segunda-feira, 18 de março de 2013

O ASSALTO AOS ANDES




Rui Peralta, Luanda

I - No Peru, um em cada cinco hectares foi cedido a multinacionais do sector de mineração, assim como mais de metade das terras das comunidades camponesas e indígenas dos Andes peruanos. Desde a época colonial que a exploração mineira no Peru reconfigurou os mapas sociais e políticos dos povos indígenas da região andina, sendo conhecidas as epopeias guerrilheiras travadas contra os colonizadores nesta região. A independência pouco ou nada resolveu e a especulação do ouro, da prata e do cobre continuaram incólumes nas mãos dos novos senhores e dos novos colonizadores (Deixaram de hablar e passaram a speaker). Na década de sessenta do século passado, a região de Cusco assistiu a grandes lutas camponesas e das comunidades indígenas (principalmente a Quéchua) pela recuperação de terras.

Nos últimos dois anos, a conflitualidade tornou a atingir os Andes, forçando a alterações no gabinete de Ollanta Humala em Dezembro de 2011 e em Julho de 2012 (ver 11° relatório, Dezembro de 2012 do Observatório de Conflictos Mineiros no Perú). Mas suas novidades surgiram nestas ultimas acções de luta. A primeira é que o cerco da comunicação foi vencido e as lutas foram publicitadas e noticiadas. A segunda foi a sua envergadura política, que inclusive obrigou a agência Moody’s a aconselhar alguma prudência ao governo peruano.

A importância destas lutas obriga a abordar três aspectos: A importância das novas tecnologias da mineração na acumulação de capital; A resistência camponesa e comunitária; As novas culturas de acção politica.

II - Metade das terras das comunidades camponesas e indígenas têm concessões mineiras. 47% da região hidrográfica do Pacifico está concedida á actividade mineira. Aqui reside 65% da população, que conta apenas com 1,8% do volume de água do Peru, ficando as restantes reservas aquíferas nas mãos das multinacionais mineiras.

Segundo um informe da Metals Economics Group (Tendências da exploração mundial 2012) a queda mundial do mercado de acções favorece os investimentos na indústria mineira, que cresceram 44% em 2010 e 50% em 2011. A região latino-americana é o principal destino destes investimentos, representando 25% do total, sendo o Chile, Peru, Brasil, México, Argentina e Colômbia os objectivos fundamentais. Se compararmos estes dados com os de 2003, ano em apenas 10% do investimento mineiro mundial se destinou á América Latina, ressalta a importância actual desta região no sector mineiro mundial.

Em 2010 esta região produzia 51% da prata mundial, 50% do lítio, 45% do cobre, 27% do molibdeno, 25% do estanho, 23% do zinco e da bauxita, 19% do ouro e 17% do ferro (Reuters, 16 de abril de 2012). Até 2020 serão investidos, nesta região, mais 300 mil milhões de USD no sector mineiro.

Em toda esta movimentação de capitais o Peru desempenha um papel de extrema importância e sofreu um aumento significativo dos investimentos estrangeiros directos, que no ano de 2012 chegaram aos 11 mil milhões de USD, um aumento de 34% em relação a 2011. Entre 2000 e 2005 foram investidos uma média de mil e seiscentos milhões de USD, o que realça de sobremaneira a importância que este país adquiriu para as multinacionais do sector (Global Investment Trends Monitor, UNCTAD, No. 11, 23 de Janeiro de 2013).

Este tipo de investimento consolida a dependência da exploração e da exportação de recursos naturais. O jornalista peruano Raúl Wiener, num excelente artigo publicado no diário La Primera, de 12 de abril de 2012, afirma que 30% dos ingressos fiscais peruanos são originados no sector mineiro e prossegue: “(…) la única forma más o menos rápida de incrementar estos fondos en el corto plazo y poder llevar adelante los programas sociales que todo candidato promete para ganar las elecciones, es con más inversiones en minería, por lo que pelearse con este sector sería hacerse el harakiri".

O Peru converteu-se no quinto país do mundo com maior crescimento das exportações, que passaram de sete mil e seiscentos milhões de USD em 2002, para quarenta e cinco mil e setecentos milhões de USD em 2011, sendo 60% provenientes da produção mundial e 10% do petróleo e gás, produtos que se exportam sem processar (ver Ministerio de Comercio Exterior.
 y Turismo,"ResumendeExportaciones2011"http://www.mincetur.gob.pe/newweb/Portals/0/documentos/comercio/CuadrosResumen_Exportaciones_2011.pdf). É o maior exportador latino-americano de ouro e estanho e o segundo maior produtor de prata e cobre.

III - Durante 2011 e 2012 o principal conflito mineiro e social do Peru registou-se na região de Cajamarca, no norte do país e opôs a população dessa região ao projecto de exploração de ouro e prata CONGA, da mineira YANACOCHA, propriedade da norte-americana Newmont Mining Corporation. A YANACOCHA explora desde 1992 um filão de ouro, localizado a 50 Km a norte da cidade de Cajamarca, a mais de três mil e quatrocentos metros de altitude e que é a segunda maior mina de ouro do mundo.

Nos últimos anos a YANACOCHA tem vindo a registar uma queda na sua produção devido ao esgotamento das reservas, pelo que o projecto CONGA seja uma alternativa para a empresa. Mas a população mobilizou-se em defesa da água. A actividade mineira utiliza cianeto e mercúrio, o que afecta as lagoas de altitude, que abastecem as comunidades camponesas e indígenas, para além das cidades.

Em Novembro e Dezembro de 2011, devido á resistência oferecida pelas populações, várias províncias foram declaradas em estado de emergência, o que implicou a militarização das mesmas. Os conflitos com o exército agudizaram-se, principalmente no distrito de Bambamarca, um dos mais afectados pelo projecto CONGA. Aqui as populações impediram por várias vezes o render da bandeira e em Celendin, os soldados foram expulsos da aldeia, pela população armada que tomou posição nas vias de entrada da localidade. Os camponeses e as comunidades organizam-se em milícias, denominadas rondas. As rondas de Celendin, por exemplo detiveram soldados do exército peruano, acusados de violarem e prostituírem menores.

Em 2012 registaram-se 167 conflitos activos, segundo o Observatório de Conflitos Mineiros, sendo 123 de origem socio-ambiental, sete laborais, sendo os restantes de origem não detetada e surgindo, muitas das vezes, devido á forte presença militar na região. As populações utilizam uma grande diversidade de recursos na sua resistência. Foram criadas frentes de defesa provinciais e locais, realizadas consultas municipais e provinciais, marchas e paralisações regionais e cortes de estradas.

As milícias camponesas, as rondas, são organizações comunais de autodefesa, criadas na década de setenta, em Cajamarca e Piura, para combater o roubo de gado e guardar os territórios indígenas. Recentemente os ronderos de Cajamarca, Bambamarca e Celendin acamparam massivamente nos arredores das lagoas afectadas pelo projecto CONGA, vigiando as lagoas e impedindo os trabalhos da empresa na zona. Foi criado um Comando Unitário de Luta e em toda a região existem escaramuças entre as rondas e as forças policiais e do exército, sendo declarado pelas rondas um território livre, onde todas as actividades mineiras foram suspensas, a maquinaria desmontada e as instalações ocupadas (uma práctica semelhante á utilizada pelos zapatistas no México).

O estado de excepção e a militarização de várias províncias já originaram, entre Dezembro de 2011 e Setembro de 2012, 17 mortos, segundo a Associação para os Direitos Humanos (APRODEH). As mortes foram registadas em Celendin e Bambamarca, Madre de Dios, na fronteira com o Brasil e a Bolívia, Espinar, em acções contra a mineira XStrata e em Ancash, contra a mineira BARRICK.

IV - Na província nortenha de Lambayeque surgiu recentemente um novo conflito entre as comunidades indígenas e a Minera Candente, da Copper Corporation – Cañariaco (multinacional canadiana). As comunidades acusam a empresa de intromissão e invasão de território ancestral. Realizaram um referendo comunal, em Setembro de 2012, em que 95% da população pronunciou-se contra a mineira. Em Janeiro deste ano realizaram uma paralisação regional e ocuparam as estradas. Proclamaram um Manifesto, em Fevereiro, onde exigem que as forças policias se retirem dos seus territórios e lançaram uma série de ataques armados às forças policiais, que já causaram mais de 24 feridos, obrigando a deslocações de unidades do exército para a região. As milícias indígenas realizaram operações de guerrilha e já destruíram diversos veículos militares, para além de danificarem equipamento da multinacional canadiana.

Estamos, assim, na presença de movimentos não centralizados, de carácter fragmentado, mas de fácil articulação e atingindo níveis de coordenação estratégica, em termos comunais, municipais e provinciais. Nenhuma das organizações tradicionais dirige ou exerce qualquer influência nestes movimentos. Existe uma coordenação sem aparelho burocrático, uma capacidade de decisão directa e um grande distanciamento em relação á estrutura eleitoral e ao papel institucional, o que realça o seu carácter intrinsecamente proletário (Desconfiança em relação ao aparelho de estado da oligarquia e aos seus “opositores” que apenas pretendem um aproveitamento eleitoral das lutas sociais).

Também aqui estamos no limiar de uma nova cultura politica. Que a velha já era…

Fontes
Raúl Zibechi "Informe Mensual de Zibechi" www.cipamericas.org/es.
Raúl Zibechi, Entrevista a Hugo Blanco, Lima, 22 de febrero de 2013.
Central Única Nacional de Rondas Campesinas: http://cunarcperu.org
Hugo Blanco, "Agua sí, Mina no", Cusco, 2012.
Metals Economics Group, "Tendencias de la exploración mundial 2012", Halifax, 2013.
Observatorio de Conflictos Mineros en el Perú, "11º. Reporte Semestral", Lima, diciembre 2012.
Raphael Hoetmer, "Los movimientos del Perú: Nueve hipótesis sobre conflicto y movimiento social,
y una afirmación epistemológica", en Crisis y movimientos sociales en Nuestra América, Programa
Democracia y Transformación Global, Lima, 2012.
Alan Ele, "Mujer Invisible: Historia de una visita a la familia Chaupe, Celendín Libre blog,
Reuters, 16 de abril de 2012.
Global Investment Trends Monitor, UNCTAD, No. 11.
La Primera, 12 de abril de 2012.
Ministerio de Comercio Exterior y Turismo, "Resumen de Exportaciones 2011", en http://www.mincetur.gob.pe/newweb/Portals/0/documentos/comercio/CuadrosResumen_Exportaciones_2011.pdf
Lucha Indígena, junio de 2012.
APRODEH, "Ni un muerto más", folleto, Lima, setiembre de 2012.
MANIFIESTO DE LAS COMUNIDADES Y RONDAS CAMPESINAS DE CAÑARIS, INCAWASI Y SALAS:
PUEBLOS ORIGINARIOS EN DEFENSA DEL AGUA Y LA VIDA, 5 de febrero de 2013.
Lucha Indígena, marzo de 2013.

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