Sérgio Lavos - Arrastão
O que se tem
passado nos últimos dias na Europa apenas vem confirmar o que há muito se
sabia: os líderes europeus não sabem o que é democracia, desconhecem os seus
fundamentos e desrespeitam a sua natureza. O voto contra as condições do resgate ao Chipre - ninguém votou
a favor e os 19 deputados da coligação que ganhou recentemente as eleições
abstiveram-se - mostra como é possível ser-se eleito para servir o
povo - conceito estranhíssimo, não é? Este acontecimento traz à memória o mais
recente voto do Orçamento de Estado português. Declarações de deputados do CDS
e do PSD-Açores repetiram-se. As ameaças de votos contra ou de abstenção também.
Quando o OE foi ao parlamento, unanimidade total em volta de um Orçamento
criminoso. Consciência? Coerência? Defesa dos interesses das pessoas que os
elegeram? Nada disso, até porque os lugares elegíveis não são assim tantos e
nas próximas legislativas o PSD e o CDS correm o risco de se transformar no
PASOK português e no mini-partido do táxi, respectivamente.
E na Europa, como
se olha para esta coisa da democracia? A reacção do líder do Eurogrupo à
decisão de Chipre é esclarecedora: Jeroen Dijsselbloem "lamentou
profundamente a decisão". Fantástico. Uma quase unanimidade democrática
teria de ser sempre, na cabeça destes burocratas dos interesses ordoliberais,
uma decisão lamentável.
A verdade é que
Angela Merkel governa apenas para ser reeleita em Setembro próximo, já sabemos.
O problema é que apenas os alemães podem votar nas legislativas alemãs. Os
países que estão a sofrer com as consequências de uma política de terra
queimada, de austeridade, resultado de uma doutrina do choque que visa o empobrecimento
para liberalizar a economia, embaratecendo a mão-de-obra (os papagaios como
Belmiro de Azevedo e Alexandre Soares dos Santos dizem o que Gaspar e Coelho
não podem dizer), reduzindo os direitos dos trabalhadores ao mínimo e
aumentando o lucro ao máximo, têm pouco a dizer sobre o seu destino. Alguém
imagina Merkel a ser reeleita se aplicasse um programa de austeridade na
Alemanha semelhante ao nosso? Se em dois anos os alemães fossem espoliados de
30% do seu rendimento, votariam em Merkel?
A questão é
simples: a actual União Europeia não é uma democracia. Elegemos deputados para
o Parlamento Europeu que pouco ou nada influenciam as políticas europeias;
temos uma Comissão Europeia liderada por um fantoche nas mãos de Merkel, Durão
Barroso (ainda me lembro de se ter dito como seria vantajoso haver um português
num cargo de prestígio "lá fora"); e o BCE limita-se a aplicar, com
um ou outro estertor rebelde, o programa do banco central alemão. As políticas
da Europa são de facto as políticas da Alemanha. Mas os gregos, os irlandeses,
os espanhóis, os italianos, os cipriotas e os portugueses não votam nas
eleições alemãs.
A União Europeia,
tal como está, não tem futuro. Começam-se a fazer ouvir as vozes que defendem a
saída do Euro. O economista João Ferreira do Amaral há dois anos que anda a
dizer que a única maneira de escaparmos ao aperto em que estamos é sair do Euro.
Há dois anos, os economistas mainstream que se passeavam pelas TV's a
defender a "austeridade além da troika", diziam que economistas como
Ferreira do Amaral erma loucos. Agora, os economistas da troika desapareceram
do mapa. João Duque, Cantiga Esteves, Vítor Bento, por onde andam eles? O que
antes era "loucura" começa a tornar-se inevitável. Não é um caminho
fácil, a saída do Euro. Mas quanto mais cedo acontecer, melhor. Uma saída
ordenada do Euro permitiria que Portugal voltasse a ter todos os intrumentos
para sair da crise em que mergulhou - a desvalorização cambial, o
proteccionismo económico e fiscal, a possibilidade de transformar o tecido
económico português, estimulando as exportações e substituindo as importações
por produção nacional, contrariando as directivas comunitárias. Neste momento,
Portugal vive num sufoco sem fim à vista. Precisamos de respirar. Não há
alternativa? Em democracia, há sempre. Livrarmo-nos da Europa anti-democrática
pode ser o caminho mais rápido para nos reconquistarmos, enquanto povo,
enquanto pátria. Antes que seja demasiado tarde.
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