Rui Peralta, Luanda
I - No Peru, um em
cada cinco hectares foi cedido a multinacionais do sector de mineração, assim
como mais de metade das terras das comunidades camponesas e indígenas dos Andes
peruanos. Desde a época colonial que a exploração mineira no Peru reconfigurou
os mapas sociais e políticos dos povos indígenas da região andina, sendo
conhecidas as epopeias guerrilheiras travadas contra os colonizadores nesta
região. A independência pouco ou nada resolveu e a especulação do ouro, da
prata e do cobre continuaram incólumes nas mãos dos novos senhores e dos novos
colonizadores (Deixaram de hablar e passaram a speaker). Na década de sessenta
do século passado, a região de Cusco assistiu a grandes lutas camponesas e das
comunidades indígenas (principalmente a Quéchua) pela recuperação de terras.
Nos últimos dois
anos, a conflitualidade tornou a atingir os Andes, forçando a alterações no
gabinete de Ollanta Humala em Dezembro de 2011 e em Julho de 2012 (ver 11°
relatório, Dezembro de 2012 do Observatório de Conflictos Mineiros no Perú).
Mas suas novidades surgiram nestas ultimas acções de luta. A primeira é que o
cerco da comunicação foi vencido e as lutas foram publicitadas e noticiadas. A
segunda foi a sua envergadura política, que inclusive obrigou a agência Moody’s
a aconselhar alguma prudência ao governo peruano.
A importância
destas lutas obriga a abordar três aspectos: A importância das novas
tecnologias da mineração na acumulação de capital; A resistência camponesa e
comunitária; As novas culturas de acção politica.
II - Metade das
terras das comunidades camponesas e indígenas têm concessões mineiras. 47% da
região hidrográfica do Pacifico está concedida á actividade mineira. Aqui
reside 65% da população, que conta apenas com 1,8% do volume de água do Peru,
ficando as restantes reservas aquíferas nas mãos das multinacionais mineiras.
Segundo um informe
da Metals Economics Group (Tendências da exploração mundial 2012) a queda
mundial do mercado de acções favorece os investimentos na indústria mineira, que
cresceram 44% em 2010 e 50% em 2011. A região latino-americana é o principal
destino destes investimentos, representando 25% do total, sendo o Chile, Peru,
Brasil, México, Argentina e Colômbia os objectivos fundamentais. Se compararmos
estes dados com os de 2003, ano em apenas 10% do investimento mineiro mundial
se destinou á América Latina, ressalta a importância actual desta região no
sector mineiro mundial.
Em 2010 esta região
produzia 51% da prata mundial, 50% do lítio, 45% do cobre, 27% do molibdeno,
25% do estanho, 23% do zinco e da bauxita, 19% do ouro e 17% do ferro (Reuters,
16 de abril de 2012). Até 2020 serão investidos, nesta região, mais 300 mil
milhões de USD no sector mineiro.
Em toda esta
movimentação de capitais o Peru desempenha um papel de extrema importância e
sofreu um aumento significativo dos investimentos estrangeiros directos, que no
ano de 2012 chegaram aos 11 mil milhões de USD, um aumento de 34% em relação a
2011. Entre 2000 e 2005 foram investidos uma média de mil e seiscentos milhões
de USD, o que realça de sobremaneira a importância que este país adquiriu para
as multinacionais do sector (Global Investment Trends Monitor, UNCTAD, No. 11,
23 de Janeiro de 2013).
Este tipo de
investimento consolida a dependência da exploração e da exportação de recursos
naturais. O jornalista peruano Raúl Wiener, num excelente artigo publicado no
diário La Primera, de 12 de abril de 2012, afirma que 30% dos ingressos fiscais
peruanos são originados no sector mineiro e prossegue: “(…) la única forma más
o menos rápida de incrementar estos fondos en el corto plazo y poder llevar
adelante los programas sociales que todo candidato promete para ganar las
elecciones, es con más inversiones en minería, por lo que pelearse con este
sector sería hacerse el harakiri".
O Peru converteu-se
no quinto país do mundo com maior crescimento das exportações, que passaram de
sete mil e seiscentos milhões de USD em 2002, para quarenta e cinco mil e
setecentos milhões de USD em 2011, sendo 60% provenientes da produção mundial e
10% do petróleo e gás, produtos que se exportam sem processar (ver Ministerio
de Comercio Exterior.
y Turismo,"ResumendeExportaciones2011"http://www.mincetur.gob.pe/newweb/Portals/0/documentos/comercio/CuadrosResumen_Exportaciones_2011.pdf).
É o maior exportador latino-americano de ouro e estanho e o segundo maior
produtor de prata e cobre.
III - Durante 2011
e 2012 o principal conflito mineiro e social do Peru registou-se na região de
Cajamarca, no norte do país e opôs a população dessa região ao projecto de
exploração de ouro e prata CONGA, da mineira YANACOCHA, propriedade da
norte-americana Newmont Mining Corporation. A YANACOCHA explora desde 1992 um
filão de ouro, localizado a 50 Km a norte da cidade de Cajamarca, a mais de
três mil e quatrocentos metros de altitude e que é a segunda maior mina de ouro
do mundo.
Nos últimos anos a
YANACOCHA tem vindo a registar uma queda na sua produção devido ao esgotamento
das reservas, pelo que o projecto CONGA seja uma alternativa para a empresa.
Mas a população mobilizou-se em defesa da água. A actividade mineira utiliza
cianeto e mercúrio, o que afecta as lagoas de altitude, que abastecem as
comunidades camponesas e indígenas, para além das cidades.
Em Novembro e
Dezembro de 2011, devido á resistência oferecida pelas populações, várias
províncias foram declaradas em estado de emergência, o que implicou a
militarização das mesmas. Os conflitos com o exército agudizaram-se,
principalmente no distrito de Bambamarca, um dos mais afectados pelo projecto
CONGA. Aqui as populações impediram por várias vezes o render da bandeira e em
Celendin, os soldados foram expulsos da aldeia, pela população armada que tomou
posição nas vias de entrada da localidade. Os camponeses e as comunidades
organizam-se em milícias, denominadas rondas. As rondas de Celendin, por
exemplo detiveram soldados do exército peruano, acusados de violarem e
prostituírem menores.
Em 2012
registaram-se 167 conflitos activos, segundo o Observatório de Conflitos
Mineiros, sendo 123 de origem socio-ambiental, sete laborais, sendo os
restantes de origem não detetada e surgindo, muitas das vezes, devido á forte
presença militar na região. As populações utilizam uma grande diversidade de
recursos na sua resistência. Foram criadas frentes de defesa provinciais e
locais, realizadas consultas municipais e provinciais, marchas e paralisações
regionais e cortes de estradas.
As milícias
camponesas, as rondas, são organizações comunais de autodefesa, criadas na
década de setenta, em Cajamarca e Piura, para combater o roubo de gado e
guardar os territórios indígenas. Recentemente os ronderos de Cajamarca,
Bambamarca e Celendin acamparam massivamente nos arredores das lagoas afectadas
pelo projecto CONGA, vigiando as lagoas e impedindo os trabalhos da empresa na
zona. Foi criado um Comando Unitário de Luta e em toda a região existem
escaramuças entre as rondas e as forças policiais e do exército, sendo
declarado pelas rondas um território livre, onde todas as actividades mineiras
foram suspensas, a maquinaria desmontada e as instalações ocupadas (uma
práctica semelhante á utilizada pelos zapatistas no México).
O estado de
excepção e a militarização de várias províncias já originaram, entre Dezembro
de 2011 e Setembro de 2012, 17 mortos, segundo a Associação para os Direitos
Humanos (APRODEH). As mortes foram registadas em Celendin e Bambamarca, Madre
de Dios, na fronteira com o Brasil e a Bolívia, Espinar, em acções contra a
mineira XStrata e em Ancash, contra a mineira BARRICK.
IV - Na província
nortenha de Lambayeque surgiu recentemente um novo conflito entre as
comunidades indígenas e a Minera Candente, da Copper Corporation – Cañariaco
(multinacional canadiana). As comunidades acusam a empresa de intromissão e
invasão de território ancestral. Realizaram um referendo comunal, em Setembro
de 2012, em que 95% da população pronunciou-se contra a mineira. Em Janeiro
deste ano realizaram uma paralisação regional e ocuparam as estradas.
Proclamaram um Manifesto, em Fevereiro, onde exigem que as forças policias se
retirem dos seus territórios e lançaram uma série de ataques armados às forças
policiais, que já causaram mais de 24 feridos, obrigando a deslocações de
unidades do exército para a região. As milícias indígenas realizaram operações
de guerrilha e já destruíram diversos veículos militares, para além de
danificarem equipamento da multinacional canadiana.
Estamos, assim, na
presença de movimentos não centralizados, de carácter fragmentado, mas de fácil
articulação e atingindo níveis de coordenação estratégica, em termos comunais,
municipais e provinciais. Nenhuma das organizações tradicionais dirige ou
exerce qualquer influência nestes movimentos. Existe uma coordenação sem
aparelho burocrático, uma capacidade de decisão directa e um grande
distanciamento em relação á estrutura eleitoral e ao papel institucional, o que
realça o seu carácter intrinsecamente proletário (Desconfiança em relação ao
aparelho de estado da oligarquia e aos seus “opositores” que apenas pretendem
um aproveitamento eleitoral das lutas sociais).
Também aqui estamos
no limiar de uma nova cultura politica. Que a velha já era…
Fontes
Raúl Zibechi
"Informe Mensual de Zibechi" www.cipamericas.org/es.
Raúl Zibechi,
Entrevista a Hugo Blanco, Lima, 22 de febrero de 2013.
Central Única
Nacional de Rondas Campesinas: http://cunarcperu.org
Hugo Blanco,
"Agua sí, Mina no", Cusco, 2012.
Metals Economics
Group, "Tendencias de la exploración mundial 2012", Halifax, 2013.
Observatorio de
Conflictos Mineros en el Perú, "11º. Reporte Semestral", Lima,
diciembre 2012.
Raphael Hoetmer,
"Los movimientos del Perú: Nueve hipótesis sobre conflicto y movimiento
social,
y una afirmación
epistemológica", en Crisis y movimientos sociales en Nuestra América,
Programa
Democracia y Transformación
Global, Lima, 2012.
Alan Ele,
"Mujer Invisible: Historia de una visita a la familia Chaupe, Celendín
Libre blog,
Reuters, 16 de
abril de 2012.
Global Investment
Trends Monitor, UNCTAD, No. 11.
La Primera, 12 de
abril de 2012.
Ministerio de
Comercio Exterior y Turismo, "Resumen de Exportaciones 2011", en http://www.mincetur.gob.pe/newweb/Portals/0/documentos/comercio/CuadrosResumen_Exportaciones_2011.pdf
Lucha Indígena,
junio de 2012.
APRODEH, "Ni
un muerto más", folleto, Lima, setiembre de 2012.
MANIFIESTO DE LAS
COMUNIDADES Y RONDAS CAMPESINAS DE CAÑARIS, INCAWASI Y SALAS:
PUEBLOS ORIGINARIOS
EN DEFENSA DEL AGUA Y LA VIDA, 5 de febrero de 2013.
Lucha Indígena,
marzo de 2013.
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