Leonam dos Santos
Guimarães*, Rio de Janeiro – Opera Mundi
Alemanha é um dos
países que possui armas nucleares sem tal direito ter sido concedido pelo TNP
Cinco países são
reconhecidos internacionalmente como "estados dotados de armas nucleares”.
Possuem essas armas por direito concedido pelo TNP (Tratado de Não Proliferação
Nuclear): EUA, Reino Unido, França, China e Rússia. Entretanto, outros países
têm essas armas “de fato” e não “de direto”.
Três deles, não signatários do TNP, declararam formalmente e demonstraram na
prática, através de testes nucleares, possuí-las: Índia, Paquistão e Coréia do
Norte. Apesar de nunca ter declarado nem demonstrado diretamente, parece não
haver dúvidas que Israel, que não é signatária do TNP, também as tem. A África
do Sul, quando ainda não tinha aderido ao TNP, também as teve, mas decidiu
desmontá-las voluntariamente. A Ucrânia também armazenou armas nucleares em seu
território, mas elas foram totalmente repatriadas para a Rússia mediante acordo
após o desaparecimento da URSS. Nos dias de hoje, o Irã é acusado pela
comunidade internacional de estar buscando obtê-las, o que vem sendo tratado
como uma grande ameaça à paz mundial.
Mas o que dizer dos cinco países europeus que têm
em seu território armas nucleares de origem norte-americana "não
declaradas", incluindo Bélgica, Alemanha, Turquia, Holanda e Itália?
Será que eles também não constituem uma ameaça? A existência de armas nucleares
nesses cinco países, incluindo os procedimentos e meios operativos para seu
emprego, é formalmente reconhecida pela OTAN (Organização do Tratado do
Atlântico Norte).
Os EUA têm cerca de 480 armas termonucleares B61 nesses cinco "estados não
dotados de armas nucleares" pelo TNP e desenvolvem um programa de
modernização dessas armas. Sua existência é ignorada pela AIEA (Agência
Internacional de Energia Atômica), que é o organismo técnico internacional que
tem delegação da ONU para verificar o cumprimento dos compromissos assumidos
pelos países que aderiram ao TNP. Dentre esses cinco "estados nucleares
não declarados", a Alemanha é o mais armado A Força Aérea alemã tem três
bases que podem armazenar até 150 armas e operar aviões alemães “Tornado”, capazes de lançar ogivas
nucleares.
A que se destina a instalação e acumulação de armas táticas B61 nestes cinco
"estados não dotados de armas nucleares"? Quais seriam os potenciais
alvos dessas armas? Dadas suas características técnicas operacionais, elas
somente poderiam ser empregadas contra alvos na Rússia e Leste Europeu ou no
Oriente Médio e Norte da África.
Essa realidade
implica em muitas contradições, casos típicos de “dois pesos, duas medidas”. A
primeira delas é que enquanto alguns desses mesmos países europeus dotados de
armas nucleares “de fato” acusam o Irã de buscá-las, eles próprios têm
capacidade de atacá-lo com essas mesmas armas. A segunda é que três desses
cinco países, Alemanha, Itália e Bélgica, decidiram abandonar o uso pacífico da
energia nuclear que é a geração elétrica, sob a justificativa dos “riscos
elevados”, mas nenhum decidiu devolver as armas aos EUA, como fez a Ucrânia à
Rússia. Será que as usinas nucleares são um risco maior do que as “bombas
atômicas”? A classe política e a sociedade desses países parecem pensar que
sim.
A Alemanha é o caso mais emblemático dessa contradição: não é uma potência
nuclear “de direito” pelo TNP, mas estoca armas nucleares fabricadas nos EUA e
sua força aérea tem capacidade própria de lançá-las. A empresa EADS, controlada
pelo poderoso Grupo Daimler, é o fornecedor para a França do míssil balístico
M51, capaz de lançar ogivas nucleares de submarinos e ainda o estaleiro alemão
HDW é o fornecedor para Israel de submarinos capazes de lançarem mísseis com
armas nucleares.
Ao mesmo tempo, a Alemanha decidiu descomissionar todo o seu parque de geração
elétrica nuclear, na esteira do acidente de Fukushima. Isso tem implicado num
aumento na geração de gases efeito estufa, afetando todo o mundo, e em grandes
custos para o país, a serem arcados pela sociedade alemã. Rejeitam o arado e
abraçam a espada.
* Leonam dos Santos Guimarães é doutor em engenharia e membro do Grupo
Permanente de Assessoria em Energia Nuclear do Diretor Geral da Agência
Internacional de Energia Atômica
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