseguem
começar as suas vidas profissionais. A mais bem qualificada geração portuguesa
está condenada a emigrar. São, no fundo, uns privilegiados. Estes ainda podem
zarpar para outros lugares. Como os seus avós, fogem à fome e como os seus avós
partem não porque querem mas porque não há lugar para eles. Ficam os velhos, os
que não podem fugir.
Números, muitos
números que o primeiro-ministro promete rever. Para já temos uma economia em
recessão profunda, sem investimento, sem procura interna, com as exportações a
diminuir e dentro em pouco com menos 4 mil milhões de euros a circular: ninguém
percebe como raio não vão ser destruídos ainda muitos mais empregos que o
previsto ou que milagre se dará para que a economia comece a crescer. As boas
notícias são que lá para o segundo semestre o ritmo da subida do desemprego vai
diminuir, ou seja, vamo-nos afundando mais devagarinho. Nessa altura o
primeiro-ministro volta a rever a folha de cálculo.
Os valores do
desemprego correspondem a uma vontade política. Não da responsabilidade
integral do Governo, que fique claro. Mas que o Governo abraçou de forma
entusiástica as políticas que conduzem à recessão e ao desemprego, não há
dúvidas.
Todas as medidas
que foram sendo tomadas e que vão continuar a ser terão sempre este tipo de
consequências. No fundo, o Governo acredita que destruindo o actual tecido
económico, provocando a maior recessão da nossa história recente, atirando
milhões para o desemprego, dum momento para o outro e duma forma radical,
resultará num país novo, dinâmico, exportador, empreendedor. Sem preguiçosos e
sem os mandriões que viviam à custa dos subsídios de desemprego e dos
rendimentos de inserção.
Não é só uma
revolução económica que está em marcha, é sobretudo uma revolução social. O
Governo e os loucos europeus apostaram na revolução, no mais puro radicalismo
ideológico. Resolveram testar meia dúzia de princípios ideológicos colados com
cuspo e decidiram tornar uma geração praticamente inteira num exército de
inúteis, de gente dispensável, de pessoas que não encaixam, que viverão à
margem.
Só que uma
comunidade não subsiste, não coopera, não prospera, dividindo os seus cidadãos
em obsoletos e modernos, em velhos e novos, em úteis e inúteis, em funcionários
privados e públicos, em empreendedores e não empreendedores. Quando destruímos
a solidariedade entre os cidadãos, quando deixamos de ter objectivos comuns
deixamos de ter uma comunidade no verdadeiro sentido da palavra. Uma sociedade
onde um em cada quatro cidadãos não tem emprego (por enquanto), com pessoas que
dentro em pouco não conseguirão subsistir por si próprias, em que as outras em
grande parte viverão no limiar da pobreza, que expulsa do País uma geração, não
é uma verdadeira comunidade.
Num país com um
exército de desempregados, minado pela pobreza, com as prestações sociais muito
diminuídas, a democracia será apenas um detalhe sem importância. Pouco tempo
sobreviverá.
Quanto tempo ainda
teremos? De quanto tempo mais precisará a Europa para perceber que está a
destruir um país? De quanto tempo mais precisará Passos Coelho para entender
que tem de inverter o rumo? Nós já temos pouco, muito pouco tempo.
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