Fernanda Câncio –
Diário de Notícias, opinião
Lembra-se da
conferência sobre a reforma do Estado encomendada e paga pelo Governo e
apresentada como "da sociedade civil"? E das conclusões, ouviu falar?
Não admira; encontrá-las não é fácil. Ignoradas pelos media, não se encontram
no site do Governo, apesar das fotos do PM a recebê-las, a 24 de janeiro, das
mãos da organizadora, a militante social-democrata Sofia Galvão.
"O PM fez o
convite à sociedade civil na pessoa da d.ra Sofia Galvão, o Governo pagou mas
não quer dizer que as conclusões que saíram da conferência sejam do
Governo" - é assim que o gabinete do secretário de Estado adjunto do PM
justifica a ausência no site. Portanto, haver um link no Portal do Governo para
as conclusões de uma conferência paga por todos nós significaria que as
conclusões eram do Governo. Será então que o facto de estas estarem disponíveis
no site do PSD significa que são do partido?
Adiante. As
conclusões, não assinadas, que podem também ser lidas no site da conferência -
umestadoparaasociedade.pt -, apresentam-se como "síntese possível para um
futuro que é de todos" com "propostas deliberadamente
concretas". Deliberada, desde logo, é a premissa de que "o Estado
atual é insustentável", mesmo se à frente se considera necessário criar
"um consenso nacional estratégico" baseado em questões
"essenciais" como "que Estado temos?" Portanto, não sabendo
que Estado temos, não o queremos. Aliás, reclama-se, são precisos "dados
reais", e responder a perguntas como: "O que paga o Rendimento Social
de Inserção e o Subsídio de Desemprego: o IRS ou outros impostos?"
Dois dias a debater
o Estado e confundem-se seguros contributivos, como o subsídio de desemprego,
com prestações sociais de base não contributiva - como o RSI -, taxas com
impostos. Não admira que se clame por "informação completa, clara e
atualizada"; pelos vistos, o Governo deu dinheiro, mas baralhou-se a dar
os números (surpresa). Na parte da educação, ainda assim, admite-se que o País
tem melhorado, em termos europeus, a sua performance na competência dos
estudantes; mas logo se acrescenta que "os países da bacia do
Pacífico" estão muito melhor (será a "proposta concreta"
mudarmos para lá Portugal?). Já na Saúde, propõe-se que "o Estado deve
deixar de ser o único produtor de cuidados de saúde, permitindo a entrada no
SNS das iniciativas privada e social" (sim, não sabia que não há cá saúde
privada e que esta nem vive à custa do SNS?); na Segurança Social, que devem
ser aplicados "factores de sustentabilidade e longevidade, por geração,
para aplicar à pensão no momento da passagem à reforma" (coisa que,
iríamos jurar, está em vigor desde 2006).
Na semana em que é
suposto ter-se concertado com a troika o corte dos quatro mil milhões, vale a
pena visitar esta caricatura de um "pensamento" já em si caricatural.
Falsificações e contradições, certezas absolutas sem migalha de sustentação,
propostas de "mudanças" já feitas, ignorância desbragada. E nós a
pagar.
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