João Marcelino – Diáriode Notícias, opinião - ontem
1. Pedro Passos
Coelho comete dois erros quando a aborda a questão da mais que possível
inconstitucionalidade de algumas das normas do Orçamento do Estado (OE). A
primeira é a pressão pública sobre os juízes para que ponham acima de tudo
aquilo a que chama os interesses do País. Ora o interesse do País é que os
juízes ponham acima de tudo o respeito pela lei. Um país democrático não é
aquele em que os governantes acreditam piamente que tudo lhes é permitido para
ultrapassarem os problemas, até atropelarem a lei. Ao invés, vive-se numa
democracia plena quando são os governantes a acautelarem, em primeira
instância, o cumprimento das leis fundamentais. E, pelo segundo ano
consecutivo, apesar de todos os avisos, e foram muitos para que verificasse
cuidadosamente a proposta de OE, o Governo, sobretudo o ministro das Finanças,
com o respaldo do primeiro-ministro, entendeu que a Constituição estava
suspensa, e com ela os direitos de alguns, muitos, cidadãos. Esperemos que não
estejam. E que o Governo, de imediato, em vez de se lamentar, faça o que tem a
fazer: emendar e seguir em frente, governando, como lhe compete e segundo o
mandato que tem, alterando as políticas. Tudo o que não for, isso já não será
chantagem com os juízes, será chantagem com os portugueses.
O segundo erro de
Pedro Passos Coelho é admitir que proliferem as notícias de que estará a
equacionar um cenário de demissão. Interrogado especifica e diretamente sobre
isso, alimentou um discurso dúbio, em que todas as interpretações são
possíveis. Isso é um sintoma de fraqueza, de impotência, que não é suposto
estar no ADN de um primeiro-ministro, sobretudo num momento como este. O País
já acha que vem aí uma remodelação pressionada - até pelo CDS, parceiro de
coligação. A última coisa que esperaria era ter um primeiro-ministro falho de
vontade e - pior ainda - quem sabe se não à espera de uma desculpa para saltar
do barco.
2. A entrevista de
José Sócrates seria um momento de grande interesse em qualquer sociedade
democrática do mundo. Portugal, apesar de alguns pequenos papagaios, não fugiu
à regra, felizmente - porque, além da cegueira militante, seja ela provocada
pelo irracional ódio político (e não só) ou também pelo deslumbramento
acrítico, ainda há pessoas normais, gente que gosta de conhecer para concluir.
Viu e ouviu quem quis. Muita gente. Um milhão e 600 mil pessoas em direto. E,
no final, tinha-se encerrado um ciclo: já não há muito mais para dizer sobre o
que aconteceu em 2011. Com os Roteiros de Cavaco, esta entrevista de Sócrates,
os resultados das eleições legislativas, o conhecimento da crise, os dados
económicos e financeiros do atual Governo, os livros publicados, as entrevistas
concedidas pelos principais protagonistas, e foram muitos, o quadro está
conhecido. A partir daqui, cada português é mais capaz de formar a sua opinião
- e de decidir em relação ao futuro, porque, quanto ao passado recente, é tempo
de ficarmos conversados. Ou não será assim?
A carta de Silva
Peneda, presidente do Conselho Económico e Social, ao ministro das Finanças da Alemanha
é um exemplo significativo de cidadania ativa de alguém que tem uma ideia sobre
a União Europeia e não desiste de a reivindicar. Se um dia Portugal estivesse
condenado a ter um "Mario Monti"...
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