Martinho Júnior,
Luanda
1 – Assinala-se
hoje, dia 23 de Março de 2013, o 25º aniversário da batalha do Cuito Cuanavale,
a maior batalha travada a sul do Equador em África, uma batalha que se estendeu
praticamente a toda a Frente Sul de Angola, numa área superior a três
superfícies de Portugal e se revelaria decisiva para desencadeamento de
profundas alterações sócio-políticas na África Austral.
A batalha
inscreve-se numa longa luta travada pelo povo angolano, primeiro pela sua
independência contra o colonialismo português e a guerra de agressão de Henry
Kissinger, depois contra o regime do “apartheid” na África do Sul, depois ainda
contra as sequelas do colonialismo e do “apartheid”, quando Savimbi levou a
cabo a “guerra dos diamantes de sangue”, encadeada com a “Iª Guerra Mundial
Africana”…
2 – Alcançou-se a
independência de Angola tal como ocorreu nas outras antigas colónias
portuguesas, o colonialismo foi banido da África Austral conseguindo o campo
progressista a independência da Namíbia e do Zimbabwe enquanto na África do Sul
a democracia representativa sucedeu por fim ao renitente “apartheid” que só foi
possível ter sobrevivido tantos anos com o beneplácito dos interesses ligados
aos poderosos carteis da indústria mineira, como das potências ocidentais
regedoras desses mesmos interesses.
As sequelas do
colonialismo e do “apartheid” tiveram uma trajectória mais radical com a
“guerra dos diamantes de sangue”, mas em cada uma das nações da África Austral
as sequelas não se extinguiram e procuram, no quadro da globalização
perspectivada pelo capitalismo neo liberal ao sabor do império, através de
várias vias e processos, a continuidade de sua expressão, ou mesmo um
revigoramento de velhos programas, métodos e objectivos…
Que heranças assumem
aqueles que dão seguimento à luta de libertação em África, quando ainda muitos
que estiveram presentes nos campos de batalha, dum lado e do outro das frentes,
estão vivos?
Aqueles que se
bateram (e batem) pelo movimento de libertação terão sabido traduzir em
benefício dos povos, de todos os povos da África Austral, conforme às
aspirações de então, os ganhos conseguidos com tanto sacrifício nos campos de
batalha?
3 – Na África do
Sul as elites herdeiras da saga de Cecil John Rhodes mantêm o seu enorme poder
económico e financeiro revertido numa preponderância abissal nos domínios do
saber científico e técnico e procurando não dar espaço à emergência de outros
sectores da sociedade sul-africana, particularmente aqueles ligados a outras
sensibilidades políticas, inclusive as afectas ao próprio ANC…
O vulcão sul
africano, um tema já por mim abordado, mantém-se e necessário é incentivar-se o
diálogo e a busca de consensos na África do Sul, respondendo muito mais e
melhor aos anseios e expectativas das classes sociais mais deserdadas da
sociedade sul africana…
Na Namíbia e no
Botswana, os benefícios da independência redundaram particularmente a favor dum
elitismo que gira à volta da indústria mineira fundada por Cecil John Rhodes e
com aplicações tão diversas que levam até a captar em seu principal proveito as
experiências relativas à natureza, aos Parques Naturais, à integração de
comunidades nos seus próprios projectos, ao turismo de elevado padrão e
qualidade que atrai outros membros das elites de todo o mundo ávidas por
experimentar e deixar-se emocionar, ainda que por alguns dias, na cinegética
singular de África…
No Zimbabwe o
rescaldo da Conferência de Lancaster House provocou rupturas sócio-políticas
que ainda não estão saradas, atirando o país para enormes dificuldades…
Um a um os países
da África Austral “interiorizaram” heranças que se foram adaptando aos impactos
do capitalismo neo liberal e ao diktat económico e financeiro do império,
esbatendo-se as barricadas que estiveram face a face nos antigos campos de
batalha…
4 – Em Angola, em
especial depois do entendimento do Luena a 4 de Abril de 2002, as barricadas de
guerra extinguiram-se, mas as sequelas do colonialismo e do “apartheid” são
persistentes num quadro de neo liberalismo, até por que em muitos dos
laboratórios do capitalismo de choque, a abertura das fronteiras às
multinacionais só são possíveis ou com ditaduras fascistas, ou com democracias
envenenadas pelas oligarquias clientes do império, ou com ideologias
refractárias e quantas vezes ultra conservadoras nas intenções de ruptura
étnica e cultural ao sabor dos grandes interesses!…
As sequelas
repercutem-se hoje no campo sócio-político como nunca antes se experimentou em
Angola desde 4 de Abril de 2002!
As elites que se
propõem a tal em função dos factores mais conservadores intervenientes na
sociedade angolana, esquecem ou renegam visceralmente o movimento de
libertação, fazem por acabar com a história, se necessário obliterando a sua
saga pessoal na história, fugindo à lógica com sentido de vida e assumem-se num
quadro de desequilíbrio, de desagregação e de ingerência, recorrendo a
provocações, subterfúgios, ambiguidades, manipulações, divisões, com o poder no
horizonte de suas intenções!...
São capazes até de
buscar argumentos típicos do século XIX, para tentar fazer prevalecer seus
interesses, buscando todo o tipo de aliciamentos e alianças “contra natura” no
interior como no exterior do espaço nacional que os viu nascer… como se fossem
os mais abjectos mercenários!
…Um indelével
cheiro a enxofre vai ficando no ar por que em África o diabo está forte e
procura estender seu raio de acção!...
5 – As heranças do
movimento de libertação são antes de mais a possibilidade de afirmação das
nações cujas independências foram arrancadas a ferro e fogo, de armas na mão e
por isso são heranças ávidas de paz, da possibilidade de democracia, de
possibilidade de desenvolvimento, reconstrução e reconciliação, mas como é
evidente ciosas de unidade em prol das causas comuns, ciosas das identidades
nacionais que têm sido conseguidas à custa de tantos sacrifícios e procurando
vencer tantos obstáculos.
A sociedade
angolana reflecte as heranças e os cenários têm a animação dos respectivos
herdeiros, num campo de manobra sócio-político que se pode radicalizar, mas hoje
ainda, para muitos, apresenta contornos difusos, vagos, aparentemente sujeitos
a mais ingredientes de força, a outras aspirações e expectativas que também têm
“uma palavra a dizer”…
As heranças
mobilizam campos de energia e os cenários são montados como se fossem espelhos
do passado numa “nova” atmosfera e, mesmo que surgem ingredientes que antes não
foram sentidos, a tentação de polarização parece ganhar pouco a pouco
consistência por que corresponde a um padrão que está a ser agora alimentado em
África por interesses sobretudo neo coloniais ligados às potências ocidentais,
no seu afã de não perder hegemonia, nem espaço geo estratégico, nem riquezas
naturais, nem oportunidade de rapina...
Para os velhos
combatentes do movimento de libertação, ao relembrarem as aspirações e
convicções forjadas na luta ao longo de sua intrépida trilha em pleno século
XX, as heranças são claras e têm como objectivo resgatar os povos da África
Austral do subdesenvolvimento e das sequelas coloniais e do “apartheid”,
alargando os benefícios a todos, sem excepção.
É esse o caminho
que honra o sacrifício de tantos heróis e mártires e dá uma outra garantia às
gerações que preencherão o futuro!
Para tal as
políticas de reconstrução e reconciliação são prioritárias, por que com a recuperação
de infra-estruturas e estruturas será mais fácil realizar sustentabilidade
alargada em matéria de desenvolvimento.
Esse desiderato é
muitas vezes visto por parte das potências ocidentais, como contraditório às
suas ementas sócio-políticas, económicas e financeiras, contraditório aos seus
interesses e por isso no mínimo os factores de progresso são encarados com
desconfiança e sujeitos à “vigilância dos deuses”...
Imaginam se Angola
consegue garantir os níveis de paz e de democracia que obteve durante os
últimos 10 anos, durante os próximos 25 anos?
5 – No momento em
que se completaram 25 anos após a batalha do Cuito Cuanavale, os desafios são
enormes por que muitos obstáculos vão-se ter de ultrapassar e sejamos claros:
se Angola tem progredido penosamente, degrau a degrau, conforme os dados
fornecidos pelos Relatórios Anuais dos Índices de Desenvolvimento Humano, é por
que estes 10 anos de ausência de tiros foram mesmo assim insuficientes, é por
que o trabalho realizado foi insuficiente, é por que os grandes desafios
continuam a ser muito maiores que nossa capacidade, por muita inteligência,
abnegação e trabalho que haja…
Isso significa que
nossos esforços comuns face às aspirações, expectativas e esperanças que advêm
do passado e transmitidos pelo movimento de libertação devem ser redobrados e
mais inteligentes, a fim de tudo fazer para que Angola saia do quadro dos
Índices de Desenvolvimento Humano Baixos.
As heranças do
movimento de libertação implicam que os angolanos, de Cabinda ao Cunene e do mar
ao leste, sejam capazes de cerrar fileiras para que os resgates que há que
realizar ganhem consistência e por isso, aqueles que procuram a confusão
semeando divergências, aqueles que possuem agendas tendentes à desagregação,
abrindo-se às manipulações e às ingerências externas com vista a pôr em causa a
independência, a soberania, a necessidade premente de unidade na acção em prol
da coesão da identidade nacional, esses herdeiros que dão corpo às sequelas do
colonialismo e do “apartheid”, devem procurar que suas energias sejam
corrigidas em termos de orientação patriótica e ganhar capacidade integrando
seus programas, vocações e objectivos efectivamente em proveito de todo o povo
angolano e dos povos das regiões onde Angola se insere.
O reforço das
organizações sociais com quadros, em especial das organizações sociais que se
identificam com as aspirações dos trabalhadores e dos mais deserdados, é
legítimo, é em muitos casos premente, é muito importante como um factor
vocacionado à unidade de acção e respeitador de identidade nacional, mas será
um esforço em vão se alguém procurar conduzir agendas desagregadoras, se for
feito no sentido da divisão, do regionalismo, do tribalismo, ao serviço de
grupos que até com a história e a antropologia cultural fazem manipulação!
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