João Lemos Esteves –
Expresso, opinião
1. Quando se
julgava que o Governo já tinha batido (mesmo!) no fundo, sem possibilidade de
descer mais na sua credibilidade, eis que nos surpreende mais uma vez pela
negativa. A semana que ora termina salda-se por ter sido uma nova semana horribilis para
Passos Coelho, Vítor Gaspar e restante executivo. Já sabíamos que o Governo é
especialista em leis más, leis que incorporam decisões políticas com efeitos
absolutamente perniciosos para a vida dos cidadãos e das empresas portuguesas.
Já sabíamos que o Governo revela um especial fetiche por leis
inúteis, actos legislativos de execução difícil ou impossível, cujos efeitos
positivos para a resolução dos problemas nacionais são nulos. Ficámos esta
semana a saber que o Governo é ainda capaz de aprovar medidas que são más, que
são inúteis -e ainda por cima absolutamente, pornograficamente ridículas.Vou
soletrar para que não subsistam dúvidas: ri-dí-cu-las. Estou a pensar na ideia
de "génio" de Passos Coelho e companhia de cominar com a aplicação de
uma multa - a qual pode chegar aos dois mil euros (meu Deus!) - a atitude
altamente censurável, atentatória da integridade da Nação que consiste em...não
pedir uma factura. No fundo, o que Passos Coelho pretende é que você, meu
caro leitor, da próxima vez que for tomar café, for comprar o EXPRESSO no quiosque
da esquina da sua rua aos sábados, peça uma facturazinha. Quando for fazer as
suas compras para a semana, terá de pedir uma facturazinha. Quando for tomar um
copo à noite quando o Verão começar a dar sinais de vida, terá de pedir uma
facturazinha. Toda a sua vida girará em torno das facturazinhas para o Gaspar.
A nossa vida tornar-se-á num dever jurídico permanente de pedir as facturas, de
guardar as facturas e de apresentar as facturas. Como é que é possível um
Governo apresentar uma medida destas? Como é que é possível que gente
minimamente inteligente consiga aprovar com seriedade uma coisa tão ridícula,
tão patética? Parece que o Governo Passos Coelho saiu de um episódio da série
dos Monthy Phyton!
2. Para além do
lado patético, a medida da factura omnipresente representa uma intromissão
injustiçada e injustificável do Estado na esfera de liberdade
constitucionalmente reconhecida dos cidadãos. Trata-se, pois, da transformação
do nosso Estado num verdadeiro "Estado Big Brother" - ou seja,
num Estado que acompanha os cidadãos permanentemente, acompanha todos os seus
passos, reduzindo ao mínimo dos mínimos a sua privacidade. É mais um
passo para a consolidação da nossa "democracia totalitária". Eu
ensino aos meus alunos de Direito que o Direito Civil corresponde ao espaço de
liberdade que é reconhecido aos indivíduos de regerem as suas vidas, celebrando
para o efeito os actos jurídicos que julguem mais convenientes e oportunos para
si. Celebrar um contrato de compra e venda- por exemplo, comprar todos os
sábados, o EXPRESSO - é uma manifestação da autonomia privada, da nossa
autonomia para exercer os nossos direitos e assumirmos as vinculações que
entendermos. Acordar com outrem a prestação de um serviço é o exercício da
nossa autonomia privada. Ora, é precisamente nas áreas onde a nossa liberdade
individual mais se projecta que o Estado resolve aparecer para nos seguir, para
nos vigiar como se fosse o nosso paizinho a ver se fazemos o trabalho de casa
como deve ser. Ou melhor, como o Passos Coelho e Vítor Gaspar acham que devemos
fazer.
Francisco José
Viegas e o seu co...ração desfeito com as facturas!
3. Ora, este Estado
Big Brother veio evidenciar à exaustão o paradoxo da época política em que
vivemos: ao mesmo tempo que todos dizem que temos que nos habituar a viver pior
que a geração dos nossos pais pois o Estado não tem dinheiro para assegurar as
suas funções sociais, o Estado vai alocar recursos para pagar a gente cuja
função será ver se tenho factura ou não quando saio do café. Ao mesmo
tempo que os ultra -liberais esfregam as mãos de contente, pois percebem que
este é o momento histórico para a sua "vitória final", apresentando a
redução do Estado ao mínimo, às funções de soberania e em termos muito
cadavéricos, como uma inevitabilidade - vemos que o Estado alarga a sua
presença na nossa vida numa lógica vigilante e repressiva. O Estado não nos vai
garantir a saúde ou a educação - mas vai garantir que temos a factura, a que
horas tomámos café, onde tomámos café, o que comemos, o que bebemos, onde
comprámos o Expresso e a que horas, etc. Diz-se que entre marido e mulher
não se mete a colher: nem esta sábia frase popular não se aplica ao Fisco. Este
mete a colher em todo o lado...
4. Enfim, são
estas medidas ridículas, patéticas que estão a moer gravemente a credibilidade
e a respeitabilidade do Governo. Até Francisco José Viegas, grande amigo
de Passos Coelho, ex-secretário de Estado da Cultura deste Governo, utilizou um
tom crítico cuja agressividade não é habitual nas reacções políticas em Portugal:
ao avançar que caso o Fisco lhe peça facturas, irá mandar os inspectores tomar
numa certa parte da anatomia humana, José Viegas prova que o Governo Passos
Coelho está ferido de morte. Contam-se pelos dedos das mãos os portugueses que
conseguem levar este Governo a sério! Isto é bastante grave...e parece que é
irreversível. Pior: este Governo, nomeadamente Vítor Gaspar, está desesperado
para arranjar receitas fiscais adicionais, porquanto receia que a execução
orçamental vai correr particularmente mal. Mais uma vez, os portugueses são os
cobaias para esconder a incompetência do Governo. Já agora: por que razão vão
penalizar os portugueses que não pedem facturas, e acham que esta medida é
exequível, e não fazem nada para penalizar severamente aqueles que fogem às
suas obrigações fiscais através de paraísos fiscais e outros expedientes? Ah,
pois é...
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