terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Saiba tudo sobre o que o governo está a negociar com a troika. E o que isso significa




Bruno Faria Lopes – Jornal i

Entre esta semana e o dia 4 de Março, o governo jogará em dois tabuleiros: por um lado pede mais tempo para corrigir o desequilíbrio das contas públicas e mais formas para relançar o investimento. Por outro, negoceia mais tempo para pagar a parte europeia do empréstimo da troika. No primeiro caso é incerto até onde irá a troika – e certo que o prolongamento por um ano será um alívio relativo que não muda a configuração da política actual. No segundo caso há bons sinais de que Portugal terá mais tempo para pagar juros e capital, o que dará um balão de oxigénio temporário para as finanças públicas. Com estes alívios o governo espera estancar o agravamento da conjuntura e o efeito contraproducente de austeridade adicional – os mais críticos, economistas orientados para maior intervencionismo do Estado e partidos da oposição, dizem que não chega. Haverá alívio, mas a estabilização da economia ainda permanece uma mera hipótese no horizonte.

Portugal está a negociar com a União Europeia e a troika em quantos tabuleiros?

Em dois: por um lado na sétima avaliação regular da troika, que começou ontem; por outro, no Eurogrupo (que reúne os ministros das Finanças dos países membro do euro). No geral estas duas negociações são por mais tempo: mais tempo para corrigir o défice orçamental no primeiro tabuleiro; e mais tempo para pagar o capital e os juros da parte europeia do empréstimo da troika. 

O que quer negociar Portugal no sétimo exame da troika?

Entre temas centrais, o prioritário será conseguir mais um ano para colocar o défice orçamental abaixo do limite de 3% do PIBdefinido por Maastricht. Portugal está sob um programa da troika, mas continua também sob o Procedimento dos Défices Excessivos, em termos genéricos aberto pela Comissão a países com défice acima de 3%. O ministro das Finanças, Vítor Gaspar, admitiu na semana passada que pedirá à Comissão Europeia mais um ano para corrigir o défice, o que implicará também mais um ano para a troika (de que faz parte a Comissão).  

Porque pede o governo agora esta cedência?

Desde logo porque o cenário económico em que se baseou o Orçamento do Estado para 2013 (OE/2013) ruiu logo no início do ano. A duplicação do impacto recessivo (de -1% para cerca de -2%, valor a confirmar depois da avaliação da troika) abre um buraco de 0,4% do PIBnas contas, segundo a análise de riscos incluída pelo governo no OE/2013. Por outro lado, as projecções de receita fiscal para este ano estão influenciadas pela estimativa de Outubro do ano passado para a receita em 2012 – estimativa que falhou por 670 milhões de euros. Ao todo, o governo inicia o ano com um desvio potencial de 1,3 mil milhões de euros (0,8% do PIB), que o “plano B” de austeridade adicional (800 milhões ou 0,5% do PIB) não tapa. Correr atrás do défice este ano ou executar os 3,2 mil milhões de euros de cortes estruturais na despesa em 2014 ficou ainda mais difícil.

Mas o governo não pode lançar mais medidas duras?

A questão é que com a nova previsão de recessão de Bruxelas a economia cai 8,4% em termos acumulados desde 2009, um valor próximo do limiar teórico da depressão (10%) – correr atrás da meta este ano e intensificar os cortes em 2014 agravará a conjuntura, sem ganhos relevantes na luta contra a meta nominal do défice (que é fortemente influenciada pelos chamados “estabilizadores automáticos”, rubricas como despesa em subsídios de desemprego ou receitas de impostos, dependentes do ciclo económico). 

Então este ano adicional significará menos austeridade?

Se a troika alinhar o alívio será muito relativo – o que está em causa é deixar funcionar os estabilizadores automáticos e cortar de forma mais gradual na despesa pública. Os cortes – que envolvem Segurança Social,  Educação, entre outras áreas – terão que ser feitos. Mas há outros elementos da política de austeridade que o governo quer modificar.      

Quais?

O crédito à economia. O ministro das Finanças realçou no Parlamento na semana passada que o relançamento do investimento é um dos temas centrais da sétima revisão da troika – o governo tentará perspectivar com a troika formas de incentivar o investimento. Vítor Gaspar falou de levar os bancos que beneficiaram de apoio financeiro público a cumprirem a exigência de concessão de crédito à economia – a exigência de concessão feita aos bancos é muito baixa (30 milhões por ano, por banco) e fará pouca diferença. A estabilização das expectativas dos empresários sobre a economia interna (em queda livre) e externa (em recessão) é mais importante para relançar o investimento – daí também o pedido para suavizar em termos relativos o perfil de ajustamento.  

Que argumentos vai usar o governo para negociar com a troika?

O governo tem argumentos pelo lado positivo: Portugal equilibrou as contas externas mais rápido do que o previsto (à custa de uma contracção recorde no mercado interno que prejudicou a redução do défice); reduziu em dois terços o défice orçamental estrutural (que expurga o efeito do ciclo económico); os bancos estão recapitalizados e aptos para concederem crédito; o país já deu os primeiros passos no regresso ao mercado de dívida de médio e longo prazo; e está a fazer as reformas  estruturais pedidas. Estes são os pontos que o ministro das Finanças referiu como merecedores de credibilidade. Mas o governo tem também argumentos pela negativa: a recessão e o desemprego estão ser piores do que o esperado; a conjuntura externa está a afogar o único motor que funciona (exportações); o desemprego recorde ameaça a coesão social e política; neste cenário, mais austeridade para ir atrás da meta nominal é contraproducente e pode comprometer a estabilidade política e social num país que a Europa quer vender como um exemplo de sucesso da política de austeridade. Portugal goza de um trunfo adicional de negociação: vários países do euro viram os respectivos défices derraparem no final de 2012 e estão a pedir uma tolerância de um ano (como França).  

Qual é a postura da troika?

Para a troika o argumento central contra a flexibilização será a contenção do rácio de dívida pública. Em 2012 Portugal estava em 122,5% do PIB, um valor que a troika quer conter. As instituições europeias (Banco Central Europeu e Comissão Europeia) foram prudentes face à admissão pública inédita de Vítor Gaspar na semana passada – a mensagem é “vamos ver”.

No final da revisão qual é o melhor cenário possível?

Um adiamento por um ano da meta de 3%, com diluição dos cortes estruturais na despesa por mais tempo e margem para deixar funcionar os estabilizadores automáticos este ano caso a situação se degrade (não indo além do “plano B” de austeridade, que envolve cortes adicionais no pessoal do Estado).
E no segundo tabuleiro, o que negoceia Portugal?

O governo português confirmou em Janeiro o pedido por mais tempo para pagar a parte europeia do empréstimo da troika. Ogoverno não detalhou exactamente o que pediu, mas o cenário central – assumido, por exemplo, por economistas do Banco BPI e do Credit Suisse – é um pedido de um período de carência de juros e de um adiamento dos prazos médios de pagamento.   

Que vantagens tem o adiamento?

Reduz a pressão no curto e médio prazo sobre as finanças públicas, diferindo o pagamento de juros e de capital – no próximo ano pode significar menos 1,5 mil milhões de euros de despesa com serviço da dívida. Este alívio ajuda no perfil de consolidação das contas e diz aos credores (actuais e potenciais) da República que o país terá mais capacidade para cumprir os seus compromissos.  

O adiamento é uma forma suave de reestruturação?

Sim. De acordo com economistas do Credit Suisse, Société Générale e Banco BPI, contactados pelo i, o adiamento é uma forma de “restruturação suave”. Desde logo porque o país não paga na data combinada – depois, porque o efeito da inflação (que corre a favor do devedor) tenderá a ser maior do que o acréscimo de juros com o adiamento.   

Que efeito pode ter?

Segundo o Banco BPI, que publicou a única estimativa divulgada publicamente em Portugal, duplicar o prazo médio de pagamento do empréstimo de 15 para 30 anos e introduzir um período de carência de 10 anos nos juros geraria um alívio de 2,8 mil milhões de euros (menos de 2% da dívida actual). Poupanças maiores só com descida da taxa média de juro ou aceitação de perda de capital.  

Qual a postura dos parceiros europeus de Portugal?

A dilatação dos prazos já foi concedida à Grécia (cuja realidade impôs essa solução temporária) e em parte à Irlanda (na dívida contraída para salvar bancos falidos). As autoridades europeias já deram de bom acolhimento ao pedido de Vítor Gaspar, mas sem detalhar. Ocenário mais central presume um alívio temporário do serviço da dívida (juros e capital), considerado pela maioria dos economistas como insuficiente para assegurar a sustentabilidade da dívida portuguesa.  

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