Thomaz Wood Jr. –
Carta Capital
A crise teve início
em 16 de outubro de 1962. O presidente norte-americano, John F. Kennedy, foi
informado da instalação de mísseis nucleares soviéticos na ilha do jovem
comandante Fidel Castro. O golpe representava uma ameaça séria aos Estados
Unidos e podia provocar uma guerra atômica.
Os norte-americanos
denunciaram e ameaçaram. Kennedy, líder da democracia ocidental contra a
barbárie comunista, manteve-se firme e forte. Em 28 de outubro, a crise chegou
ao fim, com a concordância soviética em remover seus mísseis e levá-los de
volta para casa, atrás da cortina de ferro. O mundo pôde respirar tranquilo
novamente.
Esta é a história
oficial, como contada pelos norte-americanos e presente na memória coletiva.
Entretanto, Benjamin Schwarz, editor literário da revista The Atlantic, sugere
na primeira edição de 2013 da revista se tratar de mera ficção. Qualquer
semelhança com fatos reais pode ser apenas coincidência, pois a narrativa foi
produto de manipulação. Vamos aos fatos. Antes, porém, vejamos as fontes.
Desde 1997, revela
Schwarz, pesquisadores têm acesso às gravações das reuniões realizadas por
Kennedy durante a crise com seus principais assessores. Entre esses se encontra
Sheldon M. Stern, historiador da Biblioteca John F. Kennedy por quase um quarto
de século. Stern analisou vasta documentação e concluiu que Kennedy e seu grupo
tiveram parte considerável da responsabilidade pela deflagração da crise. Eles
iludiram a opinião pública sobre o balanço nuclear entre as superpotências e
esconderam suas ações para derrubar o governo cubano.
Na verdade, durante
a corrida nuclear, os norte-americanos estiveram sempre à frente. O poderio
soviético era uma fração do estadunidense. Insensível à superioridade
conquistada, Kennedy comandou a maior expansão militar ocorrida em tempos de
paz. Este esforço incluiu a instalação de mísseis em regiões próximas à União
Soviética: uma provocação.
Tudo levava a crer
que Washington se preparava para dar o primeiro golpe em um ataque nuclear. Sob
essa ótica, endossada por historiadores, o envio de mísseis a Cuba pode ser
visto como uma resposta para estabelecer equilíbrio e dissuadir o inimigo, não
um ato de agressão.
Além disso, a
instalação dos mísseis não alterava de forma substantiva o equilíbrio nuclear:
os soviéticos já possuíam mísseis instalados em outras bases e em submarinos.
Esse arsenal poderia atingir os Estados Unidos em tão pouco tempo quanto os
mísseis instalados em Cuba. Kennedy e seus assessores, atestam os analistas,
conheciam a realidade. No entanto, com apoio da mídia e da tevê, mantiveram a
plateia nacional aterrorizada.
De seu lado, Nikita
Kruchev, o primeiro-ministro soviético, procurava proteger seus aliados
tropicais, vítimas de sabotagem, tentativas de assassinato e ataques
patrocinados pelos norte-americanos. A instalação dos mísseis, do ponto de
vista das relações internacionais, foi um ato legítimo. Por outro lado, o
bloqueio naval da Ilha, ordenado por Kennedy, foi ilegal.
Ao exigir publicamente
um recuo soviético e impor o bloqueio a Cuba, o governo norte-americano
precipitou uma das crises mais perigosas da história. A solução deu-se por meio
de uma discreta negociação, que resultou na remoção dos mísseis soviéticos de
Cuba e dos mísseis norte-americanos da Turquia.
O acordo foi
mantido secreto, para proteger a imagem de Kennedy e sustentar a reputação
norte-americana. Em suma, a crise deflagrada por Kennedy só foi resolvida pela
sensata proposta de seu antípoda Kruchev. O norte-americano, entretanto, foi
responsável o suficiente para refrear seus assessores mais belicosos, reverter
o quadro e evitar o fim do mundo.
A história, reza a
máxima, é escrita pelos vencedores. Aos perdedores sobram as notas de rodapé.
Aos historiadores resta a tarefa de pôr os pingos nos is, anos mais tarde. O
saudável zelo do revisionismo histórico costuma focar grandes momentos e
acontecimentos. O mundo corporativo não costuma merecer tal atenção, exceto
quando provoca calamidades ou catástrofes. Entretanto, também nele está
presente a maquiavélica arte de contar lorotas e enganar incautos.
Abra o prezado
leitor as páginas de uma revista de negócios e boa chance haverá de se deparar
com ficção de qualidade duvidosa, manifestações grosseiras de culto a
celebridade e meias-verdades, esculpidas por relações públicas. A criação de heróis,
mitos e narrativas épicas está presente em fusões e aquisições, na introdução
de novos produtos e nos mais prosaicos eventos do dia a dia corporativo. Como
se sabe, nas grandes e pequenas esferas do poder, não há business sem show
business.
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1 comentário:
Artigo escroto de uma revista que irá falir depois que o PT abandonar o poder no Brasil.
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