Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
A troika está
em Portugal para se avaliar a si mesma. É assim que as coisas devem ser
ditas. É o seu programa e as suas previsões que estão em causa. E falharam.
Numa matéria, o governo tem, em parte, razão: os números que agora conhecemos
(e que ainda vão piorar), com um aumento muito acima do esperado pelo governo
do desemprego, com uma derrapagem do défice e com uma recessão
que será o dobro do prometido, também resultam do contexto externo. Como o
aumento do endividamento público no tempo de Sócrates esteve ligado ao aumento
dos juros da dívida depois de 2008, resultado de uma crise internacional. Como
a ida aos mercados teve a ver com as novas regras do BCE. Ou o contexto externo
é uma variável que tem sempre em conta, ou transforma-se num mero álibi quando
interessa e que se ignora quando não dá jeito.
Sim, o contexto
externo pesa (apesar de não ser tudo) nestes resultados. O que Gaspar e Passos
não podem dizer é que isso era imprevisível. Tinham todos os dados que
precisavam e foi por isso que toda a gente com algum tino disse que as
previsões para o seu orçamento eram irrealistas. Porque o contexto externo era
o que era e porque a realidade nacional, que está integrada nesse contexto,
estava à vista.
Escrevi no
"Expresso", quando o orçamento para este ano foi conhecido:
"Vítor Gaspar garante que cumpriremos a meta de 4,5% de défice para 2013.
Como chega Gaspar a este milagre? Com uma previsão de 1% de quebra no PIB, que
corresponde a crescimento já no segundo semestre. E como será isso possível? Com
uma queda do consumo privado de 2,2%, em vez dos 5,9% deste ano. Isto, quando
os salários reais caíram 6,5%, o desemprego continuará a crescer e a taxa média
de IRS aumentará 3,4%. O governo consegue que uma queda do rendimento
disponível de 3,5% resulte numa queda de consumo de 2,2%. É magia. Será
possível com uma queda do investimento de 4,2%, em vez dos 14,1% deste ano. É
alquimia. Será possível com o aumento das exportações de 3,6%. Isto quando a
Espanha, o principal destino dos nossos produtos, entra finalmente em crise
acentuada. E será possível com uma queda do emprego de 1,7%, em vez dos 4,2%
deste ano. Isto, sabendo-se que só o Estado será responsável, para o ano, por
uma queda no total do emprego de 0,8%. Não, a recessão não será de 1%.
Mesmo os 2% previstos pela Universidade Católica parecem-me optimistas."
Não sou bruxo. Apenas escrevi evidências e tenho acesso a muito menos
informação que Vítor Gaspar e Passos Coelho.
Separar o contexto
europeu da realidade interna dá jeito a quem não quer debater opções difíceis.
Quem se quer ficar por expressões vazias como "austeridade custe o que
custar" ou "ser mais troikista que a troika" para uso em
barganhas políticas nacionais pode satisfazer-se com este simplismo. Mas
contexto nacional e contexto europeu não se desligam um do outro. O
programa ideológico do memorando da troika e de Gaspar são, mesmo que
em graus diferentes, o mesmo. E o falhanço de todas as previsões é imputável a
ambos. Não será, por isso, de esperar, que, numa negociação entre os dois responsáveis
por este desastre, nasça alguma coisa de bom.
Sozinho,
dificilmente Portugal sairá desta situação. É no quadro europeu que a solução
tem de ser encontrada. Mas não é indiferente se as negociações se fazem
entre duas partes que acreditam na mesma asneira ou entre aqueles que cá vêm
avaliar-se, repetindo a sua confiança numa receita que se mostrou tragicamente
errada, e um governo que queira reverter este caminho. Que queira renegociar a
dívida (e não apenas o tempo para a pagar) e renegociar profundamente o
memorando. Que queira apenas mais tempo para destruir o Estado Social ou que se
recuse a fazê-lo. Que apenas queira abrandar, por contingências do momento, o
plano de "austeridade expansionista" (sem qualquer prova empírica de
que ele resulte e com todos os dados para se saber que não passa de um delírio
ideológico), ou se se bate por um investimento público reprodutivo em
contraciclo, que sabemos, pela história, resultar.
A troika não
é, e tudo o que está a acontecer à nossa economia devia chegar para o saber, nossa
aliada. Não está em Portugal para servir os interesses do nosso País. Logo,
deve ser tratada, mesmo num processo negocial, como um problema. isso não quer
dizer que não se tenha de negociar com ela. Negoceia-se com quem nos cria
problemas. Com aliados é que se coordenam estratégias. Mas isto significa que
as negociações devem ser feitas em moldes completamente diferentes. E para que
isso aconteça é fundamental que quem governa tenha a convicção de que só o
caminho inverso a este nos serve. O problema não é se a culpa é do governo
ou da troika. É que governo e troika estão a remar para o mesmo
lado e o barco está a ir para o destino errado. Enquanto não tivermos ideias
claras sobre o erro que é este memorando continuaremos a fazer os debates
errado, convencidos que se cairmos ao slowmotion nos estatelaremos
com menor dor.
Este governo deve
cair porque tem uma fé inabalável numa receita errada. Uma fé maior do que a
própria troika mostra ter em si mesma. Mas se não queremos, daqui a
uns anos, estar a discutir a queda do próximo governo, temos de ir muito mais
longe: renegociar profundamente a dívida, recusar a aplicação de um
programa ideológico que ninguém na Europa sufragou, procurar aliados
europeus contra a destruição da União e pela criação de instrumentos que
defendam os países mais frágeis e juntar todas as nossas energias para uma renegociação
profundíssima do memorando, que resulte na inversão de quase todos os seus
pressupostos. Menos do que isto, são manobras de diversão.
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