Teólogo revela como
papas Ratzinger e Wojtyla reintroduziram a Inquisição, perseguiram divergentes
e tornaram quase impossível renovação da Igreja
Entrevista a Amy
Googman e Juan Gonzalez, no DemocracyNow - Tradução: Gabriela Leite - Outras Palavras
Desde que o Papa
Bento XVI formalmente se retirou, na quinta-feira, as especulações passaram a
ser sobre quem vai substitui-lo. Na quarta, Bento deu um adeus emotivo em sua
última audiência geral, dizendo que compreendia a gravidade de sua decisão de
tornar-se o primeiro pontífice a renunciar, em um período de cerca de 600 anos.
Com 85 anos de idade, apontou sua saúde frágil como razão para a partida.
Dirigindo-se a cerca de 150 mil fiéis na Praça de São Pedro, disse que está
renunciando pelo bem da Igreja.
O mandato do papa
Bento foi marcado por muitos escândalos, talvez mais notadamente por sua
postura diante dos abusos sexuais. Há alegações de que ignorou ao menos um caso
assim, quando era cardeal. Documentos mostram que, em 1985, o estão cardeal
Ratzinger adiou esforços para afastar um padre condenado por abusar de
crianças. Enquanto isso, Bento supervisionou, no ano passado, uma sentença do
Vaticano segundo a qual o maior e mais influente grupo de freiras católicas
norte-americanas sofria “sérios problemas doutrinários”, por ter questionado os
ensinamentos da Igreja sobre pontos como homossexualidade e a proibição das
mulheres exercerem o sacerdócio. Mais recentemente, novas fontes italianas
revelam que três cardeais foram investigados por terem vazado documentos que
mostram a corrupção sem limites nos postos do Vaticano.
Para saber mais,
fomos a San Francisco, onde entrevistamos o teólogo MatthewFox. Ele é autor
de mais de vinte livros, o mais recente dos quais é “The Pope’s War: Why
Ratzinger’s Secret Crusade Has Imperiled the Church and How It Can Be Saved”
(tradução livre: “A guerra do Papa: Por que a cruzada secreta de Ratzinger
ameaçou a Igreja e como ela pode ser salva”). Fox é um ex-padre católico, que
foi primeiro impedido de ensinar a Teologia da Libertação e Espiritualidade da
Criação pelo então cardeal Ratzinger. Mais tarde, foi expulso pela Ordem
Dominicana, à qual pertenceu por 34 anos. Hoje é padre na IgrejaEpiscopal.
Eis sua entrevista:
Amy Goodman: Bem
vindo ao Democracy Now! Você pode começar respondendo sobre a renúncia do Papa
e seu significado?
Obrigado. Eu
realmente aprecio o jornalismo de vocês. Ele significa muito, para muitos de
nós.
Penso que eu vou
acreditar na palavra do Papa, quando ele diz que está cansado. Eu estaria
cansado também, se tivesse deixado atrás de meu mandato tanta devastação, como
ele fez, primeiro como inquisidor-geral durante o papado anterior. Bento trouxe
de volta a Inquisição. É verdade que fui um dos teólogos expulsos por ele, mas
relaciono outros 104 em meu livro, e a lista continua crescendo. É assim que a
História vai lembrar deste homem: como quem trouxe a Inquisição de volta, o que
é o completo oposto do espírito e dos ensinamentos do Segundo Conselho do
Vaticano. Portanto, acredito realmente que o Papa está deixando seu posto
porque não o suporta mais.
O Vaticano
tornou-se um ninho de serpentes. Como teólogo, vejo o trabalho do Espírito
Santo em tudo isso. A Igreja Católica como a conhecemos, a estrutura do
Vaticano, está obsoleta. Estamos nos movendo para além dela. O que está
ocorrendo é doentio e me refiro, por exemplo, à proteção dos padres pedófilos.
Você pode ver este fenômeno em muitos lugares: com o Cardeal Mahony em Los
Angeles; o cardeal escocês que acaba de renunciar; o Cardeal Law, que foi
elevado após ter saído de Boston, promovido para dirigir uma basílica do século
IV, em Roma; e o próprio Papa, segundo informações recentes.
Estamos tomando
conhecimento das coisas horríveis que ocorreram em uma escola para surdos em
Milwaukee, onde mais de 200 garotos, garotos surdos, foram abusados por um
padre, e Ratzinger sabia disso. O Padre Maciel, que era tão próximo do último
Papa que o levou para passeios de avião, abusou de vinte seminaristas; tinha
duas esposas e abusou de quatro de seus próprios filhos. Ratzinger soube sobre
esse caso por dez anos. Os documentos estavam em sua mesa, e ele não fez nada
até 2005.
A história e a
bajulação dos papas, que chamo de papolatria, não vão encobrir os fatos. Foram
os 42 anos mais sórdidos do catolicismo, desde o Borgias. Acho que é algo
realmente relacionado ao fim dessa Igreja, como a conhecemos. Acredito que o
protestantismo também necessita de um reinício. Acho que o cristianismo pode
voltar mais atrás, e se aproximar dos ensinamentos de Jesus, um revolucionário
do amor e da justiça. É disso que se trata. E é por isso que tem havido uma
resistência tão feroz, na ala direita. A própria CIA esteve envolvida,
especialmente com o Papa João Paulo II, no esmagamento da Teologia da Libertação
em toda a América do Sul, substituindo líderes heróicos, inclusive bispos e
cardeais, por integrantes da Opus Dei, uma organização fascista. Tudo
reduziu-se a uma questão de obediência: não se trata de ideias ou teologia.
Eles não produziram um teólogo em quarenta anos. Produziram advogados canônicos
e pessoas que se infiltram onde o poder está: na mídia, na Suprema Corte, no
FBI, na CIA e nas finanças, especialmente na Europa.
Juan González: Em
alguns de seus escritos, você sustenta que, no fundo, os dois últimos papas —
Bento XVI e João Paulo II – lideram um cisma e que, na realidade, agiram para
burlar as decisões do Concílio Vaticano II. Você poderia detalhar este
movimento histórico?
O Papa João XXIII
convocou o concílio no começo dos anos 1960. O encontro reuniu todos os bispos
do mundo e todos os teólogos, muitos dos quais haviam vivido sob fogo no papado
anterior, de Pio XII. Foi certamente um movimento de reforma. Inspirou os mais
pobres, especialmente na América do Sul. Depois deste concílio, o movimento da
Teologia da Libertação e a opção preferencial pelos pobres decolaram, criaram
comunidades de base. Eram um novo jeito de fazer a Igreja, onde todos tinham
voz, não apenas as pessoas no altar.
Esta aproximação
não-hierárquica ao cristianismo e ao culto, muito mais horizontal e circular,
foi uma grande ameaça a certas pessoas em Roma — ameaçou ainda mais à CIA. Dois
meses depois de elito, o presidente Ronald Reagan convocou uma reunião de seu
Coselho Nacional de Segurança em Santa Fé, Novo México, para discutir um ponto
específico: como destruir a Teologia da Libertação na América Latina.
Concluíram que não poderiam destruir a Igreja, mas conseguiriam dividi-la.
Foram ao Papa. Deram imensas somas de dinheiro ao sindicato Solidariedade, na
Polônia, ao qual ele estava ligado. E em troca, conseguiram permissão ou — se
você prefere assim — o compromisso do papado em destruir a Teologia da
Libertação.
Isso está muito
documentado. Por exemplo, por Carl Bernstein, num artigo de capa da revista Time,
onde ele cria algo como uma hagiografia de Reagan e do Papa juntos. Bernstein
foi muito ingênuo sobre o que realmente estava acontecendo na própria Igreja.
Parte importante do Concílio Vaticano II era declarar a liberdade de
consciência, considerá-la um direito de todos os cristãos. Tudo isso foi
destruído pelo papa João Paulo II e pelo cardeal Ratzinger.
As reformas do
Concílio Vaticano II estavam se concretizando. Falo de um cisma porque, na
tradição católica, um Concílio é superior a um Papa. Mas nos últimos 42 anos,
os dois últimos papados foram desfazendo todos os valores que o Vaticano II
sustentou. É isso que as freiras estão sofrendo agora. Assim como o Vaticano
atacou 105 teólogos, agora acusa as freiras de, digamos, não participar da
Inquisição. E Deus abençoe essas freiras, as NunsontheBus.
Muitos de nós as conhecemos porque elas têm estado nas linhas de frente,
sustentando os valores do Vaticano II, especialmente os de justiça e paz, e
trabalhando com os marginalizados.
Amy Goodman:
Matthew Fox, por que você foi expulso da Igreja Católica? Você diz que é por
causa da Teologia da Libertação. Explique.
Bem, primeiro eu
fui silenciado por 14 anos, por Ratzinger. Em seguida, tive permissão para
falar de novo e então, três anos depois, fui expulso. Mas ele construiu uma
lista de reclamações. Primeira: eu seria um teólogo feminista. Não imaginava
que este fato pudesse constituir uma heresia…
Número dois, eu
chamava Deus de “Mãe”. Bem, provei que todos os místicos medievais chamavam
Deus assim; e que a Bíblia também o faz, apesar de forma menos frequente.
Número três, eu
prefiro a expressão “bênção original” a “pecado original”. Escrevi um livro
chamado Original Blessing (“Bênção Original” em inglês), no qual
provo que nem Jesus, nem judeu algum, jamais ouviu falar de “pecado original”.
Como você pode construir uma igreja, em nome de Jesus, a partir de um conceito
que é do século IV d.C.
Sabe o que mais
aconteceu no século IV, além da ideia do pecado original? Foi a conversão do
Império Romano ao catolicismo. Se você passa a comandar um império, o pecado
original é um ótimo dogma a difundir. Faz com que todos fiquem confusos sobre
por que estão aqui. Nessa condição, é muito mais fácil colocá-los sob comando.
Acusaram-me por não
condenar homossexuais, o que é claro que não faço. Obviamente Deus quer
homossexuais, ou não haveria entre 8% e 10 % da população de todo o planeta com
essa graça especial.
Disseram que
trabalho muito perto dos índios norte-americanos. Bem, realmente trabalho com
eles. Aprendi muito com os professores índios e seus rituais, tais como saunas,
danças do sol, busca de visões. Não sei se isso é heresia também — eu não sei o
que significa “trabalhar perto demais”.
Essas eram algumas
das objeções. E realmente, nenhuma delas se sustentava. Sãotestes de Rorschach sobre
o que apavora o Vaticano. E acima de tudo, é claro, sobre mulheres e sexo. Essa
é a agenda. Em qualquer situação onde há fundamentalismo e fascismo, existe
controle. É por isso que o Vaticano, o Taliban e o pastor Pat Robertson têm
algo em comum: estão todos apavorados com a possibilidade de trazer a divindade
feminina de volta, e com isso, é claro, os direitos iguais para as mulheres.
Juan González: Além
da pedofilia, que tem sacudido o Vaticano e toda a Igreja, há também os escândalos
de corrupção no próprio Vaticano. Fala-se da denúncia produzida por um grupo de
cardeais, que investigaram parte da corrupção mas não vão divulgar nada até o
próximo Papa ser nomeado. Você sabe quanto qualquer desses temas tem a ver com
a renúncia de Bento XVI?
Tenho certeza que
tiveram. Eu fui informado de que ele recebeu a denúncia, examinou-a e, seis
horas depois, anunciou que estava renunciando. Pôs-se a salvo e encarregou o
próximo papa de lidar com o tema. Penso ser muito claro que há uma conexão. Há
muito mais nos bastidores do que a imprensa já anunciou, posso assegurar.
Quando Ratzinger
fez-se papa, fui a Wittenberg e
preguei as 95
Teses [de Martinho Lutero] na porta. Um ano e meio atrás, estava em
Roma, e as traduzi para o latim — quer dizer, italiano, e entreguei-as para a
basílica do cardeal Law numa manhã de domingo. Foi muito interessante. Um homem
de 40 anos de idade veio a mim, um romano. Ele me disse, muito simplesmente:
“Eu costumava me dizer um católico. Agora, só me chamo de cristão”. Foi um
golpe para mim. Logo embaixo do nariz do papa, italianos, também, estão
começando a compreender a verdade, estamos em um ótimo momento histórico. Uma
instituição ocidental de 1800 anos está derretendo diante dos nossos olhos. É
doloroso e feio. Por outro lado, é também um momento de avanço e para apertar o
botão de reiniciar no cristianismo, retornando à mensagem realmente poderosa de
Jesus e seus seguidores através dos séculos: os místicos e os profetas.
Susan Sontag define
“fascismo” como violência institucionalizada. Os católicos têm passado por
violência institucionalizada há 42 anos. Pergunte a qualquer um desses teólogos
que foram afastados de seu trabalho. Alguns morreram de ataque cardíaco.
Outros, na pobreza das ruas, porque não conseguiram arrumar emprego. Mas, é
claro, fale com os jovens que foram abusados por padres e acobertados por
Ratzinger, que “protegeu” a instituição às custas de cada uma dessas crianças.
Juan González:
Vamos às especulações sobre quem vai ser o sucessor do Papa Bento XVI, Fala-se
muito sobre a possível escolha, pela primeira vez, de um papa do hemisfério
sul. Você ve alguma possibilidade de mudança real e substantiva na política da
Igreja, seja quem for seu sucessor?
É triste dizer
isso, mas eu não acredito, porque todos os que vão votar foram nomeados com
aprovação do Ratzinger. Pensam como ele. O emburrecimento da igreja veio com
toda essa crise pedófila. Quando você não tem líderes inteligentes e com
consciência por 42 anos, mas apenas gente que diz sim, não é possível responder
de modo inteligente à crise que emerge quando se acha um pedófilo em seu meio.
Há um arcebispo norte-americano — não vou nomeá-lo – que, vinte anos atrás,
chorou na presença de um amigo meu e lhe disse: “Não há um único bispo nomeado
nos últimos vinte anos que eu consiga respeitar”. Bem, agora nós podemos dizer
42 anos.
Por isso,
francamente, poucos nomes me vêm à cabeça. Existe este na África, que por azar
é um completo homofóbico, e está endossando todas as leis recentes de violência
homofóbica na África. É o chefe da Comissão de Justiça e Paz no Vaticano. Seria
de esperara que não chegasse tão longe. Existe o cardeal austríaco, que é
dominicano e mostrou um pouquinho de independência uma ou duas vezes. Há esse
O’Malley, de Boston, que é franciscano, e portanto não quer ser Papa.
1 comentário:
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