Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
Restasse um pingo
de bom senso, sobrasse uma réstia de vergonha, tivesse ainda o mínimo de
respeito pelos cidadãos e Vítor Gaspar não hesitaria um segundo: após a
conferência de imprensa de sexta-feira, dirigia-se a São Bento e entregaria a
sua carta de demissão ao primeiro-ministro.
Por esta altura,
não há português que desconheça a dimensão da incompetência do ministro das
Finanças. E não era preciso mais aquela conferência de imprensa: a lista dos
erros, das fantasias, dos mais patéticos disparates não cabe neste jornal.
Ninguém desconhece a evidente incapacidade do ministro.
No ano passado,
foram três orçamentos rectificativos e previsões completamente ao lado. Este
ano, em três meses, já se corrigiram todas as previsões duas vezes, quando não
havia uma alma que soubesse somar que já não soubesse que os números
orçamentados eram absolutamente irreais.
Mas os truques de
fraco artista de Gaspar chegam a ofender: há um mês, dizia-nos que a recessão
ia passar de 1% para 2%, mais um ponto, perceberam? Pois, o dobro (claro está
que anteontem disse que vai ser 2,3% e, como é claro, daqui a umas semanas este
número vai piorar) . Sexta-feira, não contente com o cenário que estava a
descrever, resolveu voltar a querer aldrabar. Afinal não há um número para o
défice para 2012, há três. Quem quiser que escolha o seu. Temos 4,9%, 6% e 6,6%.
Pronto, é mesmo 6,6% (alguém se recorda dos insultos aos "profetas da
desgraça" que diziam que o número seria aproximadamente deste valor?), mas
se mexermos na folha de cálculo e dermos uma pancadinha no computador podemos
até ter outros números.
Pensávamos nós que
no mundo dos superempreendedores, da gente pouco piegas, dos autênticos novos
homens deste extraordinário novo mundo houvesse um bocadinho de exigência, um
bocadinho de responsabilidade. Ou seja, não houvesse lugar para incompetentes,
não houvesse lugar para quem falha de forma tão clamorosa. O facto é que Gaspar
como director financeiro duma PME não durava dois meses.
Mas, convenhamos, é
Gaspar o maior culpado? Obviamente que face aos resultados das suas acções não
poderia ficar nem mais um segundo no Governo, mas foi ele quem disse que mesmo
que não estivéssemos sujeitos a este memorando de entendimento o iríamos
aplicar? Foi ele que disse que se devia ir para além da troika? É ele o maior
responsável por uma política que o melhor horizonte que tem para nos apresentar
é um desemprego de 18% para 2016?
Foi ele quem
definiu uma meta que consiste em destruir uma inteira geração através duma
austeridade sem perspectivas? Foi ele quem definiu uma política, que agora não
há ninguém que não saiba, provocou que todos os sacrifícios, todos os cortes,
todas as desgraças provocadas tivessem sido em vão? Foi Gaspar que condenou os
nossos filhos, sobrinhos e amigos a emigrar definitivamente pois o País nada
lhes terá para oferecer nas próximas décadas?
Não, não foi ele.
Foi o primeiro-ministro. E existisse sentido de Estado, conhecesse Passos
Coelho o verdadeiro estado do País, entendesse a enormidade das suas opções e o
primeiro-ministro pediria uma audiência ao Presidente da República e faria
também o evidente: apresentaria a sua imediata demissão.
A dimensão da
tragédia que nos foi apresentada é demasiado brutal para que tudo fique na
mesma. Nós já a conhecíamos, mas pela primeira vez o Governo deu a entender que
finalmente tinha percebido. Convenhamos, era, aliás, impossível, desta vez, não
perceber: os números, sobretudo os do desemprego, são demasiado estridentes.
Falhou, falhou
tudo. O fracasso é completo e total. Um Governo que precisa de aqui chegar para
perceber que errou não pode permanecer em funções. Um Governo que foi o
primeiro agente de destruição duma geração, dum tecido económico, de ter criado
uma situação social insustentável, um nível de desemprego que destrói uma
comunidade, não pode agora vir dizer que vai mudar (nem essa intenção tem, claro
está). Um Governo que espalhou e aplaudiu todo o napalm económico e social que
vinha da Europa não tem a mais pequena capacidade de negociar uma outra
política.
Pois, ai meu Deus,
uma crise política. Mas há maior crise política do que manter em funções um Governo
que pelas suas próprias decisões políticas nos trouxe até aqui? Há maior crise
política do que manter um Governo que ainda pensa que este caminho é o certo?
Manter tudo como está, essa, sim, será uma colossal crise política.
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