Wálter Maierovitch –
Carta Capital
A capela sistina
sempre foi palco de litígios e puxadas de tapete. Nela existe a “câmara das
lágrimas”, onde o vencedor troca os panos cor púrpura de cardeal pelos brancos
de papa, antes de, na solidão, debulhar-se em lágrimas por causa da grande
emoção. Na Sistina, o então jovem Rafael, insuflado pelo seu mestre Bramante,
tentou tomar o lugar de Michelangelo. Rafael não se contentava em afrescar os
quartos dos papas. Aproveitava-se do atraso de Michelangelo para espalhar que o
concorrente nunca afrescara paredes e não dominava as técnicas de aplicar tinta
em reboco molhado. Michelangelo venceu o embate.
Depois de 25 horas
de votações, venceram os reformistas da Cúria. A disputa estava polarizada
entre esses e os antirreformistas liderados pelo camerlengo Tarcisio Bertone,
ex-secretário de Estado (chefe da Cúria e uma espécie de primeiro-ministro). O
candidato de Bertone era o brasileiro Odilo Pedro Scherer, integrante da
comissão de fiscalização do apelidado Banco do Vaticano, eufemisticamente
denominado Instituto para as Obras Religiosas (IOR).
Nos últimos
conclaves, o grande embate ocorria entre os reformadores da doutrina, incluindo
o saudoso Carlo Maria Martini, e os conservadores. Venceram os últimos, cujos
principais símbolos foram Karol Wojtyla e o seu delfim Joseph Ratzinger. Por
evidente, perdia a Igreja com o conservadorismo, destacando a redução de fiéis
na Europa. A propósito, e como demonstrou o vaticanista Marco Politi, Ratzinger
foi o grande teólogo do obscurantismo. É contra a camisinha em tempos de Aids,
manteve a proibição de Paulo VI ao uso de pílulas anticoncepcionais, opõe-se à
ordenação de mulheres para o posto de sacerdotisas, condena o homossexualismo e
a lei alemã de “despenalização” do aborto, é contrário ao casamento de padres e
à oferta da eucaristia, nas celebrações, aos divorciados, entre outras.
A escolha de Jorge
Mario Bergoglio, que na eleição de Ratzinger ficou em segundo lugar ao
entrar nos escrutínios depois da baixa votação e da desistência do cardeal
Martini, foi costurada pelos norte-americanos, à frente Timothy Dolan, de Nova
York. Os primeiros candidatos apresentados eram Angelo Scola e Odilo Scherer. O
reformista entrou na Sistina com cerca de 50 votos e o antirreformista Scherer
com quase 25. Como não passavam desse número e jamais atingiriam os dois terços
previstos na Constituição apostólica, acabaram substituídos. Então, pelo
resultado da urna, percebeu-se que não emplacariam os cardeais canadense,
húngaro, australiano, mexicano e o outsider e cultíssimo Gianfranco Ravasi.
Para os vaticanistas, Scola pediu a transferência dos seus votos para
Bergoglio, de 76 anos. O outro argentino, Leonardo Sandri, estava fechado com
os antirreformistas.
As articulações de
Dolan, o apoio de diversos cardeais sul-americanos engasgados com a Cúria
(Scherer nunca foi unanimidade entre os brasileiros votantes) e a migração de
votos do italiano Scola deram a vitória a Bergoglio, que entrou sem nenhuma
aspiração e zero de apetite. Como as questões terrenas, nada teológicas,
prevaleceram no conclave, os reformistas curiais Scola e Dolan devem indicar o
novo secretário de Estado. Aquele que cuidará da limpeza e das defenestrações.
A respeito fala-se de um cardeal com prestígio entre políticos italianos, capaz
de manter a contribuição do governo da Itália ao Vaticano, equivalente a 9
bilhões de euros por ano.
Scherer saiu
chamuscado ao defender o escandaloso Banco do Vaticano. Segundo Paolo
Rodari, vaticanista do jornal La Repubblica, “o ataque duríssimo na
congregação-geral feito por muitos cardeais e contra a ‘corrupção’ romana, numa
Cúria que apontava no candidato Odilo Scherer, cardeal brasileiro e integrante
da Comissão Cardinalícia do IOR, ecoou de maneira dramática durante o conclave…
Um conclave que assistiu, gradualmente, aos sul-americanos e norte-americanos
escolherem uma figura independente”.
Com Bergoglio,
jesuíta, esperam-se ações de moralização na Cúria, com o vigor de Inácio de
Loyola. Perderam os fiéis brasileiros: o maior país católico do mundo não teve
um candidato, entre os reformistas da Cúria, capaz de empolgar. E fica a
impressão, por exigência dos cardeais norte-americanos, de estar com os dias
contados a lavanderia do IOR, que não atende a todas as regras internacionais
de prevenção à lavagem de dinheiro criminoso ou sem causa.
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