sexta-feira, 15 de março de 2013

CONFERE

 


Fernanda Câncio – Diário de Notícias, opinião
 
Lembra-se da conferência sobre a reforma do Estado encomendada e paga pelo Governo e apresentada como "da sociedade civil"? E das conclusões, ouviu falar? Não admira; encontrá-las não é fácil. Ignoradas pelos media, não se encontram no site do Governo, apesar das fotos do PM a recebê-las, a 24 de janeiro, das mãos da organizadora, a militante social-democrata Sofia Galvão.
 
"O PM fez o convite à sociedade civil na pessoa da d.ra Sofia Galvão, o Governo pagou mas não quer dizer que as conclusões que saíram da conferência sejam do Governo" - é assim que o gabinete do secretário de Estado adjunto do PM justifica a ausência no site. Portanto, haver um link no Portal do Governo para as conclusões de uma conferência paga por todos nós significaria que as conclusões eram do Governo. Será então que o facto de estas estarem disponíveis no site do PSD significa que são do partido?
 
Adiante. As conclusões, não assinadas, que podem também ser lidas no site da conferência - umestadoparaasociedade.pt -, apresentam-se como "síntese possível para um futuro que é de todos" com "propostas deliberadamente concretas". Deliberada, desde logo, é a premissa de que "o Estado atual é insustentável", mesmo se à frente se considera necessário criar "um consenso nacional estratégico" baseado em questões "essenciais" como "que Estado temos?" Portanto, não sabendo que Estado temos, não o queremos. Aliás, reclama-se, são precisos "dados reais", e responder a perguntas como: "O que paga o Rendimento Social de Inserção e o Subsídio de Desemprego: o IRS ou outros impostos?"
 
Dois dias a debater o Estado e confundem-se seguros contributivos, como o subsídio de desemprego, com prestações sociais de base não contributiva - como o RSI -, taxas com impostos. Não admira que se clame por "informação completa, clara e atualizada"; pelos vistos, o Governo deu dinheiro, mas baralhou-se a dar os números (surpresa). Na parte da educação, ainda assim, admite-se que o País tem melhorado, em termos europeus, a sua performance na competência dos estudantes; mas logo se acrescenta que "os países da bacia do Pacífico" estão muito melhor (será a "proposta concreta" mudarmos para lá Portugal?). Já na Saúde, propõe-se que "o Estado deve deixar de ser o único produtor de cuidados de saúde, permitindo a entrada no SNS das iniciativas privada e social" (sim, não sabia que não há cá saúde privada e que esta nem vive à custa do SNS?); na Segurança Social, que devem ser aplicados "factores de sustentabilidade e longevidade, por geração, para aplicar à pensão no momento da passagem à reforma" (coisa que, iríamos jurar, está em vigor desde 2006).
 
Na semana em que é suposto ter-se concertado com a troika o corte dos quatro mil milhões, vale a pena visitar esta caricatura de um "pensamento" já em si caricatural. Falsificações e contradições, certezas absolutas sem migalha de sustentação, propostas de "mudanças" já feitas, ignorância desbragada. E nós a pagar.
 

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