Ana Sá Lopes –
Jornal i, opinião
A geração que
nasceu na ditadura e na pobreza é agora vista como “privilegiada”
É provável que o
Tribunal Constitucional decrete a inconstitucionalidade da sobretaxa de 3,5%
aos reformados, tratados por este governo como cidadãos de segunda –
provavelmente fazendo parte desse contingente de “instalados” que trava a
ascensão dos jovens de que recentemente falava Miguel Relvas. Se é impossível
negar a existência da inversão da pirâmide demográfica (e uma reforma da
Segurança Social deveria sempre discutir a existência de tectos máximos,
rejeitando reclamações patéticas do estilo do movimentos dos banqueiros
reformados e etc.), obrigar um pensionista com mais de 1350 euros mensais a
pagar a crise com uma sobretaxa é um atentado social e institui, de facto, uma
desigualdade geracional. Tratar os reformados como cidadãos de segunda é tentar
fazer recair sobre uma geração que nasceu numa ditadura, que não teve qualquer
acesso ao Estado social até à idade adulta, que em alguns casos viveu o
racionamento da Segunda Guerra, penou na guerra colonial e teve os seus
direitos civis amputados até ao 25 de Abril de 1974, uma “culpa” de se ter
transformado, na meia--idade, sabe Deus como, numa geração de “privilegiados”.
Não dispondo de
qualquer hipótese de criar emprego – é a própria receita recessiva da troika e
as políticas europeias que o impedem – o governo entretém-se na propaganda
infeliz de colocar as gerações umas contra as outras, como se a situação fosse
definível pela existência de “culpados” e “vítimas”. A utilização política do
gap geracional é tanto mais obscena quanto a geração dos reformados fez o que
lhe foi possível para entregar às novas gerações um país muito melhor do que
aquele que existia quando começou a trabalhar e a pagar impostos. Se o Tribunal
Constitucional declarar impossível à luz da Constituição portuguesa a divisão
entre velhos e novos presta um bom serviço à coesão nacional.
Afinal, não foi a
esmagadora maioria dos agora atingidos que criou os regimes excepcionais de
reformados de cargos públicos – que na sua origem foram criados para evitar que
um titular de cargo público passasse à situação de desemprego quando o mandato
expirasse, mas serviu de pasto para um sistema insustentável moral e
financeiramente. A participação maciça de pessoas mais velhas na manifestação
“Que se lixe a troika” é um sintoma expressivo de que o combate ao governo tem
nos reformados um dos seus principais suportes. Afinal, o governo também se
encarrega de os combater.
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